Do livro " Chaves, Olhares Sobre a Cidade"
Ainda antes de terminar o ano quero aqui deixar publicados os últimos três textos e respetivas fotografias do livro "Chaves - Olhares Sobre a Cidade", publicação comemorativa dos dois milhões de visitas ao blog Chaves.
Se o tempo e as circunstâncias nos o permitirem, será uma iniciativa a repetir, talvez com uma edição comemorativa dos três milhões de visitas (se lá chegarmos), ou outras edições, das muitas que já são possíveis reunir no conteúdo do blog Chaves. Prometido fica que vamos continuar.
Bom 2014!
Senhoras da aldeia
Grito mudo…
Dizer o quê?
cansados,
Sachar cada ano a amargura,
envelhecer no lenço e avental preto
homens sem alternativa na taberna embriagados…
valham-nos vizinhos na amizade quando perdura
aprender que entre homem e mulher jamais me meto…
Grito mudo
Dizer o quê?
Ignorados
Evocar Deus no minuto de medo,
Ajoelhar às aparições dos senhores
Sonhos perdidos na infância nos bosques e prados
Contar o dinheiro a modos de manter o sossego
Ir morrendo na ténue ilusão de dias melhores
Grito mudo…
Dizer o quê?
cansados ,ignorados
e a nossa senhora nunca mais apareceu,
no seu manto vermelho de veludo,
não sabemos porquê, será que só ganham o céu
os pobres abandonados?...
Isabel Seixas
Paisagem, património, liberdade!
As políticas neo-liberais são adoptadas de forma crescente por muitos governos. Estas correntes, muito orientadas para a livre exploração comercial de todas as “coisas” que sejam passíveis de gerar lucros, estão na base de importantes alterações da realidade contemporânea.
A avaliação das paisagens e subsequente ordenamento (pelo valor comparativo ou outro), ou apenas a respectiva inventariação, podem aproveitar para transformar as paisagens, de bem público, colectivo, em bem privado, comercializável.
Que direito assiste a alguns na apropriação privada de bens que sempre foram “comunais”?
Pretendemos consciencializar para a necessidade de a paisagem (de maior valor) continuar a ser um bem público, livre de concessões e sobre o qual nenhum privado pode colocar um obstáculo ao seu usufruto sensorial por parte de todos. Tal implica que as paisagens urbanas devam ser objecto da atenção de organismos públicos (desde a avaliação, aos planos de protecção ou valorização, gestão e usufruto), ainda que a sua manutenção seja efectuada a expensas dos contribuintes. Esta visão fere as concepções neo-liberais que são neste momento dominantes, mas pensamos que já surgem, também neste momento, visíveis reacções a este modelo totalizante e, tal como em relação a outros modelos político-económicos, a história demonstra-nos que, “a imposição de um único ponto de vista nunca é justificada.”
A expressão da resistência à opressão comercial que invade as nossas vidas encontra-se vincadamente expressa por Naomi quando afirma que aquilo que lhe traz amargura “não é exactamente a ausência de espaço real, mas uma profunda ânsia por espaço metafórico: libertação, fuga, algum tipo de liberdade sem condições”, o que é no nosso tempo muito difícil de encontrar. A sensação claustrofóbica provocada pela invasão comercial de todos os espaços (recorde-se a venda de postais e recordações, junto a locais pitorescos), está enunciada na afirmação de que a “maioria de nós aproveita os espaços abertos onde consegue encontrá-los, às escondidas como se fossem cigarros, fora das clausuras”.
Como terá sido afortunado Dom Afonso, por provavelmente ter visto as “termas romanas” de Chaves ao ar livre e sem pagar entrada!
Francisco Chaves de Melo
Aos que ficam
Tenham dó! Tenham Misericórdia dos que ficam! Não os zombais, não os julgais! Um dia também chegará a vossa hora de quietude. Quem os viu e quem os vê, diz o povo. Pois assim está bem, pois mal de quem os não vê nem nunca viu!
De camisa sempre lavada, cabeça tapada e olhar "fino", são visões de um mundo que foi e já não volta.Tenham dó! Tenham Misericórdia dos que ficam! Um dia também chegará a vossa hora de esquecimento.
É de noite, é de noite, diz o povo. Mas enquanto houver esperança, haverá sorrisos. E enquanto houver sorrisos, haverá vida. Tenham dó! Tenham Misericórdia dos que ficam!
Sandra Pereira