NONA
Com catorze anos veio de uma recôndita aldeia do sul do distrito para as terras mais frias e, ditas ricas, do norte. Acompanhava sua mãe, sua irmã mais nova e seu irmão, deslocado em múnus pastoral.
Traziam a esperança de uma vida melhor e mais próspera.
E horizontes mais largos que as fragas do Marão não lhes davam, apesar da beleza agreste das suas vistas e dos enormes e policromados vinhedos que, à sua volta, todos os anos se lhes ofereciam em horto de canseiras.
Fizeram, nas faldas das fartas terras da Veiga, o seu lar, construindo sua casa.
Neste terrunho decidiram levar para a frente suas vidas.
As terras da Veiga tinham fama.
Fama que lhe vinha da história. Da situação geográfica privilegiada. Das suas gentes.
Terra de fronteira, o comércio e relacionamento entre povos era a sua especialidade.
Pelas histórias que se contavam e contam, assim era, ou parecia ser.
Nos anos 60 e 70, as terras da Veiga tinham aura, encanto e encantamentos. E comércio próspero. E fronteira cheia de “peliqueiros” endinheirados pela imigração clandestina. E pelo contrabando. E agricultura, suporte da maioria das actividades das gentes do mundo rural, ainda pujante. E bancos gordos das remessas das divisas das suas gentes, pobres de terras, à procura também de melhor vida. E meio urbano fervilhando de estudantes e militares (Caçadores 10 e Liceu), propiciando uma “movida” de fazer inveja a muitas cidades com pergaminhos, gabarito e fama na área da diversão e da animação.
Enfim, via-se que a terra tinha futuro. Que era uma esperança. E que havia que apostar.
Daí, em alguns espíritos, um certo ar de superioridade, de indiferença, quiçá até de desprezo, para com as gentes do sul. Clima este, mais patente e visível, nas instituições da Vila, capital do distrito.
Toda esta envolvente, era meio para cativar, seduzir. O amor próprio andava alto.
Com toda esta vivência, de auto-estima positiva, Nona, que, de tempos a tempos, vinha a norte passar férias com os seus parentes, foi seduzido. Também conquistado. Apesar de, no fundo, andar desconfiado. Pois sentia que tanta “fartura” não podia durar sempre. Porque não sentia ali o dedo do engenho, da arte, do esforço, do trabalho, da criatividade. Somente o usufruto fácil de situações facilitadoras. Portanto, fáceis.
Mas acabou por ficar também. O coração falou mais alto que a razão. E fez também neste cantinho o seu lar.
E, durante mais de trinta anos, deu o melhor que soube e tinha da sua juventude à terra onde repousam os restos dos seus entes mais queridos.
Hoje, Nona, já tio, entrando naquela idade que apelidamos de velhice, olhando de frente para o passado, resmunga consigo próprio e com os seus conterrâneos que não souberam, a tempo, usar da tradição e da história, da situação geográfica privilegiada, dos seus recursos agro-florestais e do subsolo e, fundamentalmente, das suas gentes, para se desenvolverem.
Porque ninguém desenvolve ninguém a não ser nós próprios.
Porque vivemos quase sempre na miragem de uma imagem fossilizada do que éramos, enquanto outros prosperavam. E passámos a vida a culpabilizar os outros e a pedir ajuda a terceiros.
Esquecemo-nos de olhar para o fundo de nós próprios e tentarmos descobrir que, numa quadra em que tanto se fala de nascimento e novo, urge sabermos investir num renascer e um novo homem flaviense. Que seja capaz de sair da mentalidade miserabilista, da apatia e do acanhamento. E que saiba estar mais à frente, para além da fronteira, investindo mais em si próprio e potencializando, pela inovação e criatividade, todos os seus recursos.
Eis, em suma, o resumo da conversa ontem mantida com o Tio Nona quando ontem me dirigi a sua casa para lhe desejar um Bom Ano 2011.
Bom Ano 2011 a todos!
António Tâmara Júnior