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Travancas, Chaves, Portugal, o planalto ecológico, a capital da batata. É esta a nossa aldeia convidada de hoje.
Pela apresentação já se entende que Travancas é uma das terras do grande planalto de Chaves, com as terras galegas como fronteira a Norte, terra de contrabandistas e guardas-fiscais, vizinha das freguesias de Mairos, Paradela de Monforte, Cimo de Vila da Castanheira, Roriz e S.Vicente da Raia e que seja num único ponto, toca ainda nas freguesias de Águas Frias e Tronco.
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Travancas é uma freguesia com características únicas, quer na sua paisagem de planalto, com os seus campos sempre verdes e amarelos, numa paisagem que se perde de vista na transição entre o grande vale de Chaves e o mar de montanhas da freguesia de S.Vicente da Raia, que ainda assume um pouco deste planalto.
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Travancas é sede de freguesia, à qual pertencem as aldeias de S.Cornélio e Argemil, fica a 20 quilómetros da cidade de Chaves e está colada à Galiza, tendo como aldeia mais próxima galega a aldeia de Arzádegos do concellho de Vilardevós, terra dos Guardas-Fiscais, dizem popularmente, porque também era terra de contrabandistas e terra com visibilidade, pois através do seu seio passava-se não só para as terras de S.Vicente da Raia mas também para Espanha, vivendo com (e da) salutar promiscuidade com a Galiza, tal como todas as aldeias da raia, promiscuidade de duas nacionalidades, promiscuidade de guardas, carabineiros e contrabandistas, promiscuidade com alinhados e desalinhados do sistema e do regime, que, como terra de pulo, recebia e hospedava com a cumplicidade e hospitalidade com que o nosso povo tão bem sabia e ainda sabe receber.
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Com certeza que em coisas de contrabando, das passagens a pulo das “peles”, e da hospedagem de “clandestinos” com pensamentos diferentes do instituído, Travancas tem muita história e terá (ou teria) muito para contar,, e que seriam dignos de muitos romances ou filmes de encantar, tal como a “Balada da Praia dos Cães”, de Cardoso Pires, que também veio a Travancas buscar um pouco do enredo e personagens.
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Talvez por ter sido uma aldeia tão importante em termos de raia e contrabando, de Guardas-Fiscais e contrabandistas que tinham por lema estudar e formar os filhos, hoje, com a abolição da fronteira e a extinção da GF, Travancas esteja entregue a alguns, (poucos) resistentes e a muitos (a maioria) de uma população idosa, que embora não seja muito notório no cultivo dos campos, que continuam a ser cultivados com a boa batata e o centeio, Travancas não deixa de ser uma aldeia despovoada e com a sua população envelhecida.
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Despovoamento que é notório também no seu casario, com muitas casas “esborralhadas”, pouca construção nova e algumas recuperações, dos tais filhos da terra que se formaram e sentimentalmente preservam a casa dos pais, mas só para passagens ocasionais de um fim-de-semana de Inverno, ou-um-ou-outro fim-de-semana quando calha ou o sentimento dita. Claro que na sua gente (formada e não formada) há filhos da terra que são excepções, tal como o actual Presidente da Junta, o Gustavo (é assim que é conhecido, pelo nome próprio) um autêntico dinossáurio da política das freguesias que desde o 25 de Abril só não foi Presidente da Junta num mandato e, que tem sido ao longo destes 34 anos de democracia um fiel representante de freguesia, já desde os bem longínquos tempos de há vinte e tal anos atrás em que o conheci, quando então eu era monitor da DGD, onde podiam falhar todas as aldeias do concelho, mas onde o Gustavo marcava sempre presença com uma equipa de futebol de Travancas com os “putos” da freguesia. Outro nome que sempre esteve também ligado à freguesia (este formado e médico), é o Dr. Vaz (também é assim que é conhecido de todos, quer na freguesia quer na cidade), actualmente presidente da Assembleia de Freguesia e que sempre manteve uma ligação estreita à aldeia, quer como filho dela, quer como amigo, quer como médico, ao qual todos reconhecem as suas qualidades de homem e médico, com uma forte ligação a povo das aldeias, mas também da cidade.
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Não poderia passar por Travancas sem realçar estas duas figuras que tão bem a representam e das quais tenho a honra de conhecer, ser amigo e respeitar já há longos anos.
Mas mesmo a freguesia estando entregue em boas mãos, não deixa por isso de sofrer dos males das aldeias, o despovoamento. Segundo o Censos de 2001, Travancas possuía 168 habitantes residentes (dados só para a aldeia). Para a freguesia, nos mesmo Censos, Travancas reunia 520 habitantes, contra os 872 habitantes de 1981. Claro que já nem comparamos com dados mais antigos, como os dos anos 60 em que a diferença seriam bem mais acentuada. Mas na análise dos números, o despovoamento da freguesia deve-se principalmente a Travancas e pelo tal “fenómeno” de ter estudado e formado os seus filhos em tempos passados e os mesmos não encontrarem na aldeia qualquer modo de vida compatível com as suas profissões. Aliás a única profissão que ainda por lá prevalece, é a de agricultor e graças a uma agricultura mais extensiva daquilo que é costume no concelho e que está a cargo de meia dúzia de famílias, como por exemplo a família Maldonado, porque a não ser assim, também muitas das suas terras já estariam abandonadas, terras quase na totalidade agrícolas e que se estendem por 12.73 km2 de área, onde a batata é rainha e o centeio marca a sua importante presença e se perdem de vista no planalto e que dão a freguesia a tal paisagem singular.
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Alguns castanheiros, milho, e gado, além das culturas típicas e de proximidade das aldeias, as culturas das hortas, da cebola, alface, tomates, pimentos, feijão e de tudo quanto a casa precisa diariamente, também se fazem sentir no alinhamento das pequenas e bem tratadas hortas.
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Travancas é também uma aldeia que conhece o rigor dos Invernos e do frio, da neve (quando toca!) e tudo graças a sua altitude de 900 metros, num extenso planalto que de Inverno assume um aspecto agreste. É a aldeia, que se situa à maior altitude, na região.
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O Abade Baçal defendia mesmo que o seu topónimo derivava da palavra trabanca, termo espanhol que significa obstáculo ou coisa impeditiva de trânsito. É da mesma origem o termo atravancar. Possivelmente este povoado do alto da serra e do grande planalto impediria o avanço de invasores, seria ponto estratégico da antiga arte militar e talvez local onde, em tempos passados, se travaram sangrentas batalhas entre mouros e cristãos (dizem os entendidos das universidades públicas ou não).
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A noroeste da povoação, até há poucos anos, era possível observar vestígios de fossos ou trincheiras, que teriam sido abertos por ocasião da guerra da independência.
O povoamento primitivo era no local de Palheiros, do qual há pouca documentação ou referências escritas.
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A sua Igreja paroquial, da devoção a S. Bartolomeu, de linhas muito simples, tem gravado no dintel a data de 1811, que poderá situar a época do último restauro e acrescento. A festa ao padroeiro celebra-se a 24 de Agosto, no entanto é a festa do Sr. dos Aflitos, a festa da freguesia, que reúne mais força e mais tradição, esta a realizar no último domingo de Agosto, junto à capela localizada nas redondezas da aldeia, no meio dos campos de centeio e batata, pacato, calmo e agradável, além da festa natural de Agosto que está associada às naturais férias dos emigrantes e da sua visita à terrinha.
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E para terminar, só me resta mesmo dizer que sempre que vou para estas bandas, Travancas é ponto de paragem obrigatório, para refazer forças ao caminho, com um café ou uma água que seja, pois nas redondezas não há outro café que seja ou esteja sempre aberto e, publicidade à parte, mesmo porque não tem concorrentes, é o Café Central, que, claro, tinha que ser do Gustavo, o Presidente da Junta.
E por hoje é tudo e amanhã cá estarei, com algumas aldeias e outras coisas que merecem destaque neste blog.