Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

30
Jun13

Pecados e Picardias


 

Sei que peco

 

Sei que peco

Ao deixar  naquela onda de mar selvagem

As dúvidas

Sem certezas…

 

Sei que peco

Sem pecar como a brisa que sopra vassalagem

Nas mentiras

Sem verdades…

 

Sei que peco

Como quem esmorece a meio do sonho

Na solidão

Sem devaneio

 

Sei que peco

Por saudade do amor não vivido

Como a espera

Que não veio

 

 

Sei que peco

Por teimar em pecar pecados com sentidos

Como a liberdade

Dos perdidos…

 

Sei que peco

Por omissão do que me oponho

Cobardia

Que escondo…

 

Sei que peco

Por medo, do medo de pecar…

 

Sei que peco

Sem te dizer…

Sei que peco

Por te dizer…

 

Isabel Seixas

28
Jun13

O Homem Sem Memória - 159


 

O Homem Sem Memória

Texto de João Madureira

Blog terçOLHO 

Ficção

 

159 – Ao contrário dos seus camaradas, o José era um militante do Partido Comunista que se dava muito bem com os esquerdistas, com alguns socialistas e, mais recentemente, com os retornados que tinham chegado das colónias portuguesas. Ou seja, era um PC deveras estranho a atípico.


É que apesar dos esquerdistas serem também comunistas, quem diria, eram, sobretudo, oportunistas e, por isso mesmo, muito diferentes dos militantes do seu partido, que eram rígidos nos princípios e excessivamente zelosos da sua superioridade revolucionária e da sua fidelidade ao marxismo-leninismo e, sobretudo, à União Soviética. Além disso, não possuíam uma réstia de sentido de humor. Levavam tudo a sério, até as brincadeiras e as piadas. Desvalorizavam os socialistas, que para eles eram a escória da esquerda, os traidores de serviço, uns palhaços que tinham o descaramento de se afirmarem marxistas. E os retornados, para os militantes do Partido, eram os mais reacionários dos reacionários, eram todos colonialistas, racistas e fascistas.


Para o José, os retornados eram apenas pessoas diferentes, com hábitos diferentes e até com um linguajar diferente dos portugueses da metrópole, que eram uns acanhados, incultos e ressentidos. Os retornados vestiam de forma distinta, comportavam-se de maneira diversa, ouviam música esquisita e fumavam cigarros muito diferentes dos nossos.


Fez-se amigo de muitos. A um deles convidou-o a dirigir um atelier de modelagem, pois o rapaz revelava uma habilidade manual para construir objetos em barro, ou em plasticina, que a todos deixava encantados. A sua inclinação ia para a modelagem de naves espaciais, pois era fã de ficção científica e também de fumar liamba que cultivava em casa com muito empenho. Modelava extraterrestres com surpreendente imaginação e todos diferentes uns dos outros. Moldava ainda planetas, plantas e animais estranhos e carros futuristas. Quanto mais fumava os seus cigarros esquisitos, e com cheiro adocicado, melhor as naves e os extraterrestres lhe saíam. Durante algum tempo foi um dos melhores animadores do FAOJ. A rapaziada adorava vê-lo trabalhar, pegar numa massa informe e dar-lhe as formas mais bizarras e extraordinárias.


A biblioteca foi aumentando o seu número de obras, tornando-se num excelente divulgador do romance, da poesia e de livros de teoria política tão ao jeito dos tempos que então se viviam. Os romances eram todos revolucionários, a poesia era toda subversiva e os livros de política enalteciam, todos eles, o marxismo-leninismo como a ideologia redentora da Humanidade.


Com o aumento da requisição dos livros, a biblioteca começou a amealhar algum dinheiro recolhido das quotas dos leitores. Passados alguns meses, o pecúlio já atestava um frasco de cevada. Teve de se designar um dos dirigentes para guardar o dinheiro em sua casa, pois começaram a dar-se conta de que, a partir de determinada altura, o dinheiro em vez de crescer começou a diminuir. Andava ali mão de ladrão. Perante o triste facto, a célula revolucionária do Partido resolveu agir. O camarada Joaquim ficou encarregue de arranjar a maneira de descobrir o biltre contrarrevolucionário.


No ínterim, chegou o aparelho televisivo ainda a tempo de se verem os Jogos Olímpicos. A rapaziada delirava com alguns dos desportos. E as suas preferências eram muito diversas. À falta de atletas portugueses de qualidade nos jogos, apoiavam-se outros. De preferência os melhores, os que tinham nome nas revistas e nos jornais. Os norte-americanos, por incrível que pareça, eram os que recolhiam mais adeptos.


Os militantes e simpatizantes do Partido torciam invariavelmente pelos atletas do Bloco de Leste. E, de entre eles, elegiam preferencialmente os desportistas soviéticos. O José não era exceção. Para os comunistas, os atletas dos países socialistas eram os embaixadores da ideologia científica do marxismo e os divulgadores da superioridade do homem comunista. Eram o símbolo do triunfo da vontade e da ideologia libertadora que tinha vencido no Leste e que, em breve, conquistaria o mundo inteiro.


Foi nessa altura que o José engraçou com o boxe. Para ele passou a ser, apesar de um certa brutalidade, um desporto onde a superioridade era mais evidente. Então quando o combate acabava em KO era o clímax perfeito. Ali não restavam dúvidas. O tipo que levava o murro nas trombas ia ao tapete e tudo acabava.


Nesses jogos apareceu um pugilista cubano que demonstrou, para quem ainda tinha dúvidas, a superioridade do socialismo científico e da pátria de Fidel Castro, o barbudo da Sierra Madre. A todos os que lhes calhava a sorte, ou melhor, o azar, de lutarem com o cubano, era certo e sabido que iam ao tapete antes mesmo dos três assaltos terminarem. Escusado será dizer que ganhou todos os combates por KO. Os pugilistas que entravam no ringue para combater contra o gigante, em vez de enfrentarem o Golias, punham-se a dançar em seu redor, na tentativa vã de não serem atingidos pelo golpe fatal do brutamontes. Uns, para não serem muito massacrados, mal entravam no ringue davam um ou dois passos em frente, dois para o lado direito, dois para trás, dois para o lado esquerdo, três para trás, e, com o rosto encoberto pelos punhos, tentavam continuar a bailar em redor do adversário até que o gongo tocasse. Mas a grande maioria, ao décimo segundo, já estava no chão a ouvir os passarinhos a chilrear, como nos desenhos animados. E com cara alegre, pois tinha sido murro e queda. O tormento, apesar de doloroso, era breve, como quem toma uma injeção de penicilina. O que resistiu mais foi um russo, que chegou ao segundo assalto. Mas, corajoso como era, e outra coisa não seria de esperar de um pugilista comunista nascido e educado na pátria do socialismo científico, quando foi ao tapete, tinha a cara como o chapéu de um pobre de um país capitalista.


Aos vários pugilistas que foram passando pelo ringue para defrontarem o Golias cubano, bastou um gancho da direita para os lançar ao tapete como se fossem sacos de batatas. Mas ao russo, o King Kong da América Latina teve de dar três murraços nos queixos. Com o primeiro, o russo corpulento ficou a olhar para o negro caribenho como se não tivesse entendido bem o recado. Ainda estava a levantar os punhos para se proteger novamente quando levou o segundo murro. Depois de uma hesitação, em vez de atacar, começou a andar para trás como se estivesse a ser empurrado pelo vento. Quando se encostou às cordas ficou estático à espera que algo de bom lhe acontecesse. Mas não aconteceu. O gongo continuou caladinho e foi então que o camarada de Fidel lhe pespegou o terceiro e definitivo murro que o fez deslizar, deslizar, deslizar até ao canto do ringue e aí escorregar até se sentar definitivamente no chão com cara de quem não sabia onde estava e, muito menos, quem era Marx, Lenine, Estaline ou Brejnev.


O José celebrou efusivamente. Mas foi durante pouco tempo, pois os camaradas informaram-no que a um comunista, do Partido Comunista, é bom lembrar, não ficavam muito bem esses festejos dado que, afinal, mesmo sendo o vencedor um camarada cubano, o derrotado era um camarada soviético. Era preciso respeitar as hierarquias. Isso não se fazia em público, pois era evidenciar sentimentos mesquinhos e perigosamente pequeno-burgueses contra a pátria de Lenine. Pois a pátria de Lenine era, por muito que a pátria de Fidel quisesse ser, superior. Não se podia esquecer que sem o apoio da União Soviética, Cuba continuaria a ser o casino e o bordel dos Estados Unidos.


Ainda estava o José aos pulos e aos berros perante o olhar estaliniano dos seus camaradas e do ar de gozo dos esquerdistas, esses oportunistas, quando se ouviu no andar de cima um estrondo enorme. Todos correram escadas acima, com o José à frente. Líder uma vez, líder para sempre. Quando chegaram ao andar superior observaram o camarada Joaquim com cara de caso a vir em sentido contrário. “Que aconteceu, camarada?”, perguntaram os seus camaradas. “Descobriste finalmente o ladrão? “Não. Esse reacionário filho de uma cadela burguesa é mais inteligente do que eu pensava. Estourou-me a bomba nas mãos quando fui ver se o mecanismo ainda estava a funcionar. O que vale é que era de carnaval.”

 

160 – O José e os outros dois seus amigos ...

 

 (continua)

 

27
Jun13

Leituras de um olhar


 


 

 

 

Arte Madura

 

Quanta arte, quanto engenho

Das mãos já calejadas

Na procura do sustento

 

Mas quando nem só de esforço e arte

A Arte assim se alcança

Há espaço e tempo

E lugar para a esperança

 

E com a esperança

Vem o tormento da espera

A incerteza e a dúvida

Mesmo para quem tem

A arte por madura.

 

E se do sorriso disfarçado

Surge certa a tristeza,

Ela pouco dura:

Lança a rede novamente

Quem tem a arte por madura.



Fotografia de António Tedim - Texto de Paulo Chaves



25
Jun13

Pedra de Toque



MILETE

 

Maria Isolete da Costa Gonçalves era a sua graça.


Mas era pelo diminutivo Milete que era conhecida e tratada por familiares e amigos.


Estudou em Chaves e em Vila Real onde cursou a Escola do Magistério Primário vindo a lecionar na sua aldeia natal, Vila Verde de Oura, aqui ao lado de Vidago, durante algumas décadas.


A Milete era minha prima direita e na adolescência e juventude convivi e conversei muito com ela.


Mais nova 5/6 anos, unia-nos o gosto antigo pelas coisas da literatura, nomeadamente pela poesia.


Era uma mulher muito lúcida e extremamente sensível.




Lia imenso e jovem ainda apaixonou-se pela arte de versejar tendo-nos legado três livros notáveis.


Destaco o primeiro que intitulou “ Paraíso Sonhado”, prefaciado pelo conhecido escritor e insigne professor universitário Urbano Tavares Rodrigues.


Este livro, recheado de belos poemas, já refletia a sua autora como uma mulher inteligente e apaixonada.


Cedo, no entanto, começou a desencantar-se com a vida, abrindo portas a fobias, desamores, medos e fantasmas que lhe coartaram a possibilidade de ter criado uma obra muito mais vasta e lhe atormentaram o quotidiano que se despenhou, antes da última morada, numa cama de hospital, em debilidade extrema.


Urbano lucidamente refere no dito prefácio “ o erotismo sublimado, a nostalgia de uma pura e ardente adolescência perdida”.


Era a Milete autêntica, genuína que o Urbano, perspicaz, extraiu do Paraíso Sonhado.


Já então a poetisa se lamentava: “ Fantasmas de um mundo tão distante, porque me atormentais ainda agora?”.


Para sofredora acrescentar: “O meu desterro quando terá fim?”.


Emociona-me quando a releio.

                       

“Prisioneira sem estar presa,

Cativa sem ter algemas,

A não ser as que me prendem

A ti, a quem sempre amei”.

                       

Cedo começou dolorosamente a sofrer com as suas angústias, as suas decepções e desilusões que lhe percorreram a vida mas que belamente espelhou em versos.

                       

“Tudo na história humana está errado.

Os homens erram com perseverança edificante.

Eu não sou mais que um erro crasso”.

 

O amor infeliz que a perseguiu e torturou está bem patente nos últimos versos do seu soneto Recordação.

 

 “Não mais verei teu rosto junto ao meu,

Não mais contemplarei o fim do dia,

Sentindo as tuas mãos a me afagar

 

Em vão, desejo agora um beijo teu,

Perdi-te… E a minha única alegria

Consiste apenas em te recordar”.

                       

Milete apagou-se de frágil, de débil, docemente serena, há pouco mais de um mês.


Com medo da vida, foi-se libertando, definhando sem a dor que não queria, envolvida nos seus receios, mas numa paz celeste.


Escolheu o seu repouso e como queria, levou só flores brancas, a cor dos seus poemas, dos que nos deixou, e dos muitos que levou consigo.

 


Querida prima, permanecerás etérea, lívida e em paz, certamente muito acariciada pelos teus versos.

 

António Roque


24
Jun13

Quem conta um ponto...


 


Pérolas e diamantes (44): todos estamos a pagar a incompetência

 

 

A situação política portuguesa está tão degradada que as pessoas têm a nítida sensação de que já nada interessa. Instalou-se a perversa ideia de que nada muda no essencial. Estamos a enlouquecer coletivamente.

 

Os políticos que vivem da alternância do poder dizem que esta é a lógica do jogo democrático, que tudo isto faz parte da disfunção do sistema. O problema está no facto de que, nas últimas duas décadas, os políticos que usaram, e abusaram do poder, não possuem um mínimo de vergonha na cara. Conseguem fazer promessas, conseguem não cumpri-las minimamente e ficam impunes como se fossem meninos de coro.

 

Todos nos damos conta que a alternância democrática não é suficiente. A qualidade política tem-se deteriorado a um ritmo inquietante. A esta gente falta visão do mundo.

 

Os políticos de hoje foram formados dentro das estruturas partidárias, por isso lhes falta qualidade, cultura, sensibilidade e abrangência. E isto é válido tanto para o PS, como para o PSD, como para o CDS.

 

Persistem na ideia de que eles é que possuem a verdadeira noção do que é o Estado Social e o Estado de Direito. De facto eles são tudo, porque se instalaram à mesa do poder e nada deixam para a cidadania. Aprisionaram o Estado e a Nação.  E, o que é ainda mais grave, aprisionaram-nos dentro da sua lógica.

 

Paulo Morais, vice-presidente do movimento Transparência e Integridade, afirmou que o maior centro de corrupção em Portugal é a Assembleia da República e que as primeiras filas dos partidos políticos, como o PSD e o CDS, estão repletas de pessoas que são, em muitos casos, membros dos diversos Bancos de Investimento, nomeadamente do BES. Isto é uma coisa que, no mínimo, nos põe em pânico, quando não em desespero.  

 

Todos nos perguntamos por que carga de água é que não nos apercebemos destas evidências. A explicação é simples: existem várias dezenas de comentadores políticos a fazerem as suas análises. Se atentarmos bem, todos eles já foram ministros. São todos dos partidos, sobretudo dos partidos da denominada área da alternância democrática. E isso não é normal.

 

De facto, eles não comentam política com independência. Eles defendem as teses dos seus partidos. O caso mais escandaloso é protagonizado pelo professor Marcelo (Rebelo de Sousa), que é tão independente, tão independente, tão independente, que até veio a Chaves para apoiar a candidatura da fação minoritária do PSD local, liderada por António Cabeleira. Se o ridículo matasse, dali não saía ninguém vivo.

 

Se fosse este tipo de gente a escrever o nosso futuro, estávamos definitivamente desgraçados. Mas o futuro, para bem de todos nós, não está escrito em lado nenhum. Somos nós que o vamos construir. Custe o que custar, doa a quem doer.

 

Para ajuizarmos dos dislates que, por exemplo, se praticam na nossa autarquia, vamos aos factos.

 

No ponto 4 do “Compromisso” de “Todos por Chaves”, escreve-se que “É tempo de traçar objetivos e de hierarquizar prioridades tendo em conta os recursos disponíveis. Transformar ideias em projetos e projetos em obras.”

 

Então vamos lá aos projetos e às obras e às prioridades e aos recursos e à hierarquia e às ideias e à transformação. A seguir ao escandaloso aluguer, por 150 €, das antigas instalações do Cineteatro de Chaves, a autarquia flaviense resolveu cometer novo atentado à racionalidade e desbaratar mais dinheiro público. Em ata do dia 18 de março de 2013, relativa ao “projeto de execução das piscinas municipais cobertas de Chaves”, ficámos a saber que a vereação camarária aprovou por unanimidade (lá está o arco do poder, ou o arco dos interesses, leiam como entenderem, a funcionar) a decisão de “promover a revogação do contrato” com a GIPP – Gestão Integrada de Projetos e Planeamento, Lda., e indemnizá-la em 62.181,25 €.

 

Ou seja, a Câmara de Chaves resolveu retirar dos bolsos dos contribuintes sessenta e dois mil cento e oitenta e um euros e vinte e cinco cêntimos, para pagar uma indemnização por não poder levar a efeito uma obra prometida e já adjudicada.  

 

Sinceramente que não sabemos como estas coisas são possíveis numa instituição pública de interesse comum. Nem sequer nos interessa debater a sua legalidade. O que sim nos importa discutir, e perceber, é a forma como estes atos de gestão ruinosa de uma autarquia são possíveis sem que nada aconteça aos autores de tais dislates.

 

A política autárquica flaviense tem razões que a própria razão desconhece.

 

Será?


João Madureira



 

23
Jun13

Pecados e Picardias


 

Ah se eu pudesse


Ah se eu pudesse, passar férias de mim

deixar-me mulher em terra ,reflexo

no horizonte, ter "só" sexo dos anjos, enfim...

Ah se eu pudesse, amar-te no universo.

 

Ah se eu pudesse, fazer-te sentir saudade

ser o teu anjo da guarda, dar-te a mão

sem dares conta, nem tirar-te a liberdade,

Ah se eu pudesse, tirar-te o meu coração...

 

Ah se eu pudesse as mágoas sepultar,

 nas valas do teu caminho, de mim  vazio,

esquecida de nós, sem em nós acreditar...

Ah se eu pudesse, ainda apagar o pavio.

 

Ah se eu pudesse  sem ti as férias passar,

abandonava-nos aos dois ,fugia com o mar…


Isabel Seixas



22
Jun13

Hoje apetecia-me Vidago


O Verão ainda está a desfazer as malas da sua recente chegada, mas nota-se que chegou e o dia está convidativo para ir por aí fora em passeio. Apetecia-me ir até Vidago, a um passeio pelo parque do Palace Hotel, mas como há afazeres que não mo permitem, vou-me contentando em dar uma vista de olhos pelo meu arquivo fotográfico, do qual quero partilhar aqui algumas imagens, hoje de Vidago, porque me apetecia ir até lá… Ficam então as imagens, pois as palavras só atrapalham o olhar.

 

 

 

 

 

 

 

21
Jun13

Discursos sobre a cidade - Por António de Souza e Silva




GOVERNO DOS «JUSTOS»

 

I

Em tempo de férias, antes de partir para os lugares onde o mar nos atrai para as suas praias, (apesar de este ano o tempo não estar assim tão convidativo), para além das roupas leves que durante o resto do ano pouco usamos bem assim outros pertences para nos entretermos enquanto estamos na «torra», ainda temos tempo para pôr no saco da viagem um ou outro livro que um dia prometemos a nós próprios – porque interessante – que o leríamos com mais atenção.


Desta vez veio-me ter às mãos um volume de José Mattoso, Susanne Daveau e Duarte Belo com o título «Portugal – O sabor da terra – Um retrato histórico e geográfico por regiões» que, já não me lembro bem, quando me foi oferecido por dois meus sobrinhos.


Como o próprio título indica, e os seus dois primeiros autores sugerem, trata-se de uma obra assente, essencialmente, numa perspectiva geográfica e histórica, dividida por treze regiões: Minho; Trás-os-Montes; Douro; Região Metropolitana do Porto; Beira Litoral; Beira; Beira Baixa; Ribatejo; Estremadura; Lisboa; Alto Alentejo; Baixo Alentejo e Algarve.


A obra é muito enriquecida pelas fotos de Duarte Belo, dos finais dos anos noventa do século passado, assim como, parte da designação do título da obra - «O sabor da terra» - é da sua lavra.


Esta obra foi editada pela primeira vez em 1998, em pleno período de debate sobre a regionalização, embora a mesma não tivesse quaisquer intentos políticos, e reeditada em 2010.


Os seus autores, na Introdução à obra reeditada em 2010, afirmam: “O que se pretende é captar aquilo que permite descobrir o essencial, e não o anedótico, o acidental ou passageiro”. E mais adiante: “a terra é, obviamente, o ponto de partida para as nossas considerações. A terra com a sua constituição geológica, a forma do seu relevo, a sua relação com a água, com a temperatura e com os regimes dos ventos predominantes. Mas, logo a seguir, os homens. Antes de mais na sua relação com essa terra”.


Depois de explanarem cada uma das regiões citadas, não tendo abordado as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, acabam por dizer: “A conclusão a que se chega ao examinar como evoluiu o nome de Portugal e a realidade a que ele se foi aplicando é perfeitamente coerente com a falta de unidade do país (…) existe nele, de fato, uma grande diversidade cultural, paisagística e histórica. Esta [unidade] é perfeitamente compatível com uma administração fortemente centralizada. Ou melhor, é provável que um país tão diversificado como o nosso não pudesse ter subsistido sem uma administração unificada e coesa”. É, por isso, que quando estes autores se reportam à identidade portuguesa, do «ser português», insistam: “o que cria e sustenta a identidade portuguesa é, de facto, o Estado”.


Como não podia deixar de ser, o capítulo que mais me despertou a curiosidade, nesta altura, foi aquele que fala sobre o Algarve.



O Al Garb, o Ocidente, fim da terra habitada para o islão. Algarve, reino independente, tardiamente conquistado pelos reis portugueses da Reconquista (D. Afonso III). Algarve, terra do pomar e do mar. Algarve, pequena porção de terra virada a sul, debruada sobre o mar, protegida a norte pelas serras de Monchique e do Caldeirão: uma, a oeste; outra, a este. Algarve da serra, do barrocal e do litoral: uma, dando a madeira aos pescadores e a lenha à casa dos lavradores; outro, com os seus pomares de sequeiro, dando-lhes o figo, a amêndoa, a alfarroba, a laranja…, frutos que fazem a delícia da gastronomia local e nacional; finalmente, o mar, onde os pescadores buscam o sustento e o seu meio de subsistência, mas que hoje, aliado a um clima ameno no inverno e um sol radiante no verão, enche de alegria milhares de turistas que o frequentam. Algarve, hoje tão dual, vivendo na voragem da exploração desenfreada de uma pequena faixa litoral, esquecendo-se, muitas vezes, das outras duas que lhe deram a sua verdadeira e autêntica unidade. Algarve, terra prostituída pelos senhores especuladores da terra e pelos grandes monopólios empresariais do sector do lazer, dando-nos, muitas vezes, a sensação que, tal como no passado, a posse da sua terra já passou para outro reino. Algarve, que, anexado às outras parcelas do reino de Portugal, lhes copiou e lhes seguiu os mesmos passos: os do desnorte do desenvolvimento e do ordenamento do território. Mas, felizmente, ainda nos resta um Algarve possuidor de recantos paradisíacos e virginais, à espera de serem desflorados, possuídos, com carinho e amor, como à mãe-natureza é devido.


Desde a década 60/70, a ideia que tinha do Algarve, quando nessa época vinha para aqui passar férias, coincide com a de Filomena Mónica quando lembra: “(…) as férias [no Algarve] era um interlúdio abençoado (…) no início da década de setenta (…) passei alguns verões maravilhosos (…) Nesta(s) comunidade(s) ninguém jamais pensou abastecer-se numa loja, quanto mais ir a um supermercado. Aproveitavam-se os restos das caldeiradas dos pescadores, comiam-se os figos que caiam das árvores e, na maré baixa, apanhavam-se ameijoas, canivetes e conquilhas. À noite, os miúdos dormiam no terraço; os adultos bebiam licor de amêndoa amarga (…)”.


O que depois aconteceu é demasiado conhecido de todos: a primeira coisa que se nota ao chegar ao novo Algarve é a omnipresença do progresso, traduzido no barulho das picaretas, na visão dos guindastes, no ruído das escavadoras (hoje em dia já nem tanto!).


A partir dos finais da década de 70 deixei, por três décadas, de frequentar o Algarve. Hoje, contudo, não posso deixar de reconhecer, tal como os autores da obra que venho falando, que o turismo, mesmo destruidor e desenfreado, trouxe bem-estar e prosperidade a muita gente. Contudo, sou muito crítico quanto ao modelo de desenvolvimento (turístico) que aqui se implementou.


António Barreto, num programa de televisão largamente difundido em 2007 diz que, quanto a Portugal, “já lá vai o tempo dos dois países (…)” Não estou tanto assim de acordo com este autor. Malgrado todos os progressos, nomeadamente a nível das autarquias no que concerne a grande número de infra-estruturas, na verdade, continuamos a viver como se estivéssemos em dois países separados, de desigualdades entre eles: o Portugal urbano e o rural; o Portugal moderno e o atrasado; o Portugal litoral e do interior; o Portugal da capital e da província. Mesmo apesar das estradas, da democracia, do Estado Social e, como digo, do esforço em obras (algumas faraónicas, para além da escala real da autarquia a que se destina, em nítido prejuízo do erário público e grande satisfação do caciquismo local)! Aliás, a realidade do despautério obreirista e das negociatas, a que eufemisticamente chamamos crise, infelizmente, nos tempos que correm, está bem à vista de todos!

Como muito bem dizem os autores que vimos citando: “o Portugal rural é cada vez mais diferente do urbano, porque se vai aproximando do deserto; na mesma medida o litoral opõe-se cada vez mais ao interior. Se estamos mais perto de sermos «um só país», é porque o rural, o interior, pelo menos aparentemente, deixa de contar: deixa de ter escolas; serviços médicos; maternidades; polícias; transportes públicos”.


Apresentemos alguns poetas que, quanto a este Portugal, nos falam desencantados. É certo que falam antes de 74 mas… será que, apesar de Portugal ter mudado, as coisas mudaram assim tão significativamente? Ouçamos o seu protesto:


Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo…

num remorso

num remorso de todos nós. (Alexandre O’Neill)

 

O país que tinha já de si pequeno

fizeram-no pequeno para mim

os donos das pessoas e das serras

os vendilhões das almas no templo do mundo (Ruy Belo)

 

Portugal

país defunto talvez unto para nações vivas

Portugal meu país de desistentes (Ruy Belo)

 

Meu país desgraçado

por que fatal engano?

Que malévolos crimes

teus direitos de berço violaram? (Sebastião da Gama)

 

Este país te mata lentamente.

País que tu chamaste e não responde.

País que tu nomeias e não nasce. (Sophia de Melo Breyner)

 

Pátria magra – num corpo figurado

Meu pobre Portugal de pele e osso:

Nada na tua imagem se alterou:

A casca e o caroço

dum sonho que mirrou (Miguel Torga)

 

Entretanto, que faremos deste Portugal quase vazio, andando a desnorte?

 

II

Aproximam-se velozmente as eleições autárquicas. De longe da terra que adoptei como minha, me nasceram os filhos e se encontram sepultados os restos dos meus entes queridos, não paro de pensar acerca do seu futuro. E vêm-me à lembrança estas palavras que, urje, as interiorizemos: “Hoje, ao contrário do passado, os portugueses deixaram de ter uma conceção épica acerca da sua História e tentam ocupar realisticamente o seu lugar na Europa, isto é, à sua escala [mas sem tibiezas e subserviência] e que demonstrem uma plena capacidade de saber gerir os seus recursos. Talvez agora se abra para eles uma nova era em que as diferenças de oportunidades e direitos práticos não sejam tão grandes como no passado, e em que a gestão dos seus recursos materiais e culturais se faça de forma mais racional e mais rentável. Espera-se que a democracia, tão tardiamente conquistada, seja para eles um bom caminho, na busca de novas formas de identidade nacional [e de um novo futuro]”.




E, apesar de tudo, acredito que ainda há lugar, no mundo de hoje, para uma conceção humanista da existência, baseada no respeito pelo Homem e pela sua dignidade. Porque, apesar de tudo, acredito que nem tudo é, ou pode ser reduzido, a mercadoria e que tudo seja medido em função da mesma. A mercadoria e o dinheiro, embora tidos como valor, não são o fim de todas as coisas. São simplesmente meios ao serviço do Homem, da sua realização como pessoa numa sociedade mais justa, solidária e amigo do ambiente, terra-mãe donde vimos e para onde iremos.


Seria bom que estas palavras fossem bem interiorizadas pelos futuros dirigentes políticos, em particular os que estão na calha para disputarem o espaço do poder autárquico, em especial os meus conterrâneos flavienses.


Já aqui, nesta coluna, tenho vindo a falar dos requisitos (qualidades), que reputo essenciais, daqueles (as) que se preparam para serem os (co) responsáveis máximos dos destinos da nossa terra. Da sua lucidez, assente numa correta e adequada compreensão e conhecimento da sociedade em que vivemos e da terra em que nos é dado viver. Lucidez que aporte uma visão de esperança para o futuro – que se nos apresenta incerto e muito complexo. E da atitude, humilde e sincera, que devem ter na construção desse futuro, chamando os munícipes à partilha dessa mesma e efectiva construção.


Por outro lado, meu entendimento, e consequente apelo, é que estes (as) homens e mulheres, com «arrojo» de se candidatarem a lugares de dirigentes (políticos) locais, que o façam em franco espírito de serviço (público). Tão só. Simplesmente…


Embora tenha sérias dúvidas quanto a este desiderato – pois considero 50 anos de ditadura e mais de 30 de partidocracia, em que as mentalidades não se modificam de um dia para o outro – acredito, sinceramente, que mudar é preciso e… é possível!


E tal desejo não se aplica apenas aos tradicionais partidos do arco do poder autárquico como também ao recente criado MAI (Movimento Autárquico Independente), dadas as sérias dúvidas que tenho quanto à sua génese, ao seu ideário e programa de acção, independentemente de algumas pessoas que o integram.


Em suma, hoje mais que nunca – talvez mais que no passado – para além de dirigentes políticos lúcidos e competentes, precisamos que sejam «justos».


Corroboro inteiramente as palavras de José Mattoso quando, no final da obra que venho a referir, diz: “Só Deus sabe que proporção de «justos» no conjunto dos habitantes de cada cidade é suficiente para ela subsistir [tal como se deduz da conversa de Javé com Abraão antes da destruição de Sodoma e Gomorra] (…) o que a vida me tem ensinado é que existem mais «justos» neste mundo do que se pode saber através dos jornais. Há muitas formas de santidade oculta, nem que seja por meio do sofrimento assumido, do apaziguamento, da noção do dever. A religião católica, aliada ao individualismo, atrofiou o conceito de «justo». A história do Génesis propõe que se crie no efeito da ação do «justo» sobre a comunidade a que pertence em virtude do princípio da solidariedade. Os «justos» são a porção viva e sã, mas escondida, da comunidade a que pertencem. Garantem a sua capacidade de regeneração. O fundamento da esperança no futuro é o reconhecimento dos «justos» que nos rodeiam, seja qual for o meio em que vivem, e o apoio que somos capazes de lhes dar na sua luta pela «justiça». Talvez isto sirva de antídoto contra a desilusão que nos causam os poderosos da finança (…)” da «alta» política ou do espectáculo (circense, entrando todos os dias pela casa dentro).


Um «justo» reconhece que, em última análise, a terra, «a nossa terra» é o fundamento concreto e palpável que pode justificar qualquer tentativa de descobrir o espírito de um lugar e de uma região e, com ele, se encetar um novo futuro.


Para terminar, não resisto de, com Miguel Torga, invocar os deuses que lhe fizeram não só compreender tão bem o seu querido Trás-os-Montes mas também Portugal. Porque, ao invoca-los, outra coisa não fazemos que continuarmos na busca do perpétuo mistério do ser humano:

 

Vinde à terra do vinho, Deuses novos!

Vinde, porque é de mosto

O sorriso dos deuses e dos povos,

Quando a verdade lhes deslumbra co rosto.

 

Houve Olimpos onde houve mar e montes

Onde a flor da amargura deu perfume,

Onde a concha da mão tirou das fontes

Uma frescura que sabia a lume.

 

Vinde, amados senhores da juventude!

Tendes aqui o louro da virtude,

A oliveira da paz e o lírio agreste…

 

E carvalhos, e velhos castanheiros

A cuja sombra um dormitar celeste

Pode fazer os sonhos verdadeiros!

 

 

António de Souza e Silva



20
Jun13

O Homem Sem Memória - 158


 

O Homem Sem Memória

Texto de João Madureira

Blog terçOLHO 

Ficção

 

158 – Desiludido com a arte, voltou-se para outro lado – para o outro lado –, como quem se sente mal durante o sono por ter adormecido na posição do coração e de repente se vira para o lado direito para conseguir sobreviver aos movimentos arritmados do seu coração apaixonado, isto se o tiver,  bien entendu, como muito bem poderia dizer o camarada Jean Ferrat.


Afinal podemos morrer de amor, falecer por causa do pecado da gula, mas ninguém morre por amor à arte. Era o que mais faltava, morrer pela arte. No entanto, no caso do José, não sabemos se isso era possível. De facto, o nosso herói, como já informamos anteriormente, tinha falado na barriga da mãe. E isso era indício de que havia sido tocado por algo de sublime. Ele, apesar da sua aparente e teimosa conformidade com a realidade, era, sobretudo, um ser de ficção, especialmente no aspeto em que a ficção é sempre mais ousada e verdadeira do que a própria realidade. Podendo mesmo atrever-nos a afirmar que a ficção é que é a verdadeira realidade, por muito que isso nos custe a todos.


Voltou de novo à sua intermitente atividade sociocultural, que, no seu modesto ponto de vista, era política, mesmo não parecendo. Uma vez revolucionário, revolucionário para sempre. O Graça nisso era amigo, tinha a noção de que a sua principal valência era do lado da cultura. Uma vez culto, culto para sempre. Uma vez amigo, amigo para sempre. Bem, esta última afirmação tem o seu quê de logro, no entanto vamos deixá-la como está para não interferirmos com o destino, pois esse axioma vai a seu tempo ser devidamente desmentido pela realidade, que sendo mais pobre do que a ficção, a realidade, claro está, não deixa de ser incómoda como um enxame de abelhas tocado por um varapau de rapaz inconsciente ou distraído.


Farto da revolução feita à base de pintar paredes e colar cartazes, o José decidiu investir na frente da animação das associações juvenis. Arranjou um amigo, ou melhor dois, e com eles empreendeu a implementação do FAOJ (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis) em Névoa.


Alugaram uma casa na Rua do Poço, ou dos judeus, recolheram cadeiras, mesas e armários em várias instituições públicas e particulares, adquiriram, com subsídios do Estado, tabuleiros de xadrez e uma televisão, e convidaram os jovens a frequentar a casa, tendo em vista dar-lhes uma ocupação que lhes espevitasse as meninges. Realizaram torneios de xadrez, dinamizaram ateliês de pintura e escultura e iniciaram a constituição de uma biblioteca, e de um grupo de leitores, erigida à base de livros oferecidos que podiam ser lidos em troca de uma pequena quota em dinheiro que seria empregue na aquisição de novas obras.


Tudo se iniciou com o entusiamo necessário a estas coisas. Realizou-se o primeiro torneio de xadrez com a inscrição de dezenas de jovens. Todos eles pagaram, no ato da inscrição, uma quantia simbólica que reverteu a favor da biblioteca em formação. Até o José, que pouco sabia de xadrez, se inscreveu. Não era muito usual os dirigentes inscreverem-se nos torneios que organizavam, mas o José resolveu correr o risco.


Logo no primeiro match saiu-lhe na rifa um militante da extrema-esquerda com um tal ar de Karpov que o José deu logo o jogo por perdido. Mas qualquer jogo, antes de ser perdido, tem de ser jogado, mesmo que isso nos custe. E foi o que o José fez, jogou o jogo pelo jogo. O José, temos de ser sinceros, não gostava nada, mas mesmo nada, de perder, mesmo que fosse a feijões. Por isso sentiu-se mal por lhe ter calhado em sorte esse tal Gasparov, ou Karpov, ou lá o que fosse. Aquele seu ar supostamente inteligente intimidou-o deveras. Além disso, tinha uma vozinha afetada, uns trejeitos amaneirados e emitia uns olhares tão intrigantes como se o quisesse encher de beijos, ou merdas pelo estilo. O José tentou concentrar-se no jogo. E concentrou-se seriamente. Como ficou com as peças pretas, restou-lhe aguardar que o seu adversário, com aspeto de Tasparov, Rarkakov ou lá o que fosse, abrisse o jogo. Bem, o Gsapirov amaneirado demorou o tempo todo permitido pelos regulamentos para realizar uma jogada e mexer o peão de rei. Depois do movimento da sua peça, o Kaspariov da voz afetada mexeu no cronómetro e preparou-se para esperar tanto tempo como o que despendeu a realizar a sua jogada. Mas o José não se fez esperar, jogou um cavalo passados apenas alguns segundos. O Rasparov arrebicado, incrédulo com a rapidez do seu adversário, disse-lhe que não havia necessidade de jogar tão depressa, pois o jogo de xadrez serve sobretudo para pensar e pensar leva o seu tempo. E lembrou-lhe que o xadrez não era como as damas, de jogo, claro está, não as damas de mamas e coisa e tal. Que levasse o seu tempo, que ele não lhe levava a mal, pois o xadrez serve sobretudo para pensar. E pensar leva o seu tempo. O xadrez é um jogo de estratégia. E a estratégia leva o seu tempo. O Fasrapov efeminado gastou novamente todo o tempo permitido pelo regulamento do concurso, cerca de vinte minutos, para mover outro peão. O José nem queria acreditar, mas as jogadas do seu adversário eram todas mais do que previsíveis. A seguir aquele caminho, o Kartapov amaricado arriscava-se a perder. Mas o José, desconfiado, pensando que era estratégia para o enganar, jogou de forma provocadora, ameaçando-lhe uma peça em troca de nada. E fê-lo também rapidamente. Não estava para perder tempo com o jogo, quanto mais depressa ele acabasse melhor. Já que ia ser derrotado, pelo menos que o fosse o mais rapidamente possível. O Vospurov, ou karkarov, ou lá o que era, com mais um gesto irritante, para o José, claro está, lembrou-lhe que levasse o seu tempo, que ele percebia, pois o xadrez serve principalmente para meditar. E meditar leva o seu tempo. O xadrez é um jogo de estratégia. E a estratégia leva o seu tempo. Mas a rapidez do José não buliu minimamente com a estratégia do seu adversário. Ele meditou, pensou e discorreu mais vinte minutos sobre a peça a jogar e o movimento a fazer. A partir daqui, o ritmo do jogo não se alterou. O José rápido e o Vorparov de olhos verdes arrepiantes sempre em jogadas de vinte minutos. Lá para o décimo quinto movimento, já perto da noite, o José começou a dar-se conta de que o Kritipov, ou lá o que era, das palavras sibilantes, afinal não percebia nada de xadrez. Sabia mexer as pedras e pouco mais. Mas, verdade seja dita, ele não saía da sua pose. Olhar de entendido, escrevendo num caderninho as suas jogadas e as do José, tocando nas suas peças com se fossem papos de rola, e marcando o tempo no relógio com todo o ar do deus Kronos.  Mas enquanto o Pagaspov, ou Gaskarov, ou lá o que era, afetado, se entretinha com os pormenores, o José começou a olhar para o jogo com olhos de ver. Já lhe levava uma boa vantagem em peças tomadas. E, a seguir por aquele caminho, o maricas do xadrez ia ser derrotado sem apelo nem agravo. Mas não se dava conta. Por isso continuava com a lengalenga de que o xadrez é um jogo de paciência e de estratégia. E que a estratégia leva tempo. E que a paciência também. Depois calava-se durante dezanove irritantes minutos a fazer que pensava numa jogada. E até parecia que pensava. Quem estivesse a assistir ao jogo e não percebesse nada de xadrez só podia dar como vencedor o adversário do José. Pois apenas um campeão consegue demorar vinte minutos a mudar uma peça, depois anotá-la num caderninho com uma letra de menina de colégio enamorada pelo Simão do Amor de Perdição e finalmente tocar no cronómetro para parar o seu tempo e dar início ao tempo do adversário.


Quando caiu a noite, o xadrezista maneirento, depois de ter realizado o seu vigésimo lance, com todo o seu ar de entendido, depois de o ter anotado no caderninho e de ter dado por terminado o tempo da sua jogada, levantou o seu olhar afetado e rindo-se como um anjo rabudo, propôs: “Vai sendo hora de jantar. O melhor é interrompermos o nosso match e continuarmo-lo logo mais à noite ou deixá-lo para amanhã.” “Toca lá no relógio, pois eu vou jogar”, avisou-o o José. E o Marparov, ou Zaspopov, ou lá o que era: “Não tens fome? Olha que isto, pelas minhas contas, ainda é jogo para durar umas horas largas.” E o José: “Achas?” “Tenho a certeza. Eu já tenho muita experiencia neste jogo. Já passei muitas horas a jogar…” “Disso, não duvido. Dá para ver. O tempo que tu levas para fazer cada jogada é disso um exemplo perfeito”, ironizou o José. E o Pokarpov, ou Gasvonov, ou lá o que era: “Sim. Eu penso muito. Esse é o espírito do xadrez. O xadrez é um jogo de estratégia. Um jogo que exige pensar muito, pois devemos cogitar maduramente nas nossas jogadas. E, sobretudo, estudar as do adversário. Pois as nossas jogadas devem sempre abrir caminho para a frente, mas sem nunca esquecer a retaguarda. O xadrez é como uma guerra, temos de pensar sempre na estratégia do inimigo.”


Ia a levantar-se, depois de ter fechado o caderninho e ter arrumado a caneta, quando o José se virou para ele e disse as palavras fatais no xadrez: “Xeque-mate.”


159 – Ao contrário dos seus camaradas, ...

 

(continua)

 

19
Jun13

Leituras de um olhar


 


 

 

A vida como um jogo

 

Neste jogo da vida,

Como eu jogo, como eu vivo,

E assim de descontraído

O tempo foi e vai escrevendo na pele

A minha idade.

 

Já não penso no tempo ido,

Que saudade,

Nem imagino o tempo que virá,

Qual esperança,

Como as cartas recolhidas

E aquelas que vou jogar

Estou aqui no meio descontraído

A ver o tempo passar



Fotografia de António Tedim - Texto de Paulo Chaves



Pág. 1/4

Sobre mim

foto do autor

320-meokanal 895607.jpg

Pesquisar

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

 

 

19-anos(34848)-1600

Links

As minhas páginas e blogs

  •  
  • FOTOGRAFIA

  •  
  • Flavienses Ilustres

  •  
  • Animação Sociocultural

  •  
  • Cidade de Chaves

  •  
  • De interesse

  •  
  • GALEGOS

  •  
  • Imprensa

  •  
  • Aldeias de Barroso

  •  
  • Páginas e Blogs

    A

    B

    C

    D

    E

    F

    G

    H

    I

    J

    L

    M

    N

    O

    P

    Q

    R

    S

    T

    U

    V

    X

    Z

    capa-livro-p-blog blog-logo

    Comentários recentes

    FB