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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

31
Mar12

Pecados e Picardias - Por Isabel Seixas


 

Sem apelação

 

Vislumbram-se mudanças  de lugares cimeiros que geram o entusiasmo dos olheiros e ouvintes matreiros ávidos por ter assunto picante  com que bichanar aos amigos.


Discutem-se pessoas como alternativa de mudança  em lugares  que clamam por validade politica expirada, independentemente do desempenho…


Diversos pactos de silêncio configuram-se em clusters com um fio condutor de anuências do partido obtidas em sondagens prévias sem regra demarcada.


E começa a dança dos sorrisos dirigidos aos candidatos a candidatos


Há uma atratividade expectante que deixa tudo em aberto, até a ilusão que vai ser tudo melhor, num desejo já saudoso cultivam-se ensejos de que por trás de mim virá quem de mim bom fará…


Há os que deixam os lugares de topo de livre e espontânea vontade, são poucos, raros, escasseiam, mas há…

Há os que vão fazer render o peixe e esperar, e fazer esperar os aflitos pelo lugar já a delinear projetos de ação.


Instala-se desde logo um sentido de posse por direito de nomeação e preparam-se espaços para os desenraizados passarem a esquecidos rapidamente deixando réstias de obra feita a quem vai iniciar a caminhada com efeitos de halo para minimizar a conceção de costas largas para aguentar a nova destilaria de culpas.


São os ciclos da nomeação que pouco se distanciam dos da eleição, verdade seja dita, em termos de margem de erro do tal futuro melhor…


Será?!!!


Sem apelação…

 

Isabel  Seixas

 

31
Mar12

O Mestre em Lisboa e Vale de Zirma aqui ao lado


 

Hoje damos um salto a Lisboa porque um flaviense vai estar por lá (amanhã) em grande, como já é costume. Como já perceberam pela imagem/convite, trata-se do Mestre Nadir Afonso e do lançamento de mais um livro sobre a sua vida e a sua obra numa conversa com Agostinho Santos. Se está por Lisboa não perca este encontro, pois se o Mestre está por lá, Chaves também vai lá estar.

 


 

Depois do pulo dado a Lisboa ou como se costuma dizer por aqui – fomos lá num pé e viemos noutro – vamos começar a nossa caminhada pelo Brunheiro acima, sem entrarmos muito, pois ficamos logo ali pela Fonte da Carriça como quem vai para Vale de Zirma. Não sei se já o disse aqui, penso que sim, que é um pequeno mundo à parte e que encanta quem se deixa encantar. Se o lugar fossem palavras não hesitaria em dizer que era um belíssimo poema, daqueles que só os mestres da literatura poética sabem fazer…

 


 

Pois é, fui ao Vale de Zirma ver a carriça na fonte e,  mesmo não existindo vale nem a carriça tivesse aparecido na fonte, consegui ler lá o tal poema mesmo que, para a poesia acontecer, tenhamos de nos deixar encantar, pois também o nosso olhar e sentimento pode ser seletivo, tal como acontece na fotografia.

 

Mais logo teremos por aqui Isabel Seixas, com mais “Pecados e Picardias”.

 

Até lá.

30
Mar12

Discursos Sobre a Cidade - Por Gil Santos


 

O CÃO FOI AMIGO

 

Seria final da Primavera. As cerdeiras no Carregal, porque se trata de terra fria, cobriam-se de frutos luzentes apenas lá para meados de junho. Mas as cerejas, vermelhinhas, tinham dono e a rapaziada não se arriscava muito com medo ao rabo da sachola. É que os donos em sentindo-os por perto dos pomares não se ensaiavam nada em lhe aquecer o motor! Então, à falta de melhor, os rapazes, no pouco tempo livre que o trabalho da terra lhes legava, jogavam ao fite, aos cowboys ou as escondidas nas poulas circunvizinhas.


Eram eles:


O Russo, levado do diabo. Fazia jus ao velho adágio do russo de mau pelo! Fosse qual fosse a brincadeira aprazada ganhava quase sempre!


O Nano, a versão no Carregal do Constantino, de Alves Redol.


O Adérito, filho mais novo do Francisco Milheiro, rapaz pacato e com miolo.


O Mouco, surdo como uma porta mas fino como azougue. Lia ele mais depressa os gestos do que os escorreitos entendiam as palavras.


O Sacholas, assim chamado por ter dois incisivos proeminentes que lhe davam um ar de coelho bravo. Era traçado de rafeiro e mordia sem ladrar.


Com eles nas brincadeiras, andava quase sempre o Círio, o cão do Mouco, um podengo reguila bom para o coelho. Aproveitava para latir sobre o rasto dos láparos que por ali abundavam. No bulício do pega e foge, o Círio abocanhava um coelhito de vez em quando.


Num dia qualquer daquela Primavera e enquanto a rapaziada brincava às escondidas no giestal das Padanas, o cão caiu em cima do rasto de um coelho bravio e não mais descansou enquanto não lhe deu com o eido. Descoberto, o coelhito não teve alternativa senão dar às de vila diogo para ver se se safava. Acossado pelo cachorro, tonto e assustado, enquanto fugia marrou com tal força nas canelas do Nano que caiu redondo a seus pés. Quando o Círio chegou, já o infeliz esperneava com duas espanadelas pelas orelhas. Os rapazes nem queriam acreditar!


O que é que se havia de fazer ao achado?


— Vendia-se!


Assim ficou combinado.


O jogo acabou e, seguidos pelo cão que dava ao rabo tanto como eles, foram pela aldeia oferecendo o bicho aos clientes. A melhor oferta foi da Ti Carolina, matriarca de uma das casas mais fortes do lugar. Sete e quinhentos foi o proveito. Uma fortuna para a época. Jamais tinham avezado tal fortuna!


Precipitaram-se de imediato para a mercearia/tasca do Antero e vai de torrar a massa em dezenas de rebuçados catita, chocolates favorita e galhetas espanholas, não sei de que marca, mas que na altura faziam as delícias da pequenada.


Dividido, equitativamente, o troféu por todos, foram deliciar-se para a manjedoura do Prado, uma grande laje de granito que, à sombra de dois venerandos negrilhos, servia para pensar o gado nas tórridas sestas do Verão.


Debulhando rebuçados, trincando chocolates e rilhando bolachas, os rapazes não repararam que à sua volta gravitava o Círio com olhares de uma tristeza infinita.


— Que grande porra, então o mérito tinha sido todinho meu e nem uma migalhita me calha!.. Esperem pela volta! A vingança serve-se, fria! Deixai-vos ir de novo para o giestal!... Pensava o bicho em cogitações de cão fiel.


Às tantas, sem que nada o fizesse prever, o Adérito, de papo já cheio, lembrou:


— Então e o Círio, coitado, não teve direito a nada, afinal não foi ele que descobriu o coelho?


— Pois foi, — reconheceram todos com grande pesar!


— E agora?


O Nano, puxando dos seus galões de finório e chefe da trupe, ditou a lei que lhe pareceu mais justa:


— Bem, como o cão foi amigo, compramos-lhe um trigo!..


Assim foi.


Parece que quem ficou menos satisfeito com esta solução foi mesmo o Círio, mas teve de aguentar.


Ninguém imagina quanto lhe custaria ter de engolir o pão seco. Ainda bem que era trigo!..


Vida de cão!...

 

Gil Santos


29
Mar12

O Homem sem Memória (95) - Por João Madureira


 

O Homem Sem Memória

Texto de João Madureira

Blog terçOLHO 

Ficção

 

95 – O José passou cerca de um mês no hospital a recuperar dos ferimentos e outro mês em casa a reconquistar o ego. Das contusões e dos ossos fraturados recobrou sem mazelas evidentes. Já a recuperação dos rasgos na pele fiou mais fino.


Os médicos coseram e trataram os cortes como souberam e puderam. E muitos que eles foram. Uma costureira não teria feito melhor. O filho do guarda Ferreira ficou para toda a vida com 25 suturas resultado de outras tantas facadas e coronhadas. Talvez tantas como Jesus se tivesse sobrevivido aos ferimentos, ao flagelo da Via Crucis e à posterior crucificação. O ponto alto do sacrifício do Cordeiro de Deus.


Ninguém sabe bem como depois de ressuscitado, Jesus, agora Cristo, apareceu aos seus apóstolos. Disso não há registo algum. Nem oral, nem escrito. E sobre o assunto a Bíblia também nada adianta. Mas estamos em crer que se o filho de Deus, e da Virgem Maria, tivesse sobrevivido era bem capaz de ter ficado como o José, com o corpo pejado de extensas cicatrizes e linhas de pele suturadas com agulha e guita apropriadas. Valha-nos ao menos isso.


À primeira vista, o José apenas patenteava uma cicatriz sobre a sobrancelha esquerda, o que lhe dava um ar verdadeiramente aproximado ao Django, um herói dos filmes de Western spaghetti muito apreciado na altura. Os amigos, quando o viam aproximar, assobiavam-lhe as melodias aprendidas nas matinés do Cine-Teatro e faziam que disparavam armas de fogo, soprando no dedo indicador como se ele fosse o cano de um revólver justiceiro.


Ele sorria e retribuía o assobio e um que outro disparo. Também não se esquecia de bufar na direção do seu indicador, imitando rigorosamente a postura, o charme e a coragem do herói cinematográfico.


Escusado será dizer que o José se tornou uma lenda na cidade. A sua coragem e a sua determinação passaram a ser admiradas pelas pessoas de bem. Muitas delas pediam-lhe para exibir as “medalhas”, o que ele fazia sempre que o local e a assistência permitiam a apresentação das suas reverenciadas cesuras.


A mãe aconselhou-o a matricular-se no Liceu para acabar o sétimo ano. Lá matricular matriculou-se, mas não ia às aulas. Começou a achar piada à boémia estudantil. Fundou um grupo de poetas e com eles começou a visitar diversas casas de boas famílias que diziam apreciar poesia e principiou a frequentar tertúlias vagamente culturais e saraus militantemente intelectuais. 


Inspirado na leitura de distintos poetas portugueses e estrangeiros passou a escrever poesia espiritual. Era capaz de demorar um dia a escrever uma quadra, desperdiçar outro a alterá-la de fio a pavio e ainda consumir um terceiro a riscar palavra a palavra até nada dela restar.


Incapaz de ajeitar versos que enaltecessem com talento Deus e toda a sua Corte Celeste, virou-se para a poesia trovadoresca, mas as loas saíam-lhe pífias e pleonásticas. Por vezes lia-as aos amigos nos dias das reuniões ordinárias do grupo e, apesar de muitos deles lhe elogiarem a rima e o acerto de algumas figuras de estilo, ele não se sentia confortável e rasgava-as ali mesmo, na presença de todos, para dessa forma radical serem testemunhas privilegiadas da sua busca da qualidade e da perfeição, argumentando que um bom poeta demora anos a fazer-se, além de ficar caro em papel deitado ao lixo e tinta gasta em escrever coisas inúteis e isentas de genialidade.


Muitos dos amigos argumentavam que o ótimo é inimigo do bom e que também os génios nunca se deram conta que o eram e por isso é bem possível que, também eles, tivessem atirado coisas geniais ao lixo pensando que eram apenas boas e guardado coisas apenas boas pensando que eram geniais, pois não existem bons juízes em causa própria. Além disso os génios são sempre tão modestos que, só depois de mortos e enterrados, é que se lhes reconhece o mérito. E nem sempre.


Lembravam-lhe que os génios só conseguem esse estatuto quando já são apenas memória, uma memória quieta e afável que põe qualidade numa obra que até ao momento da descoberta dos críticos era apenas um conjunto disperso de bons poemas.


A crise de inspiração fê-lo penar e meditar muito. Meteu-se em casa e começou a magicar nas causas das coisas, nomeadamente na sua falta de jeito para a versalhada. Depois de muito cogitar chegou à brilhante conclusão de que o que lhe estorvava o génio e o jeito eram as suas vivências. Até ali apenas tinha convivido com gente analfabeta e pobre. Dali nada podia surgir como verdadeira inspiração para uma poesia realmente poética.


Poesia a enaltecer a pobreza e as suas virtudes era coisa para burgueses, católicos pindéricos e padres. A verdadeira poesia, desde os primórdios, enaltecia o amor e as relações amorosas. Era aí onde residia o cerne da questão.


Mas para cantar o amor e as relações carnais eloquentes tinha de experimentar. A professora Marília bem explicava nas aulas de filosofia: Primum vivere, deinde philosophari. E ele tinha vivido tão pouco que a sua filosofia tendia a sair-lhe sem sentido e despida de ideias. E, bem vistas as coisas, a poesia é a forma superior da filosofia. A poesia, à semelhança da filosofia, tende a do nada completar tudo e vice-versa, que é a forma mais nobre de redimir a condição humana. Pois a vida dos homens resume-se a falar, comer, trabalhar e fornicar. Da comida e do trabalho tratam as ciências exatas e as que lhe estão próximas, do falar e do fornicar trata a poesia e a filosofia. 


Claro que o José podia, com a experiência que tinha, dedicar-se a escrever romances ou coisa que o valha. Mas ainda era jovem e os romances dão muito trabalho. Tem de se passar muito tempo com a caneta na mão, tem de se alinhavar muito enredo, tem de se organizar um esquema ou vários, tem de se inventar personagens, tem de se passar tempos infinitos a escrever e a corrigir, a corrigir e a escrever e, na maioria dos casos, depois de tanto porfiar, o calhamaço, que deu uma trabalheira imensa a escrevinhar, ou vai para a gaveta ou para o caixote do lixo.


O José, todos o sabemos, até era um rapaz corajoso e, convenhamos, moderadamente trabalhador, só que não se sentia naquela altura com coragem para enfrentar tamanha tarefa. Daí o ter optado pela poesia. Um poema escreve-se num dia, gasta-se uma folha de papel, ou duas se for revisto, e se não prestar, a desilusão não é muita. Nem o trabalho, concordemos, pois rasgar uma folha é fácil, já rasgar quinhentas folhas datilografadas é quase um enforcamento por empenho próprio.


Por isso escrever poesia dá algum estatuto, faz bem ao ego e não nos torna escritores obsessivos. Outra coisa bem distinta é passarmos anos a escrever um romance e depois, pelas razões já anteriormente apontadas, termos de sentir que todo aquele trabalhão foi um desperdício de ideias, tempo e energia.  


96 – Definitivamente decidido a dedicar-se à poesia, o José fez-se amigo de ...

 

(continua)

28
Mar12

Palavras colhidas do vento... por Mário Esteves


 

Conheço o Fernando dos tempos de Coimbra, quando ele, após uma agitada vida universitária em Lisboa e a tropa, ali foi encalhar e concluir a licenciatura em direito. Fomos vizinhos na Rua da Matemática, porta com porta, melhor, janela com janela, pois naquele tempo, babado por um derriço, chamava-me a altas horas da noite da sua janela para me declamar a correspondência poética em louvor da inspiradora musa.


Já leva três romances publicados, sob o pseudónimo de Fernando Dadim - sendo o nome próprio o seu e o apelido em honra de um bisavô, natural daquela freguesia -, e como passasse pela Ladeira da Brecha, pedi-lhe que me autografasse o último – O Suicídio dos Pássaros -, que recentemente comprei na livraria Ana Maria.


E é a propósito do autógrafo, que escrevo estas breves palavras, por que sobre a sua obra literária, outros, lavrarão sentença, certamente favorável, pois disso estou inibido por amizade.


Em tempos o Fernando, ofereceu-me uns alfarrábios jurídicos, entre os quais umas Anotações ao Código e Legislação Penal do ano de 1903, publicado por Trindade Coelho.


E é das páginas iniciais do agora desactualizado calhamaço, que cito uma das mais impressionantes e emotivas dedicatórias que já tive ocasião de ler. Diz assim:


 A

Manoel Barradas

Jornaleiro de Santa Eulália

Que

Por amor de

Uma mulher

Se deixou condenar por

Homicidio e roubo

Estando

Inocente

Dedica

O seu admirador e amigo

Trindade Coelho

 

No domingo passado decidi calcorrear algumas das povoações galegas da raia, com a intenção inicial de afastar o tédio, mais do que numa jornada nostálgica. Devo dizer que a partir do momento em que A – 24, começou a ter portagens - tantos anos de isolamento, tantas desigualdades em relação ao interior norte … -, há muito que não me fazia ver por aquelas ou outras paragens, afectas àquele ónus. No entanto, por necessidade - tive que efectuar uma ressonância magnética em Lordelo -, fui obrigado a comprar o aparelhómetro nos correio, e não bastasse isso, o raio das geringonça, a cada passo da côngrua, emite um pequeno e irritante silvido, que, mais ou menos causa o embaraço que sentimos depois de tudo termos pago ao passar pela caixa registadora de um estabelecimento e à saída, solta semelhante ruído ou mais prolongado. Depois de conferidas as compras, ao invés do que sucede na A – 24, pedem-nos desculpas.


Passei por Feces, pela “cafetaria Paco”, onde o Manolo teve a amabilidade de me oferecer um “cortado”, parei junto ao irmão de outro Manolo, já falecido, que foi casado com a filha da “Lixa”, reformado há muito dos “Altos Hornos de Viscaya”, que não me reconheceu, salvo quando lhe disse que era o Marinho; pelos comércios, agora fechados do Baldomero, do Quinto e a antiga tenda do Felisindo (pai), e junto à casa onde morava o Senhor Demétrio, encarregado postal; recordei o enorme mapa de Espanha, pendurado numa das paredes e as emissões da RNE, precedidas do hino espanhol, o tecto de madeira em forma de masseira, a larga mesa, onde nos dias de festa presidia o “cura” ladeado do mestre de escola, o cabo de carabineiros de tricórnio, o quarto obscuro onde dormia, quando lá pernoitava nas férias, a cama de folhelhos, que mal caído nela, parecia abraçar-nos…


A fachada brasonada mantém-se quase inalterável, mas a longa varanda está em ruína.


A casa do Senhor Agustin, que era natural de Puebla del Caramiñal e ali casara, estava fechada, mas ainda assim lembrei-me das longas folhas de tabaco postas a secar no alpendre e no palheiro.


Os incipientes amores sob os amieiros nas margens frescas do Tâmega…


As primeira pedaladas numa bicicleta manhosa e quando me enfiei contra uma meda de palha, o Sidrito, gritou:


- “Pero que te matas!”


Quando cheguei a casa de meus pais, então nos Correios de Vila Verde da Raia, ufano, o primeiro que disse, foi que já sabia falar espanhol. E a minha mãe:


-“Então fala lá …”


Quando lhe repeti o grito assustado do Sidro, ela, temerosa, murmurou:


-“ O que este rapaz teria andado a fazer …”


Como as recordações se soltassem naturalmente a catadupas, decidi rumar a Oimbra, onde tenho parentela, que revejo de anos a anos, para não dizer lustros e por isso não lhes conheço poiso certo.


Lá chegado, parei num pequeno café e perguntei se ali estava alguém da família Esteves.


De imediato, me indicou uma pessoa, que estava sentada de costas para mim, sozinho, frente a uma mesa.


Fui na sua direcção e perguntei-lhe se conhecia uns primos de Chaves. Respondeu-me, que, efectivamente, tinha uns primos em Chaves, onde ia todos os domingos com a mulher, à tarde, passear no Tabolado, até à ponte pedonal, junto às azenhas do Agapito.


E que ainda há dias ao passar por Vila Verde da Raia, dissera, apontando os Correios, que ali morara um primo.


Disse-lhe que era filho. A partir daí, não o conhecendo a ele pessoalmente, perguntei por aqueles de que tenho mais viva memória.


A Maribel, professora reformada do Conservatório de Música de Orense, estava doente, mas, ainda assim, cheguei à fala com ela através de telefone. O Toño, mais uma vez, andava pela América do Sul - creio que já conhece todos os países daquele continente -, à procura duma “chica”...


E foi por ele, durante a conversa, que tomei conhecimento que em Verin decorria a feira do Lázaro.


“ Em Chaves a Feira dos Santos e em Verin, a feira do Lázaro”


Despedi-me apressadamente e fui até Verin.


Oh! Decepção, tristeza…!


Aquele Lázaro, parecia que Cristo ainda não tinha passado por lá.


Uma feira, mais ou menos igual à dos “Saberes e Sabores” de Chaves e pouco mais. Nem me atrevi ir à praça.


Pedi um cartaz, não havia; o programa era mais do que humilde, pobre mesmo.


Não era a feira que eu recordava com um mar de gente e o tradicional jogo de futebol entre o Desportivo e o Clube local, ou outros de maior renome.


E não querendo comentar “em seara alheia”, apenas me limito a ilustrar esta crónica, com uma fotografia da autoria de Xosé Vasquez Árias (Rizo), que, recentemente foi objecto de uma merecida homenagem, com a publicação de um livro de fotografias por parte da “Diputacion de Ourense”, na qual falta esta, e que considero ter sido realizada numa feira do Lázaro de antanho, opondo as equipas do Desportivo de Chaves e o Ourensana.

 

Mário Esteves, capitão de equipa do Desportivo de Chaves, acompanhado de ilustre e bela dama, num jogo com o Ourensana,

por ocasião do Lázaro, vendo-se ao fundo o Gualter.

Fotografia Rizo propiedade de Mário Esteves - Direitos Reservados

 

O Vasco foi durante muito tempo empregado dos meus tios, salvo uns meses, por desinteligências da parte dele e provocadas por uma falsa amizade que lhe cobiçava o lugar. Tendo reconhecido o erro em que caíra, pediu para regressar e os meus tios, aceitaram-no novamente e ali permaneceu até a doença o impedir.


O Vasco morava na Travesso da Trindade, num prédio de rés-do-chão, no qual habitava, com a idosa mãe, em compartimentos separados por tabiques e à frente com uma simples cortina. A cozinha era ao lado dos quartos e resumia-se a um fogão de gás, uma mesa e poucas cadeiras.


Mas, a parte principal era um forno de lenha.


Recordo que a padieira da entrada do casinhoto tinha por baixo umas inscrições romanas, desconhecendo-lhe o paradeiro, após a demolição da humilde edificação.


Bem, o que interessa agora, era que nesse forno a maior parte das moradoras da Rua do Sol, Rua de Santa Maria, Correio Velho e outras ruas limítrofes, levavam os folares a cozer.


Para os distinguir uns dos outros, colocavam-lhes marcas. Acontece que algumas das marcas desapareciam após a passagem pelo forno, o que gerava discussões nada condizentes com a Páscoa, a decorrer; principalmente quando uns não tinham crescido o suficiente ou tinham um aspecto menos apetecível.


Então, o Vasco com a premência duma próxima fornada e para pacificação do mulherio, perguntava:

-“Querem ver que são meus?”


Era o suficiente para de novo reinar a paz e as senhoras, reconciliadas com o espírito pascal, colocavam os folares da discórdia nos tabuleiros de madeira cobertos por um pano alvo, e com com eles já na cabeça, protegida por um trapo enrodilhado ... ala que se faz tarde, transportá-los até ao destino, deles rescendendo um aroma que fazia crescer água na boca a todos quantos estavam no Largo do Pelourinho.
  
     

Mário Esteves

28
Mar12

Coerência ou inocência das críticas travestidas de fato, cto cto...


 

Hoje em dia, com tanta informação que temos disponível, principalmente na Internet, era de esperar que a informação fornecida em papel estivesse seriamente ameaçada, mas tal não acontece e ainda bem, pois há sempre aquele gosto de ler um livro em papel, sublinhar e marcar as passagens mais importantes, e depois, convenhamos, que não dá muito jeito levar um computador, mesmo que seja portátil, para a praia ou para o dentista enquanto se espera pela vez.

 

Não é no entanto pelo gosto da leitura que continuo a comprar os jornais da terra, talvez antes por bairrismo, pois quanto a informação e textos de opinião, salvo raras exceções, quase nem valem o trabalho de ir ao quiosque comprá-los, mas continuo e continuarei a comprá-los na esperança de que qualquer coisa mude, e depois, pelo meio, sempre há uma coisita ou outra que vale a pena ler e sempre ficamos a saber quem partiu... Há contudo, alguns artigos de opinião que nunca deveriam conhecer a luz do dia, não só pela sua pobreza mas também porque os jornais são públicos, são imprensa, tem a obrigação de primar pela correção e isenção. Já sei que de isenção estamos falados, mas de correção há muito para falar.

 

 

Vem isto a propósito de um artigo de opinião que li na última edição da “Voz de Chaves” a respeito da “Coerência ou incoerência das críticas””, mas onde se fala do novo acordo ortográfico. Não sei se por ignorância, malvadez ou tacanhez, pois a não ser a primeira tem de ser forçosamente a segunda ou terceira, afirma-se a determinado ponto:


“Sem pretender entrar na discussão da corrente do criticismo, pretendo desde já rebater uma alegada falha que me apontam. Já houve quem me criticasse por não fazer uso do novo acordo ortográfico, aquando da redacção dos meus artigos. Confesso que não uso nem usarei, pois não conheço tal acordo nem pretendo de facto conhecê-lo! A este propósito recordo uma frase  curiosa que espelha a confusão que o novo acordo pode gerar. Então se escrevermos como até aqui se escrevia, teremos a seguinte redacção: “ O cágado está de facto na praia!”. Seguindo o novo acordo teremos: “ O cagado está de fato na praia”. Deixo aos leitores as respectivas conclusões.”

 

 

Pois caro articulista as minhas conclusões já foram feitas: O que o senhor diz trata-se de pura ignorância ou pura malvadez ou tacanhez, porque com o novo acordo ortográfico lá terá que continuar a ver que “de facto o cágado está na praia”, pois nem a palavra facto nem a palavra cágado são alteradas com o novo acordo ortográfico. Mas tal como diz no seu artigo, não conhece o novo acordo ortográfico, mas talvez devesse conhecê-lo antes de vir para os jornais escrever essas barbaridades. E desculpe ser tão direto, pois nem sequer o conheço, mas o que escreveu merece ser abordado assim.

 

Vamos ao acordo ortográfico.

 

Aqui no blog há liberdade total para se utilizar ou não o novo acordo ortográfico e assim continuará a ser. Pessoalmente já o uso por uma razão muito forte, é que por força da Lei sou obrigado a utilizar o novo acordo ortográfico, quer profissionalmente quer como estudante, e, o blog tem-me servido para praticar. Reconheço no entanto que este acordo ortográfico complica mais do que aquilo que simplifica, principalmente nas novas regras de hifenização, abolição de alguns acentos e no uso inicial de maiúsculas e minúsculas. Passamos a ter mais regras na ortografia portuguesa e isso complica ainda mais a nossa já complicada língua, principalmente quando este novo acordo ortográfico altera tanta coisa ao mesmo tempo, em vez de ir sendo faseado ao longo do tempo, para termos tempo de nos irmos habituando à nova grafia.

 

 

Assim, pessoalmente utilizo o novo acordo ortográfico, concordo com muita coisa e discordo de outras tantas, mas aceito-o pelas razões que levam à sua alteração, e talvez a mais forte de todas é a de não haver qualquer razão válida para a língua portuguesa oficialmente ser grafada de maneira diferente com português daqui ou português dalí, porque língua portuguesa só deve haver uma, senão qualquer dia teríamos além do português de Portugal e o português oficial do Brasil, o português oficial de Angola, de Moçambique, de Timor e por aí fora… com o tempo seria bem pior que o novo acordo ortográfico.

 

Há uma razão que às vezes apontam por aí de a língua portuguesa ser de Portugal ou por outras palavras,  a de Portugal ser dono da língua portuguesa, pelas origens, por isto e por aquilo. Pois Portugal já há muito que não é dono da língua portuguesa e até nos deveríamos sentir orgulhosos por isso, mas eu explico melhor:

 

 

Se a língua fosse apenas nossa, era falada por 10,7 milhões de portugueses, mais 5 milhões de portugueses na diáspora, ou seja, seria falada por cerca de 16 milhões de pessoas. Mas, aquando dos descobrimentos e das colonizações, Portugal espalhou a nossa língua pelo mundo e tão bem o fez, que as terras descobertas e colonizadas quando se tornaram independentes adotaram o português como língua oficial. Neste momento a língua portuguesa é falada em todos os continentes por 250 milhões de pessoas e é língua oficial de oito países, e só num deles, o Brasil, são 200 milhões os falantes de língua portuguesa, além de ainda haver quem fale português em Goa (índia), Macau e Malaca (Malásia).

 

 

É pelas razões atrás apontadas que hoje o português é a oitava língua mais falada no planeta e a terceira entre as línguas ocidentais, logo a seguir ao inglês e ao castelhano. Podemos sentir-nos orgulhosos por esse facto, mas mais uma vez, não é graças ao português de Portugal que atingimos estes números no ranking mundial. Por mim, concordo plenamente que o português oficial seja uma só língua, as exceções, existirão sempre com todo o direito a existir, desde que não confundam. E agora volto ao articulista da “Voz de Chaves” e ao facto de a palavra facto continuar a ser escrita tal como sempre foi,  e não fato como ele afirma. A razão (já agora fica a saber) é que os fatos que nós vestimos, os brasileiros não os vestem, pois eles (tanto quanto sei) vestem “ternos”. Assim, a palavra fato, excecionalmente, em Portugal veste-se e no Brasil é um facto, ou seja, tem dois significados, coisa que até nem nos é estranha e nem podemos reclamar por isso, senão tomemos como exemplo a palavra “banco” que em Portugal sempre teve, pelo menos, três significados diferentes. Não é preciso lembra-lhes quais são, pois não?

 

 

Para terminar. Incomodou-me e dói muito mais perder o escudo em favor do euro ou ver os chineses a comprar as nossas empresas, ou ainda roubarem-nos os subsídios de férias e de natal,   do que ter de “ceder” e aceitar o novo acordo ortográfico – Agora que é complicado, lá isso é,  e também acredito que a maioria dos atuais “escritas” portugueses nunca o irão fazer corretamente até ao fim das suas vidas e, também aceito que defendam a anterior forma de escrever, mas com razões válidas e não com ignorância, malvadez ou tacanhez. E tenho dito.

 

As fotografias, escolhidas um pouco ao acaso e curiosamente tomadas quase todas a partir do mesmo local,  são de uma região da antiga galaécia que hoje se chama Chaves e onde, desde que existe, até se falaram outras línguas que não eram o português.  Ficam também todas a preto e branco (exceto uma) para condizer com a falta de colorido de vida que atualmente somos obrigados. Ai se todos os nossos problemas fossem o do acordo ortográfico,  que bom que era!

 

 

 

27
Mar12

Pedra de Toque - Um homem modesto


 

 

Um homem modesto

 

 

Era simpático, afável, humilde, trabalhador, amante fervoroso de todos os seus.

 

Apesar de dirigir e ser proprietário da mais conceituada e afreguesada pensão-restaurante (Império) da cidade de Chaves de então, educou os filhos apoiando-os nos caminhos que eles quiseram trilhar.

 

Para tal, lutou com dificuldades.

 

Algumas que ele inevitavelmente criava por desorganização, falta de método, que o levava a pagar com multas, por atraso, as suas obrigações nomeadamente com o fisco.

 

Generoso com a família e com os amigos, também pelo sua bonomia, era muito considerado na cidade para onde veio com 10 anos para trabalhar no estabelecimento comercial de um tio.

 

Era um homem honrado, mas por vezes demasiado teimoso e ingénuo nos negócios.

 

Já sem a pensão, perto do fim da vida, foi enganado ao adquirir uma loja de fazendas resultando-lhe daí graves prejuízos.

 

Era um homem modesto, mas também MODESTO, de nome.

 

Filho de uma professora, que conheci bem, e que pereceu já eu andava nos 12 anos e de pai que falecera muito jovem, ainda eu não tinha vindo ao mundo.

 

Teve muitos irmãos, tendo alguns deles procurado, sem grande sucesso, a árvore das patacas no Brasil.

 

Lembro-o com frequência, mas no dia 19 de Março, dia do pai, escrevi esta crónica, tendo a sua presença me acompanhado em quase e todos os momentos.

 

O meu pai foi o primeiro adulto que vi chorar copiosamente no dia da morte da mãe, minha avó.

 

Não resisti chorei também.

 

Não sei, ainda hoje, se o fiz pela morte da minha avó, de quem gostava, se por ver o meu pai chorar.

 

Herdei-lhe o tremedouro das mãos, mas todos os filhos herdamos a sua simplicidade, a sua modéstia, a sua honradez e o seu grande amor e dedicação à família.

 

Pelos filhos ele tinha paixão desmedida.

 

Mesmo quando adolescentes levamos um ou outro tabefe merecido, o que aconteceu muito raramente, ele ficava profundamente incomodado e a nossa mãe via-lhe lágrimas a marejarem nos olhos.

 

Quando pretendi contribuir para lhe proporcionar uma velhice tranquila, até porque já trabalhava e a vida corria bem, uma doença prolongada e muito dolorosa, levou-o de nós, deixando-nos eterna saudade.

 

Não nos legou bens, nem dinheiros.

 

Deixou-nos, contudo, o orgulho na sua honradez de homem bom para enfrentarmos a vida com trabalho sério.

 

Que melhor fortuna poderíamos ambicionar?

 

Ainda hoje, gente de idade avançada que com ele conviveu, me aborda como filho do Modesto, um bom amigo, uma óptima pessoa, o que sempre me emociona.

 

Partiu levando saudades dos muitos amigos, da família e, de certeza, muita, muita dos filhos que adorava e também do genro que estimava imenso.

 

Nós, os filhos, quedamo-nos enquanto a vida quiser mas muito orgulhosos e ufanos por termos nascido filhos de um homem simples, honesto, com um coração enorme que, de baptismo, se chamava MODESTO ALVARES DA COSTA.

 

 

António Roque

 


26
Mar12

Intermitências - Uma longa espera de tudo para o nada - II


 

Uma longa espera de tudo para o nada (II)

 

“Procura-se um acontecimento dramático”. O espanto no escritório foi geral. Muitos não levaram o classificado colado no quadro público a sério, pensando tratar-se de mais uma brincadeira. Outros sentiram receio, como se a mensagem fosse portadora de um mau prenúncio. Certo é que ninguém o descolou da parede e a mensagem permaneceu durante uma semana.

 

“Quem é que andará à procura de dramas? A vida já tem tantos problemas! Isto só pode vir de um louco…”, ouviu M. pelos corredores. De facto, não sabia muito bem o que o levara a colar aquele classificado no quadro público dos funcionários, mas sabia que tinha de começar por algum lado para alimentar o livro da sua vida e um acontecimento dramático traria certamente consigo uma emoção, uma sensação forte, acreditava. E se aquele classificado que lera há uma semana - “Procuram-se emoções. Em qualquer lugar” - o tivesse realmente enlouquecido de tanto pensar nele? M. não obtivera qualquer resposta a este anúncio, mas estava disposto a fazer uma última tentativa junto de quem se atrevesse a ligar-lhe.

 

Esse momento chegou três dias depois com uma chamada telefónica. "A educação é uma forma imensa de repressão dos instintos e ninguém consegue sobreviver apenas com a razão", disse uma voz feminina. E desligou. M. não aderia facilmente a teorias e simplificações. Qual educação? Qual razão? No escritório, o palco principal da sua “longa espera de tudo para o nada”, só havia episódios de ego e rivalidades. Não se podia confiar em ninguém e as ideias não contavam para nada. Mas era facto que faltava coragem e muitas outras qualidades – loucura também? - a M..

 

“Já tentaste contactar um psicólogo?”, recomendou-lhe um dia a telefonista, quando um dia lhe viu uma lágrima correr pela face sem motivo aparente. Não, pensou M., conselheiros espirituais, iluminadores da alma e outros equiparados eram inúteis, pois o Homem é o ser com o instinto mais fortemente apurado para a vida, embora quase nunca o use. E concluiu: no fundo, toda a gente sabe que emoções procura, mas não o assume. Isto, também nunca o disse à telefonista, nem publicamente. E tu M. que emoções realmente procuras?

 

Fotografia de Sandra Pereira - Classificado público, Chaves, 2011

 

M. conhecia certamente aquela voz feminina que ligara. Fora a única que demonstrara algum entendimento pelos seus anseios e angústias, enquanto o resto do mundo à sua volta continuou a cruzar-se nos caminhos da rotina diária. No escritório, tentou identificar a voz. M. já não se lembrava da última vez que confiara em alguém. Quando percorreu a década dos 20, estava convencido que os seus pensamentos, perspectivas e problemas eram comuns a toda a gente. Por isso, partilhava-os com qualquer pessoa que mostrasse abertura para ouvir. Agora que chegara aos 30, concluía que todos se vão perdendo pela infindável estrada do tempo e ninguém o ajudara a avançar, a não ser momentaneamente com pequenos prazeres, ilusões e falsas promessas. Aquilo a que chamam amizade parecia-lhe ainda mais falível que o amor. No fundo, todas as pessoas dariam para políticos, que apenas servem para transmitir uma ordem aparente num mundo caótico, incerto e bárbaro, concluiu M.. E tu M. que emoções realmente procuras?

 

Ao seguir esta política, ao olhar dos outros, M. era uma pessoa reservada, logo sem interesse, mas, mesmo sem ninguém o saber, tomara uma decisão relevante: começar a alinhar a sua história, caso fosse preciso uma biografia para a contracapa do seu futuro livro de poemas ou alguém se lembrasse mesmo de erigir uma biblioteca pública de histórias de vida, como aquele museu que visitara uma vez no Magreb recheado de objectos-testemunhas de relações amorosas falhadas. Nas horas pós-laborais, M. recordou a sua infância enclausurada 10 meses entre as quatro paredes de um minúsculo apartamento dissimulado na selva urbana, e os restantes dois de Verão na casa de campo dos avós isolada no meio da natureza, sempre bem protegido do mundo incerto e bárbaro. Este era o segundo capítulo do seu livro, mas ao fim de três dias, escrito assumidamente e preto no branco, ainda só estava o título... “Uma longa espera de tudo para o nada”. Uma lágrima correu-lhe pela face. Quem tudo espera, nada tem para contar, revoltou-se M.. E a voz feminina que nunca mais ligara... E tu M. que emoções realmente procuras?

 

No dia seguinte, ao voltar do trabalho, deparou-se com um classificado colado na porta de entrada do seu apartamento. Tinha lá escrito uma pergunta. “Qual o acontecimento dramático que mais temes?” Só podia ser a letra da voz feminina. Ela sabia quem ele era, arrepiou-se M.. Pensou na resposta. Ainda tinha tudo por cumprir neste mundo, mas nada que matasse o assustava: se morresse antes de tudo, paciência! Logo veria o que viria a seguir... Então escreveu: “Da manipulação psicológica através dos medicamentos, da tecnologia e das crenças religiosas”. Mesmo que não faça uso dela, quero continuar a ter liberdade, nem que seja para colocar um fim ao sofrimento, convenceu-se M..


Ao fim de três dias, recebeu nova chamada. Disse a resposta. A voz feminina riu-se, M. não sabe se da resposta, se dele. “Temos de repensar as nossas noções de identidade e de secretismo”, disse a voz. E desligou. Desta vez, M. acreditou na teoria. Há que acompanhar – ou recusar de vez – o ritmo cardíaco da sociedade, o pulsar da natureza, a evolução da espécie a que todos fomos condenados. O mundo é qualquer coisa brutal. E tu M. que emoções realmente procuras?

 

(Continua)

 

Sandra Pereira

26
Mar12

Quem conta um ponto... Da expetativa ao imobilismo (VIII): a propaganda e as ideias - parabéns António, és um génio!


 

Da expetativa ao imobilismo (VIII): a propaganda e as ideias – parabéns António, és um génio!

 

E ali estava o título da notícia ocupando metade da primeira página do meu semanário regional de referência: “Várias dezenas de pessoas manifestaram o seu apoio à candidatura do arq.º António Cabeleira à Câmara Municipal de Chaves.”

 

O título, convenhamos, é já a própria notícia, ou mesmo um pouco mais do que ela. Encostado ao canto esquerdo encontrava-se o retrato de perfil da face, um pouco pardacenta, do senhor vice. E por baixo dela, ele, na sua imodéstia tão modesta, estava citado: “Se for vontade do PSD, estou disponível para assumir a responsabilidade de ser candidato à Câmara Municipal de Chaves.”Parabéns pela tua humildade. Bravo, António. És um génio!

 

Por baixo do extenso título podíamos ver a cara de caso dos militantes e simpatizantes do PSD, talvez escutando as palavras do seu putativo candidato a candidato à Câmara flaviense. Digamos que a encenação obedeceu a alguns critérios de propaganda. Mas daí também não vem grande mal ao mundo. Parabéns pela tua encenação. Bravo, António. És um génio!

 

A notícia de uma candidatura anunciada já tinha sido dada na edição anterior, tentando constituir um facto político mesmo antes de o ser, tal como a pescada. Só que esta é a técnica da pescadinha de rabo na boca. Não sabemos onde começa a verdade e onde termina a encenação. Mas tudo bem. Parabéns pela tua discrição. Bravo, António. És um génio!

 

Ora na citada edição anterior aparecia o senhor vice camarário, devidamente engravatado, com a tentativa de um sorriso no rosto, ilustrando o título “Autárquicas 2013: Almoço de apoio à candidatura do arq.º António Cabeleira”. Quem diria. Ó surpresa das surpresas! Parabéns pela tua sobriedade. Bravo, António. És um génio!

 

E lá fomos nós à procura da citada notícia. E ali estava ela na página dois. A notícia era pequena, pois coube em apenas treze linhas. Já o que se lhe seguia era muito mais extenso: identificação, formação académica, percurso político, experiência profissional e outras atividades. Para tal, foram necessárias cerca de cento e sessenta linhas. E lá nos pusemos a ler. Parabéns pela tua relevância tão irrelevante. Bravo, António. És um génio!

 

Quando chegámos ao fim concluímos que o que se aproveitava como relevante do currículo do senhor vice camarário, e putativo candidato à Câmara de Chaves, “se for vontade do PSD”, era muito pouco, talvez coubesse em menos das treze linhas da notícia, onde se referia que três presidentes de junta tinham tomado a iniciativa de realizarem um almoço de incentivo ao senhor arq.º António “para que seja o próximo candidato à CMC”. Parabéns pela tua irrelevância tão relevante. Bravo, António. És um génio!

 

E o seu currículo é tão interessante, e tão exaustivo, que até tem, além do nome e da data de nascimento, a nacionalidade, a naturalidade, o número do BI, o arquivo de identificação, a data de emissão e o número fiscal, talvez para não ficarem dúvidas de que é um cidadão português, e outras coisas tão relevantes na carreira de um político da sua estirpe e verticalidade. Parabéns pelo teu brilho. Bravo, António. És um génio!

 

 Não resistimos a sugerir que para a próxima vez inclua, na sua identificação, a altura, a cor dos olhos, o peso, o número dos sapatos que calça, o grupo sanguíneo, o boletim de vacinas e a ficha dentária. Nem tudo lembra, bem sabemos, mas para isso estamos cá nós que para alguma coisa devemos servir. Mas não é isso que nos vai impedir de repetir: Parabéns pelo teu brilho. Bravo, António. És um génio!

 

Para não restarem dúvidas sobre a sua formação, cita-a duas vezes, uma na identificação e outra na formação académica, bem assim como uma pós graduação feita na UTAD com a utilidade que todos lhe reconhecemos. Depois refere o seu percurso político, revelando, desde logo, a sua tendência para ser vogal das comissões políticas distritais, e vice-presidente, além de destacar que foi “eleito inúmeras vezes membro da Assembleia Distrital de Vila Real”, também com o relevo e a projeção que todos sabemos. Parabéns pelo teu brilhante currículo. Bravo, António. És um génio!

 

Acompanhou, ainda, no papel, muita coisa: foi membro de diversas comissões irrelevantes e etc. e tal. Além disso, é autor de um interessantíssimo, e badalado, livro intitulado “Critérios para a Classificação de Municípios de Montanha Portugueses”, elaborado para a Associação Nacional de Municípios, com a utilidade que todos pressentimos. Parabéns pela tua obra literária e científica. Bravo, António. És um génio!

 

Podemos afirmar, sem exagerar, que o currículo possui a dimensão do senhor vice camarário. As partes relevantes chegam e sobram para ocuparem três linhas. O que já não é pouco. Mas também para que raio serve um currículo? Apesar disso, voltamos a repetir: Parabéns pelo teu comedimento. Bravo, António. És um génio!

 

Mas passemos às palavras, pois nestas coisas da política são elas que definem o percurso e a motivação. Fomos informados que estiveram perto de cem pessoas, entre membros das juntas de freguesia e assembleias de freguesia, comissão política do PSD e da JSD e executivo municipal. Ou seja, estiveram os convertidos, que, ao que sabemos, são poucos e têm tendência a diminuir. Parabéns pela tua teimosia. Bravo, António. És um génio!

 

Basta olhar para as fotos para vermos que o entusiasmo foi parco. Mas nada que nos surpreenda. Pois é certo e sabido que para aí metade dos que lá estavam, e outra metade dos que lá não puseram os pés, vão pôr-se tesos quando o senhor vice camarário lhes tiver de informar que as suas juntas, e respetivas assembleias de freguesia, vão ser extintas pelo governo central que é do PSD. Parabéns pela tua frontalidade. Bravo, António. És um génio!

 

Ou seja, o “grande apoio” do arq.º António vai ficar atrapalhadíssimo quando tiver, em plena campanha eleitoral autárquica, que defender a política do seu partido em extinguir metade das freguesias de Chaves, ou seja vinte e cinco. Quero ver como vão ser capazes de explicar às populações, que dizem defender e representar, o motivo por que o PSD resolveu extinguir a freguesia A em favor da B, a C em detrimento da D e como resolveram fundir as freguesias E, F e G para darem lugar à freguesia I, que fica perto da J, que, por seu lado, foi preservada e que vai acolher as freguesias K, L e M. Parabéns por estares de parabéns. Bravo, António. És um génio!

 

Adivinho, com as singularidades das nossas aldeias e com a idiossincrasia do nosso povo, uma guerra feroz em torno do seu território, da sua identidade e da sua memória. Extinguir freguesias e concelhos é abrir uma caixa de Pandora que ninguém sabe o que poderá significar em termos de identidade local, regional e nacional. Isto é brincar com o fogo. E então neste período de crise severa, a ousadia pode incendiar o país e torná-lo ingovernável. Mas o PSD lá sabe as linhas com que se cose. Bravo, António. És um génio! Parabéns.

 

Mas voltemos à notícia que aqui nos trouxe. Parece que o presidente da Junta de Santa Maria Maior agradeceu a presença dos convivas por terem aderido à iniciativa no sentido de “motivar” o arq.º António para que seja o candidato do PSD à CMC. Pelos vistos, a tal vaga de fundo não existe porque muita gente do PSD não se revê na candidatura do vice camarário de João Batista. A disputa dos lugares já começou a fazer as primeiras baixas. Bravo, António. És um génio! Parabéns.

 

João Neves anda a tentar segurar o seu lugar de candidato à freguesia de Santa Maria Maior, que, com toda a certeza, verá a seu território aumentado e as suas competências alargadas, lugar que já foi prometido a muitos outros e que aguarda o desenvolvimento dos distintos movimentos e dos diversos grupos e tendências dentro do PSD local. Bravo, António. És um génio! Parabéns.

 

O João, presidente da Junta, dentro do seu estilo inconfundível, prometeu apoio ao António, porque a caminhada que se avizinha é “difícil”, lembrando o percurso fiel do António ao PSD e o estatuto de braço direito do “nosso querido amigo” João, o presidente da Câmara. E, para terminar, resolveu dar uma nota de internacionalismo partidário e linguístico, mandando o nacionalismo às malvas e a história dar uma volta, afirmando em Espanhol: “Tu si que valles.” Profundo. Tocante. Elucidativo. Relativamente às ideais para a cidade e para o concelho, nem uma se lhe ouviu. E isso também a quem interessa? Quando ganharmos logo se vê! Propaganda 1, ideias 0. Bravo, António. És um génio! Parabéns.

 

De seguida falou o presidente da JSD que nada disse de substancial, a não ser prometer apoio ao António, o tal apoio das bandeirinhas, das esferográficas, dos autocolantes e das camisolas. Ideias nem uma. Portanto: propaganda 2, ideias 0. Bravo, António. És um génio! Parabéns.

 

E ainda antes do putativo candidato do PSD à CMC, falou o outro João, o Batista, que prometeu apoio ao António, o Cabeleira, e se referiu à “proximidade” das Juntas de Freguesia em relação às pessoas, estando assim em melhor posição para encontrar as soluções mais adequadas. Apontando os presidentes de Junta como sendo as mais importantes referências das populações. Bravo, António. És um génio! Parabéns.

 

Mas esqueceu-se de explicar aos presentes, e também aos leitores do jornal, que, a ser assim, por que carga de água é que ele e o seu partido, que também é o do João Neves e dos outros presidentes de junta presentes, apoiam, e vão implementar, a extinção de vinte e cinco freguesias do concelho de Chaves, pretendem acabar, em metade das nossas aldeias, com o apoio de proximidade, muitas das vezes o único, mandando os atuais presidentes para casa aquecer-se à lareira, sujeitos a verem morrer sem o devido apoio o que resta da população idosa das suas localidades. Bravo, António. És um génio! Parabéns.

 

Depois continuou a pronunciar palavras de circunstância na tentativa de não responder a nada nem a ninguém. Também a quem é que isso interessa? Ideias para a cidade e para o concelho nem uma. O que também não é para admirar, pois tem sido essa a matriz da sua gestão autárquica. Portanto: propaganda 3, ideias 0. Bravo, António. És um génio! Parabéns.

 

A finalizar falou o putativo candidato António, o Cabeleira, que de uma forma comovida, isto segundo o jornal, disse banalidades atrás de banalidades. É bem possível que tenha sido por causa da emoção. Mas deve ser bonito de observar o senhor vice camarário comovido. Deve ser mesmo um papelinho. Além de estar emocionado, o putativo candidato António, disse-o: “Agradeço com muita emoção, respeito e subida honra, esta manifestação de apoio.” Brilhante. Tocante. Relevante. Original. Sincero. Parabéns. Bravo, António. És um génio!

 

E prosseguiu: “Hoje os novos tempos exigem políticas de verdade.” Só que nada disse sobre a extinção de 25 freguesias por parte do seu partido e ainda quais e porquê? Falar de políticas de verdade é uma coisa, agir em concordância com aquilo que se afirma, isso é outra coisa bem mais séria e difícil. Portanto isso de falar verdade é uma enorme falácia. Parabéns pela tua ousadia, bravura e coerência. Bravo, António. És um génio!

 

Falou ainda do desenvolvimento e outra vez de verdade. Mas nada disse sobre as 25 juntas de freguesia que o PSD se prepara para extinguir. Nem uma única palavrinha. Portanto a sua “verdade” é uma enorme artimanha. Falou ainda de esperança e de que ela exige responsabilidade. Fez parágrafo e continuou: “Estou convicto que o nosso partido tem condições de continuar a vencer eleições e a participar de uma forma decisiva no desenvolvimento sustentável do concelho de Chaves.” Ora dizer isto e não dizer nada é a mesma coisa. E lá se vai a verdade pelo cano abaixo. Parabéns pela tua ousadia, fé, esperança, caridade, bravura, coerência e tudo o resto. Bravo, António. És um génio!

 

Seguidamente voltou a falar mas a nada dizer, a não ser reafirmar o compromisso com a verdade. Mas nada disse aos presentes sobre a extinção de 25 freguesias do nosso concelho que vai ser ele, ou alguém por ele, a desenhar e implementar. Essa é a sua verdade, nada dizer de concreto sobre o maior atentado de que há memória contra as populações rurais, contra o interior, contra o poder local, contra a democracia. O que foi mais recorrente no seu discurso foi falar em eleições e em ganhá-las. Nem uma ideia referiu, nem um projeto adiantou. Limitou-se a fazer demagogia e a esconder a verdade por detrás da palavra verdade. Essa é a sua verdade. E isso é um enorme embuste. Portanto: propaganda 4, ideias 0. Parabéns. Parabéns. Parabéns. Bravo, António. És um génio!

 

Com políticos desta dimensão só nos resta fazer votos para que não cheguem de novo ao poder, senão estamos tramados. Parabéns por nos abrires os olhos e por nos despertares da letargia. Nós cá vamos estar para o que der e vier. Parabéns. Parabéns. Parabéns. Bravo, António. És um génio!

 

João Madureira

26
Mar12

Reflexos flavienses


 

Para já uma imagem com reflexos flavienses mas hoje é dia de termos aqui duas crónicas. A primeira, às 9 horas, de autoria de João Madureira com "Quem conta um ponto...". A segunda, "Intermitências", às 17H30, de autoria de Sandra Pereira.

 

Até lá.

 

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