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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

31
Mai16

13 - Chaves, era uma vez um comboio


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“… COMO SE FOSSE MEU”!

 

A primeira vez que viajei de comboio, apanhei-o na FONTE NOVA, foi para ir ser baptizado, num dia 13 de Outubro da II GG, pelo Pe. José do Nascimento Barreira, na Igreja de S. Pedro, em Vila Real.

 

A minha madrinha, irmã da minha avó materna, Conceição, tinha mais 58 anos do que eu.

 

O meu padrinho, filho de uma família muito amiga da minha madrinha, tinha mais 8 (oito!) anos do que eu.

 

Madrinha e padrinho moravam na «Bila». Ela, no Largo da Capela Nova; ele no Largo de S. Pedro, em casa anexa à Escola Comercial.

 

A madrinha era zeladora da Igreja do Carmo; o padrinho, filho de um célebre guarda-redes do Sport Club de Vila Real - o Silvino!

 

A essa primeira viagem seguiram-se outras, mais espaçadas, até à frequência do Liceu Camilo Castelo Branco, situado lá ao fundo da Avenida Carvalho Araújo e juntinho à entrada para a “Vila Velha”!

 

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CP0035  – Locomotiva: CP E209, Data: 1974, Local: Régua, Portugal, Slide 35 mm

 

A Estação da «minha vida» era o Apeadeiro da FONTE NOVA.

 

Descia as Carvalhas, atravessava o Pedrete, descia o Monte da Forca e já estava na FONTE NOVA.

 

Ouvia as últimas recomendações da Avó São, dos primos e da D. Lucindinha, guarda da linha, trepava para a varanda, arrumava as cestas das «lembranças» e acenava-lhes, qual cavaleiro triunfante a iniciar uma nova cavalgada.

 

Passada a curva que escondia a Azenha do Agapito preparava-me para dizer adeus a quem estivesse à vista em S. FraGústo. Até chegar ao apeadeiro de Curalha sentia-me como se estivesse a percorrer o meu império. Ao atravessar a ponte parecia-me estar a atravessar uma fronteira. Olhava para os moinhos, para o açude e para a encosta que sobe até à MINHA ALDEIA, e logo no peito sentia uma picada de saudade.

 

Em todas as paragens arregalava os olhos como que a catar quadros que me contassem histórias fantásticas de donzelas, cavaleiros e mouros, de gente misteriosa e diferente, de parentes afastados que numa, duas ou três aldeias desses apeadeiros ainda por lá terei.

 

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 Apeadeiro de Oura - Chaves

 

De Oura até Vila Pouca, julgava atravessar território «índio» ou de salteadores encapuzados.

 

Em Vila Pouca a paragem era, parecia-me, sempre muito mais demorada. Talvez fosse para o comboio esperar um bocadinho por uma qualquer «carreira» que viesse atrasada, desde o Alvão ou desde a Padrela!

 

Na estação da Samardã espreitava para todo o lado a ver se via rasto ou sombra de Camilo ou assistia a algum momento da «morte do lobo».

 

Na paragem de Abambres, já «estudante», na «Bila», aproveitava para fazer o levantamento topográfico de galinheiros e coelheiras, para o «assalto» do 1º de Dezembro.

 

A chegada, ou a partida, da Estação da «Bila», era sempre um «acontecimento».

 

Havia uma multidão de gente que chegava e que partia, quer para cima, quer para baixo, que é como quem diz, em direcção a Chaves ou em direcção à Régua.

 

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 CP0163  – Locomotiva: CP E205, Data: 1966, Local: Vila Real, Portugal, Slide 35 mm

 

Para se abraçar os familiares ou amigos (ou para se trocar o mais sôfrego e apaixonado olhar com o namorico!...) logo ao sair das carruagens, tinha de se pagar «bilhete de gare», na altura 1$00 (traduzo: UM Escudo) o que era uma fortuna, mesmo para os «estudantes» mais «afortunados»! Mas, de vez em quando, lá se arranjava maneira de fintar o Chefe da Estação e os «revisores».

 

De Chaves a Vila Real, e vice-versa, eram quase (ou sempre!) três horas de “truf-truf”!

 

Davam-me 20$00 (vinte escudos) para comprar o bilhete de 2ª, de Vila Real-Chaves e diziam-me:

 

- “Sobram dois tostões para qualquer eventualidade”!

 

(Era no tempo da fartura do aconchego familiar e do consolo de amigos!).

 

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 CP0055  – Locomotiva: CP E202, Data: 11 de Setembro de 1969, Local: Vidago, Portugal, Slide 35 mm

 

Às vezes, o comboio compunha-se com uma carruagem que transportava o correio.

 

O poβo dizia:

 

- “Olha, já lá vem (ou já lá vai) o comboio-correio”.

 

Às vezes, mais raras, havia um que dava saída a milhares de toneladas de “batatas de Chaves”.

 

O Poβo dizia:

 

- “Olha, lá vai (e só: lá vai!) o comboio-batateiro”!

 

Nos anos sessenta traziam e levavam gabelas de militares, que no BC 10 se preparavam para o «Ultramar». Algumas vezes, encheram-se de normando-tameganos com guia-de-marcha para os Quartéis de Recrutamento, qual deles o mais distante desta fronteira!

 

O «NOSSO» comboio também funcionava como contador do tempo: o que saía de Chaves, de manhã, avisava-nos da hora do levantar e preparar as trouxas para irmos para as aulas; o do «mei-dia» lembrava a muitas donas de casa que estava na hora de irem levar o almoço aos «homes» que andavam nas obras ou que trabalhavam nas Telheiras.

 

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 CP0126 – Locomotiva: CP E215, Data: 1973, Local: Samardã, Portugal, Slide 35 mm

 

Hoje em dia, os bebés mais apressados nascem em ambulâncias (Já houve tempo em que deixaram de nascer em casa para nascerem na Maternidade do Concelho).

 

Outrora até se davam ao luxo de nascer no «NOSSO» comboio!

 

Então ouçam:

 

- Uma vez….

 

Havia as «CORRIDAS de VILA REAL».

 

Alguns polícias de Chaves foram lá reforçar a segurança.

 

Uma estremosa esposa de um dos mais simpáticos e bonacheirões polícias de Chaves, já com o tempo de gravidez contado, teimou em ir à «Bila» ver as «CORRIDAS» e envaidecer-se com o marido no «exercício de tão espectaculares funções».

 

As vizinhas bem a avisaram dos perigos que corria naquele estado.

 

Mas teimou, teimou, e proclamou:

 

- “Pois ir, vou”!

 

Não se hão-de a ficar a rir de mim”!

 

E foi.

 

Meteu-se no comboio, na Fonte Nova. Assistiu às «Corridas». Apanhou o comboio de regresso. E vinha toda triunfante e regalada por «ter levado a dela avante”!

 

Mas o bebé também quis caprichar.

 

Entre OURA e VIDAGO as dores de parto provocaram um enorme alvoroço.

 

Alguém puxou o alarme.

 

O maquinista ia morrendo de susto - nunca tal lhe tinha acontecido!

 

Parou o comboio.

 

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 CP0039 – Locomotiva: CP E202, Data: Não datado, Local: Desconhecido, Portugal, Slide 35 mm

 

A parturiente foi deslocada desde a Carruagem de 2ª classe, onde viajava, para uma Carruagem de 1ª classe.

 

Ao menino e ao borracho!.....

 

E não é que nessa Carruagem de 1ª classe viajava um Enfermeiro?!

 

Nasceu uma rapariga, linda de verdade. Mais linda do que a Ricardina do retrato.

 

Lá em Chaves, em criança, mal ouvisse o comboio a apitar, dizia, toda vaidosa, para quem a quisesse ouvir:

 

- “O comboio é meu”!

 

O Enfermeiro foi seu padrinho de baptismo.

 

Quantos comboios se podem gabar de terem servido de Maternidade?!

 

A última viagem, na Linha do Corgo, de que guardo lembrança fi-la nos finais dos anos sessenta, num dia de um invernio Janeiro, com uma daquelas geadas de deixar qualquer mortal feito em caramelo, desde a Régua até às Pedras Salgadas.

 

O comboio da Linha do Corgo foi, e é, sempre como se fosse meu!

 

M., 13 de Março de 2014

Luís Henrique Fernandes

 

 

In “Memórias de uma Linha – Linha do Corgo – Chaves”, Agosto de 2014

Edição Lumbudus – Associação de Fotografia e Gravura

 

Fotografias – Propriedade e direitos de autor de Humberto Ferreira (http://outeiroseco-aqi.blogs.sapo.pt)

Gentilmente cedidas para publicação neste post.

 

 

30
Mai16

Quem conta um ponto...


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292 - Pérolas e diamantes: o químico e o alquimista

 

Ao nível da informação em Portugal foi sempre difícil definir o que é o dito interesse público. Quase toda a gente confunde, ou quer confundir, o interesse público com o interesse do público. Cada um escolhe à vez o que lhe dá mais jeito no momento. Mas o que acaba sempre por se impor é o imperativo das audiências. E lá vai o interesse público às malvas. E também a quem é que isso importa?

 

Temos que convir que o equilíbrio nem sempre é fácil. Mesmo a televisão pública tem de ser feita com público.

 

Mas ao que assistimos, tanto nas estações públicas como privadas, é à conjugação dos seus próprios interesses com os interesses dos anunciantes.

 

Há uma lei muito citada no jornalismo, chamada de McLurg, relativa ao facto de a distância geográfica, logo emocional, condicionar o interesse do público, que diz o seguinte: Na imprensa, a morte de um inglês equivale à morte de 5 franceses, de 20 egípcios, de 500 indianos e de 1000 chineses.

 

Dou um exemplo que todos entenderão. A notícia dos acontecimentos de 12 de novembro de 1991 em Díli, onde foram massacradas 200 pessoas pelas autoridades de ocupação indonésia, com expressivas imagens de jovens refugiados na capela do cemitério a rezarem em português, teve um maior impacto e bem mais prolongado destaque em Portugal e nos países de língua portuguesa do que recebeu, três anos mais tarde, o massacre de um milhão de tutsis pelos hútus, no Ruanda.

 

Mas voltemos, com vossa licença, aos níveis de audiência e à mentalidade que os enforma.

 

Nos dias de hoje, o mercado é reconhecido como a instância autêntica de legitimação. Mas se olharmos para a história veremos que todas as produções culturais que todos reconhecemos como sendo as produções mais altas da humanidade, a literatura, a poesia, a filosofia e mesmo a matemática, todas elas foram produzidas contra a lógica do comércio.

 

Os entendidos nestes temas defendem que o serviço público deve implicar “complementaridade face aos difusores públicos”, promovendo a variedade da oferta e da promoção cultural local. Segundo um diretor de pesquisa da BBC, “a sensibilidade do público deve ser auscultada no exterior da própria lógica da medição de audiências”.

 

Como diz Bachelard, “todo o químico deve combater em si o alquimista”.

 

Francisco Rui Cádima, citado por Adelino Gomes, propõe que a RTP complemente a audiometria com uma espécie de “qualimetria” que permita ponderar “a apreciação dos telespectadores sobre a organização das grelhas, sobre os programas concretos e ainda sobre géneros e programas que habitualmente não estão nos melhores segmentos horários”.

 

À proliferação desmesurada de chavões como “mercado”, “custos”, “concorrência”, “consumidores”, “contribuintes”, devemos contrapor os conceitos democráticos e civilizacionais de “interesse público”, “qualidade”, “cultura”, “independência”, “cidadania”.

 

E convém não acreditar muito nos gestores da causa pública pois todos sabemos que as pessoas não fazem necessariamente o que dizem, nem dizem o que fazem.

 

Por alguma razão os autores do atentado das Torres Gémeas levaram a cabo o ataque numa hora em que o terror pôde ser transmitido em direto nos telejornais matutinos da América, nos telejornais da hora de almoço da Europa e nas notícias da noite na China. Como diz Vicente Verdú, “a aspiração máxima de uma notícia é a de ser como uma superprodução de Hollywood que atraia milhões de olhos.”

 

Afinal nós acreditamos mais na televisão do que na realidade.

 

Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, afirmou que nos anos 80 se verificou o auge da capacidade de absorção da informação. E questionou o seguinte: “Não teremos atingido uma fase em que o aumento da informação já não provoca aumento de liberdade? Mais preocupante ainda: Não estaremos a chegar a um mundo em que o aumento da informação provoca uma diminuição da liberdade, mais confusão, mais desinformação?”

 

Não se esqueçam das palavras de Ryszard Kapuscinsk: “De um modo geral, a conquista de cada bocadinho da nossa independência exige uma batalha”.

 

João Madureira

29
Mai16

O Barroso aqui tão perto... Vilarinho de Negrões


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Vilarinho de Negrões

 

Hoje vamos até Vilarinho de Negrões, aquela que é considerada por muitos uma das aldeias mais bonitas de Portugal e eu confirmo, que sim, vista no seu conjunto e a uma certa distância, poucas lhe chegarão aos calcanhares, principalmente quando a barragem está a topo e a água parece entrar por algumas casas adentro, e na realidade pouco falta para tal.

 

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De onde quer que se aviste mantém a sua beleza, embora pessoalmente goste mais de a ver com a Serra do Larouco de fundo que embora ainda distante, a sua altura impõe-se e parece ser uma das que contém as águas da Barragem dos Pisões (como comummente é conhecida por nós) ou do Alto Rabagão, pois é este o seu nome oficial.

 

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Também se tivermos olhares seletivos, mas ainda à distância, podemos igualmente fazer com Vilarinho de Negrões  belas composições, tão ou mais belas ainda que com o seu conjunto, ou seja, fotograficamente falando,  podemos fazer desta aldeia mil e uma composições, então se aproveitarmos as diferentes horas do dia ou as diferentes condições meteorológicas, podemos acrescentar ainda outras tantas composições.

 

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Resumindo, Vilarinho de Negrões é um destino obrigatório de qualquer fotógrafo, nem que seja uma única vez na vida, mas pela certa que depois de se descobrir, não se resiste a passar por lá repetidamente e aproveitar o momento que é sempre diferente, é assim como uma mulher bonita que esteja como esteja é sempre bela e nunca nos cansamos de a fotografar.

 

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Se entrarmos na aldeia, embora seja também é interessante, o discurso já é diferente. As verdades têm de ser ditas,  pois no Barroso há uma mão cheia de aldeias que na sua intimidade são bem mais interessantes que Vilarinho de Negrões, e algumas delas já passaram por esta rubrica, mas mesmo sendo como é, vale sempre a pena sentir o seu pulsar e depois tem sempre a magia da proximidade da água, isto se a barragem estiver cheia. 

 

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E no seu interior podemos encontrar pelo menos duas casas mais nobres ou mais ricas, alguns canastros sempre interessantes, uma pequena capela, alminhas, tanques, fontes e o típico casario tradicional de granito, mais humilde mas com soluções construtivas sempre interessantes, algumas mantendo ainda os beirais elevados que antigamente serviam para acondicionar e proteger as coberturas de colmo. Pena que nestas aldeias barrosas não haja ainda uma ou duas construções cobertas de colmo, seria ouro sobre azul e um testemunho histórico para os mais novos saberem como eram as coberturas de colmo, que também tinham a sua arte.

 

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A aldeia não é grande e sofre dos mesmos males da maioria das aldeias transmontanas, ou seja, o despovoamento e o envelhecimento da população. Visto de outra perspetiva, geralmente as aldeias despovoada e envelhecida são as que mantêm a sua integridade de aldeia, onde não há grandes atentados arquitetónicos, mantendo na grande maioria as construções típicas e tradicionais do Barroso e de Trás-os-Montes onde o granito à vista e a madeira são os principais materiais das construções.

 

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Quanto ao resto e visualmente falando,  a envolvência da aldeia caracteriza-se pelo azul do céu que refletido nas águas da albufeira lhe dá a mesma cor a esta, contrastando com o verde das pastagens e o vermelho alaranjado da cobertura do casario. Vista ao longe, Vilarinho de Negrões pode-nos dar ares de uma pequena ilha junto à costa.  

 

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Resumindo, Vilarinho de Negrões mesmo com os senãos da aldeia em si agravado ainda pelo despovoamento, envelhecimento da população e o abandono do casario, merece ser considerada uma das aldeias mais bonitas de Portugal e não só. Aliás todo o Barroso é assim, um pequeno paraíso dentro do reino maravilhoso que Torga cantava. Um bom destino para quem gosta de férias e passeios em contacto com a natureza e o verde vivo dos campos a contratar com o verde escuro de  uma floresta maioritariamente autóctone, onde o carvalho é rei e senhor, onde o povo em geral é hospitaleiro e recebe bem, mantendo a sua dose de desconfiança como convém.  

 

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Falei atrás do verde dos campos e hoje assim é na maioria do Barroso e à volta da maioria das aldeias do Barroso. Geralmente quem não o conhece tem a ideia de um Barroso agreste e árido, que também existe, principalmente nas pontos mais altos das serras e montanhas onde apenas a vegetação mais rasteira como a  urze e carqueja se dão, mas descendo às terras mais baixas,  o verde e a água, são um traço comum à maioria do Barroso, onde não faltam as vacas e os toiros a pastarem livremente também um pouco por todo o Barroso.

 

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E falta falar de um ponto alto também do Barroso e que visitantes e turistas também apreciam – a gastronomia do Barroso. Geralmente quando saio aqui da terrinha parto sempre com a preocupação de onde se pode comer, de preferência bem e se possível os pratos característicos da região. Pois quando parto para o Barroso nunca levo essa preocupação, pois já sei que esteja onde estiver há sempre um restaurante perto onde se come bem e, curiosamente também se bebe bem (bom vinho). A curiosidade está em que no Barroso não se produz vinho, pelo menos de qualidade, mas nas suas adegas há-o sempre e do bô.

 

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Pois hoje tivemos que deixar por aqui, maioritariamente, as nossas impressões pessoais sobre aquilo que vimos e conhecemos, pois nas nossas pesquisas poucas informações encontrámos sobre a aldeia com exceção do livro “Montalegre” de autoria de José Dias Baptista, publicado pelo Município de Montalegre em 2006. Uma pequena referência a um filho da terra cuja história se cruza também com a história da cidade de Chaves e que daremos conta a seguir:

 

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“ (…) Em 1862, nasceu em Vilarinho de Negrões, Domingos Pereira. Ordenado padre e já abade de Refojos (Cabeceiras) contra vontade de seu tio, o também padre João Albino Carreira, filiado no Partido Regenerador, filiou-se no Partido Progressista. Fiel ao seu credo partidário, tornou-se amigo íntimo de Paiva Couceiro e recusou aderir à República em 1910.

Perseguido, como os outros chefes monárquicos, após a estrondosa derrota, no espaldão da carreira de tiro, em Chaves, foi condenado a 20 anos de penitenciária. Conseguiu colocar no Brasil os seus “soldados, na ordem de alguns milhares” e regressou a Espanha e à sua actividade conspiratória. Conspirou a vida inteira. Depois da amnistia de Sidónio Pais, teve acções preponderantes na proclamação da “Monarquia do Norte”, em 1919, participando nos combates de Cabeceiras, Mirandela e Vila Real.

Restaurada a República exilou-se em Espanha e foi condenado à revelia a 20 anos de prisão maior. Excluído, como Paiva Couceiro, da amnistia concedida aos monárquicos, regressou em segredo, em 1926, a Cabeceiras, onde viveu até 1942.

Por falar em condenações, é de lembrar a condenação de José Pereira, de Lamachã, em 1947, a 29 anos e meio de cadeia “acusado de ser o autor moral” dum crime que de certeza não cometeu. Eram assim os tribunais e juízes fascistas.

Esta freguesia (e a maior parte de Barroso) ganhou direito à imortalidade através da documentação fotográfica “La Mémoire Blanche” de autores estrangeiros.”

 

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Para terminar, só um pequeno apontamento àquilo que transcrevemos do livro de “Montalegre”, nomeadamente no último parágrafo onde refere à « documentação fotográfica “la mémoire blanche” de dois autores estrangeiros.». Pois acho que tinha ficado bem dizer quem são esses autores, porque de facto o trabalho deles é marcante e impressionante merecedores de que conjuntamente com o seu trabalho “la mémoire blanche – Negrões” contem os seus nomes: Gérard Fourrel e Gilles Cervera, dois jovens Bretões que ficaram rendidos à beleza fria e dura do Barroso, com o contrates do branco que cobria as serras e montanhas e o negro da terras preta esgaravatada pelos barrosões.   

 

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Foto do livro Negrões - la mémoire blanche de Gérard Fourel/Gilles Cervera

 

 

Anteriores abordagens deste blog a aldeias ou temas do Barroso:

 

A Água - http://chaves.blogs.sapo.pt/o-barroso-aqui-tao-perto-a-agua-1371257

Gralhas - http://chaves.blogs.sapo.pt/o-barroso-aqui-tao-perto-gralhas-1374100

Meixedo - http://chaves.blogs.sapo.pt/o-barroso-aqui-tao-perto-meixedo-1377262

O colorido selvagem da primavera -  http://chaves.blogs.sapo.pt/o-barroso-aqui-tao-perto-o-colorido-1390557

Padornelos - http://chaves.blogs.sapo.pt/o-barroso-aqui-tao-perto-padornelos-1381152

Padroso - http://chaves.blogs.sapo.pt/o-barroso-aqui-tao-perto-padroso-1384428

Sendim -  http://chaves.blogs.sapo.pt/o-barroso-aqui-tao-perto-sendim-1387765

Solveira - http://chaves.blogs.sapo.pt/o-barroso-aqui-tao-perto-solveira-1364977

Stº André - http://chaves.blogs.sapo.pt/o-barroso-aqui-tao-perto-sto-andre-1368302

Vilar de Perdizes - http://chaves.blogs.sapo.pt/o-barroso-aqui-tao-perto-vilar-de-1360900

Vilar de Perdizes /Padre Fontes - http://chaves.blogs.sapo.pt/o-barroso-aqui-tao-perto-vilar-de-1358489

28
Mai16

Vilar de Nantes - Presente, tradição e o passado


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Vilar de Nantes, aldeia e freguesia

 

O prometido é devido e cá estamos nós com Vilar de Nantes, a aldeia atual, as tradições que se vão mantendo e um pequeno regresso ao passado não muito longínquo mas bem diferente dos tempos de hoje, muito graças à proximidade da cidade em que a freguesia ainda rural de outrora localizada nas faldas da Serra do Brunheiro,  cedeu para uma freguesia urbana de periferia, funcionando maioritariamente como um dormitório da cidade. Daí contrariar a tendência do despovoamento e envelhecimento da população de que a maioria das aldeias sofrem, sendo uma das freguesias mais populosas da cidade, a terceira mais populosa logo a seguir às freguesias urbanas de  Stª Maria Maior e Stª Cruz Trindade.

 

A tradição

 

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E se a freguesia de Vilar de Nantes cresceu, sobretudo com a construção de novos bairros (Traslar, Bairro de S.José, Lombo, Cruzeiro) com gente oriunda de outras freguesias, manteve nas suas duas aldeias (Nantes e Vilar de Nantes) os seus núcleos históricos com a sua gente de origem, a mesma que ainda vai dando continuação às tradições, sobretudo as que estão ligadas à religião e suas celebrações, como aconteceu há dois dias atrás com o Corpo de Deus e o enfeitar das ruas com passadeiras floridas.

 

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São dessas passadeiras floridas que hoje vamos dar conta, onde em cada rua ou largo fica a sua decoração por conta dos residentes nessas ruas e largos, cada uma a querer mostrar a sua arte numa rivalidade saudável de contribuir para o todo da celebração.

 

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São verdadeiras obras de arte feita de pétalas de flores da época em que o colorido vivo dos amarelos, laranjas  e vermelhos ou a brancura de outras contrastam  com os verdes escuros da folhagem. Um trabalho coletivo, comunitário de muitas horas de trabalho que vai desde a recolha das flores, a separação das pétalas, a feitura dos desenhos aquando na sua colocação no chão, a rega para as manter frescas e viçosas além de lhe dar um certo brilho, onde todos, ou quase todos, trabalham, desde as crianças, mulheres e homens.

 

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Uma arte efémera pois é realizada para durar apenas uns minutos, os suficientes para receber os passos da procissão que à sua passagem deixam as passadeiras coloridas desfeitas, mas gratificante para a fé de quem as faz e para que a tradição se cumpra como deve ser cumprida. Pela minha parte, um bem-haja para quem contribui para esta arte popular e tradicional.

 

Vilar de Nantes de ontem e de hoje

 

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1600-corpo-deus-16 (76)O mesmo local fotografado por Gerald Bloncourt,  50 anos depois

 

Embora há dois dias atrás a minha missão em Vilar de Nantes fosse de mais uma vez fazer o registo das passadeiras coloridas e procissão do Corpo de Deus, levava comigo uma segunda missão de confirmação. Mas explico melhor para melhor se entender. A fotografia além de poder ser uma arte é um precioso e valioso documento que nos pode oferecer em imagem a história dos lugares e de uma época, contribuindo assim para a própria História mas também um valioso documento de estudo para as ciências sociais, e aqui, vale mesmo aquela máxima de “vale mais uma imagem que mil palavras”.  Fotografar a nossa gente nem sempre é uma tarefa fácil, por várias razões, mas há uma que em princípio poderia ser uma vantagem para o fotógrafos que conhece e vive nas comunidades que fotografa que acaba por atraiçoá-los, pois o conhecimento dessa comunidade transforma-a também em banal.  Mas já quem nos visita e quem nos vê com os olhos de outra cultura, tem um modo diferente de olhar e captar pormenores preciosos, os mesmos que para nós são banais.

 

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O mesmo local fotografado por Gerald Bloncourt, 50 anos depois

 

Gérald Bloncourt um fotógrafo de origem haitiana dedicou-se nos anos 50 e 60 do século passado  a captar e registar momentos do povo português, principalmente a vida dos emigrantes portugueses em França.  Gérald Bloncourt regista  um quotidiano de vida difícil, até de  miséria nos "bidonvilles" (bairros de lata) que acompanhou ao longo de três décadas. Mas ao longo desse tempo veio também a Portugal, à origem desses mesmos emigrantes, focando-se, como é natural, nas terras do interior do Norte de Portugal, onde fez registos preciosos. Pois nos seus registos em Portugal, Gérald Bloncourt também passou por Chaves e por Vilar de Nantes. Da sua coleção deixo aqui hoje dois registos que o fotógrafo legendou como “Portugal 1966 – Região de Chaves”, mas que pelos dados que as fotografias nos oferecem tudo indicava serem de Vilar de Nantes. Foi precisamente o obter dessa certeza que me levou a mostrar estas fotos a naturais da aldeia que me confirmaram isso mesmo. Junto às fotos de 1966 estão as de hoje (de há dois dias), do mesmo local e mais ou menos do mesmo ângulo, precisamente 50 anos depois. As diferenças são notórias, aliás na segunda foto apenas um pequeno muro de pedra se mantém com  fontanário que estava junto ao antigo tanque. Na primeira foto, penso que só mesmo o bocadinho da Serra do Brunheiro se mantém mais ou menos igual.

 

 

27
Mai16

Discursos Sobre a Cidade - Por Gil Santos


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O PRETEXTO DO AGAPITO

 

O inverno de 1975/76 foi de rebimba o malho. Bravo e prolongado, começou com carambelo pelos Santos. Na Páscoa, ainda caía fulecra no Brunheiro. A festa da Ressurreição, naquele bendito ano de 76, foi temporã, aconteceu no penúltimo dia do mês de março. Um mau presságio, pois a Páscoa em março traz muita fome e muito mortaço! O povo também costuma dizer que, em anos escorreitos, os dias de março, de manhã têm cara de cão, à tarde cara de rainha e à noite cortam como uma foicinha! Mas o daquele ano contariava estes dizeres. De tal forma que muitos transmontanos, para que as cevas rendessem, engordaram-nas até março e só fizeram o serrabulho perto do final do mês, o que contraria o costume de as tchimpar entre o Natal e o Ano Novo, o mais tardar pelo Entrudo e nunca na Páscoa.

 

Além do mais, um mês de março normal costuma prenunciar o renovar da natureza morta pela invernia. Todavia, nem as primeiras folhas do carvalho negral espreitavam a montanha, nem as primaveras pintavam as várzeas de roxo vivo. O equinócio da primavera costumava significar esse virar de página, um tempo outro! Aliás, noutros anos, por esta maré, já as flausinas estavam fartas de berrar pelas touças:

 

– Ó cuquinho da ribeira, quantos anos me dás de solteira? – Mas nada disto acontecia na primavera de 76.

 

Todavia, de um dia para o outro chegou o verão. Abril tisnava a Veiga com inclemência. As vides, nas encostas de Anelhe, até se viam medrar e os lavradores temiam que um sincelo, a desatempo, lhas tolhesse e os deixasse na miséria. Vida difícil para os da rabiça. Andavam ao toque de caixa dos caprichos de uma natureza incerta e tantas vezes cruel! Nas poulas, as perdizes já faziam os ninhos e pelo final das águas mil, os perdigotos corriam como lebres atrás da mãe. Os láparos, que se safaram do chamorro, proliferavam, à tripa forra, roendo labrestos viçosos que despontavam por qualquer rincão. Era a natureza transmontana a despertar, com todo o vigor, dos longos meses de hibernação!

 

Tanto assim que, pela única vez, desde que me conheço, mergulhei na Galinheira no primeiro de maio. Neste dia do trabalhador, a febre dos cravos de abril mobilizou milhares de pessoas para uma manifestação no Arrabalde. Eu e a trupe estávamos mais interessados no rio e nos encantos da sua ourela. Amanhámos um pic-nic, catrapiscámos umas garinas e ala que se faz tarde!

 

Tempos de encantos mil, nas beiradas do Tâmega!...

 

Em maio desse ano, completava 19 primaveras, uma idade tenra, ainda sob o jugo dos livros e da escola. Nessa ocasião, como ainda hoje, gostava muito da pesca desportiva, pelo que aproveitava todo e qualquer momento para me fazer ao rio de cana e cacifo. Anzóis e sediela comprava-os nos Quadradinhos. O bicho-da-croça colhia-o na nascente do Ribelas, o camarão-do-rio um pouco acima da ponte Romana. As romisgas eram apanhadas à mão, nas águas correntes do regato, o camarão, nas bordas do rio com um camaroeiro. O bicho-do-sebo catava-o nas tripas de vaca que apodreciam, ao ar livre, no matadouro e eram pasto da varejeira. Era um martírio suportar aquele pivete, mas o vício era mais forte! Muitas vezes, sacrificava um gato vadio que pendurava, pelo rabo, na figueira do quintal. Punha um caçoulo a aparar as larvas que caiam limpinhas, metia-as no frigorífico, numa embalagem de margarina vazia. Madornavam, durando muito tempo e enviveciam com apenas cinco minutos ao sol. As minhocas do estrume - as da terra não prestavam - topava-as numa estrumeira ali para a Madalena que o Tero Bandeira, me ensinara. Depois, era só caminhar até à primeira presa, ou arranjar uma boleia para o ribeiro de S. Vicente na desova da boga, ou até à boca de água na albufeira dos Pisões. Na primeira presa apanhava barbos, nos Pisões, bogas e escalos, grandes como cavacos, mas com sabor à lama. À truta, em exclusivo, dediquei-me muito mais tarde, apenas quando experimentei as águas dos ribeiros do Gerês.

 

Ora, por esta altura, ter umas calças novas, para passear na sala de visitas do Jardim das Freiras, era qualquer coisa rara a que todos os moços novos aspiravam. E se fossem brancas e casassem com umas sapatilhas Sanjo e uma camisa Triple Marfel era o queijo! As sapatilhas e a camisa não consegui, mas, por mor de um dez a matemática, convenci a minha mãe a largar as lercas no Santiago por umas calças brancas de ganga que me ficavam mesmo a matar. Estou que lhe custaram os olhos da cara, mas não me quis dececionar e ofereceu-mas. Sabe Deus com que sacrifício o teria feito! Assim, podia ir para o Liceu, todo croncho, a botar figura! Talvez fosse a oportunidade de catrapiscar a Guida, uma colega que me andava a escapar há que tempos! Eu tinha quase a certeza que ela não haveria de resistir às calças e ao meu chame!

 

Tive razão!

 

Aquela moça mexia comigo e com muitos outros!

 

A Guida, como soi dizer-se, boa com’ó milho!

 

Cheguei a prometer-lhe um castelo, se um dia lho pudesse dar. Mas parece que nada surtia efeito. Dava-me ao desprezo, como a todos! Eu andava doido com aquela mania. Fazia de tudo para ter a sua atenção, mas nada resultava. Bem sei que eu era um pobre diabo! De meu apenas teria um razoável palmo de cara! Ela não, ela tinha tudo o que se sonhava numa mulher. Um sorriso límpido, um olhar felino e enigmático e um corpo de vespa. Usava calças justas, à boca de sino, que lhe desenhavam-lhe umas coxas roliças e um traseiro afeiçoado. Predicados de mistérios quase insondáveis! Ela era uma diva, tida, por quase todos, como inalcançável!

 

Apesar disso, nunca perdi a fé! Estava convicto de que faltaria apenas um clique que poderia, muito bem, passar pelas calças brancas. Eu topava que havia nela qualquer coisa que me alimentava a esperança. Hoje sei que estaria caidinha, contudo, aquela mania de se fazer difícil dominava-a, como a muitas outras. Manias de mulher!..

 

Viria o dia de pôr todos os trunfos em cima da mesa, o tempo do tudo ou nada, o vai ou racha!

 

O 23 de maio haveria de ser o tal.

 

O dia nasceu como devia ser, ensolarado e radiante. No ar, as andorinhas desenhavam arabescos atrás dos mosquitos, nos telhados, os pardais esfalfavam-se pelo cibo para os pardalecos. Os pólenes, há muito no ar, catalizavam as hormonas e punham tudo aos saltos!

 

Levantei-me cedo. Tomei banho. Amanhei a trunfa a secador. Com estilo, desenhei aquele vinco na risca que só os barbeiros sabiam fazer. Encharquei-me em Lavanda e botei as calças brancas, novinhas do trinque. Quando me mirei ao espelho do guarda-fatos, nem parecia eu! Estava um pimpão, irresistível! Tal figura não haveria de deixar indiferente a minha Guidinha – pensava eu!

 

A moça era da minha turma há vários anos. Naquele dia, tínhamos aulas toda a manhã e apenas uma ao início da tarde. Fiz por chegar atrasado ao primeiro tempo à aula de matemática da Isabel Viçoso. Quando entrei, fiz questão de a fixar nos olhos. Gostei da reação! Notei-lhe um brilhozinho inédito e entusiasmante! Durante a aula respondi, com sucesso inusitado, a duas ou três questões difíceis.

 

No intervalo, a sacripanta deu de frosques. Fez-se de Inês e passou o intervalo no bar.

 

Deixei dar!..

 

A seguir tivemos Filosofia, creio que com a Adília Verdelho. A aridez da aula sempre deu para ir trocando uns olhares com ela. À medida que a manhã avançava o gelo ia derretendo! De tal forma que a derradeira aula já aconteceu num oceano quase tropical! Aproveitei o último intervalo para atirar a matar:

 

– Ó Guidinha, depois da aula da tarde, queres beber um copo comigo nas Caldas?

 

Que sim, até porque tinha quase a certeza de que o almoço lhe cairia mal!..

 

Fiquei radiante! Aceitar ir para o Tabolado, o jardim dos namorados, era um sinal, inequívoco, de disponibilidade para as coisas do peito!

 

Estava no papo, porque, além do mais, eu confiava na minha lábia que já tantas provas tinha dado!

 

Fui a casa, engoli o bocado o mais depressa que pude e à horinha estava na aula de Física. Finda a lição, que não ouvi, a Guida cumpriu o que prometera e acompanhou-me ao Tabolado.

 

Pelo caminho fui-lhe contando a história do ceguinho. Todavia, reservei a parte em que o cego passa a ver, como um ás de trunfo.

 

Nas idílicas margens do meu Tâmega, eu não caminhava, flutuava!

 

Corria tudo às mil maravilhas, de avanço em avanço! Primeiro, a mão dada, depois, o braço por cima, a seguir, um beijo seco, quase roubado, prenúncio de outros horizontes!..

 

Joguei a bisca de trunfo:

 

– Ó Guida, conheces o moinho do Agapito?

 

Que não, que nunca ouvira falar.

 

– Então, queres conhecê-lo?

 

Que sim.

 

As margens do Tâmega, por esta ocasião, estavam qualificadas somente na sua margem direita, desde a Ponte Romana até à Nova. Na margem esquerda, da Ponte Carmona até ao Moinho do Agapito, havia apenas uma rodeira entre os amieiros da beira rio e as vinhas, os centeios e os batatais da Veiga.

 

Atravessámos a ponte, descemos a escaleiras de pedra e tomámos o carreirão na margem esquerda. Penetrámos numa espécia de paraíso, num mundo isolado, tentador, onde não passava vivalma! Um contexto dado aos amores e às paixões viris!

 

Sentia-me um herói, por ter sido capaz de levar a Guida para o rio! Ai quando a malta soubesse!..

 

Quisemos lá saber do moinho do Agapito, ou do que fosse, o sangue fervia na guelra e na primeira ferrã que nos cobrisse, rebolámos como loucos! Acabámos com o centeio assobalhado, mas felizes.

 

Dali por diante haveríamos de ser namorados a sério!

 

Quando vim a mim e olhei para as calças, petrifiquei! Estavam numa lástima. Meu Deus, que desculpa arranjaria para aquela desgraça?

 

Levei a dama ao Postigo e procurei, o mais depressa que pude, uma lata de sardinhas vazia. Fui à Madalena e enchi-a de minhocas do esterco.

 

Chegado a casa expliquei que tencionava ir à pesca no fim de semana e que fui às minhocas. Que escorreguei e caí!

 

Não levei nos queixos porque já tinha barba!..

 

As calças nunca mais o foram, mas valeu a pena perdê-las, uma vez que ganhei uma namorada que só perdi quando outro amor maior desabrochou!

 

Coisas da beira Tâmega!

 

Gil Santos

 

 

27
Mai16

Chaves, Corpo de Deus


1600-corpo-deus-16 (17)

Pois é, o dia de ontem foi para andar à caça de imagens, primeiro em Vilar de Nantes, depois na cidade (de Chaves, claro!), o motivo - O Corpo de Deus. Quero com isto dizer que o tempo não dá para tudo e que ficou a perder foi o blog, pois só consegui trazer aqui uma imagem, para já. Quanto a Vilar de Nantes, fica prometido para amanhã, que será a nossa aldeia convidada, com Corpo de Deus, bem florido como manda a tradição e mais algumas imagens. Quanto ao Corpo de Deus da cidade, pode ser que ainda hoje consiga meter mais algumas imagens. E já que estamos nesta maré, o "Discurso sobre a cidade" do Gil Santos que vem já a seguir, também merecia umas imagens, que ficam prometidas para mais tarde, mas para já seguirá também sem imagens. Eu bem digo que os dias deveriam ter 28 horas, pois todos os dias me faltam 4 horas para conseguir fazer tudo que necessitava...

 

Até já com o "Discurso" do Gil Santos.

 

 

26
Mai16

Flavienses por outras terras - Adoindo Poça


Banner Flavienses por outras terras

 

Adoindo Poça

 

Nesta crónica do espaço “Flavienses por outras terras” vamos até ao Canadá, um país imenso que se estende desde o Oceano Atlântico, a leste, até ao Oceano Pacífico, a oeste, e cuja fronteira com os Estados Unidos é a mais longa fronteira terrestre do mundo.

 

É lá que vamos encontrar o Adoindo Poça.

 

Mapa Google + foto - Adoindo Poça.png

 

Nos tempos de estudante, em Chaves, que escolas frequentou?

Frequentei a Escola Primária do Caneiro e a antiga Escola Comercial.

 

Em que ano e por que motivo saiu de Chaves?

Saí em 1979, em busca de melhores condições de vida.

 

Em que locais já viveu ou trabalhou?

Em Chaves e no Canadá.

 

Diga-nos duas recordações dos tempos passados em Chaves:

As idas às verbenas, no jardim público, e as caminhadas durante a noite para o São Caetano.

 

Proponha duas sugestões para um turista de visita a Chaves:

Provar os Pastéis de Chaves e toda a nossa gastronomia, visitar as Caldas e o Castelo.

 

Estando longe de Chaves, do que é que sente mais saudades?

Saudades do tempo de criança, quando todos se conheciam e as portas de casa ficavam abertas, pois todos confiavam uns nos outros.

 

Com que frequência regressa a Chaves?

Ultimamente, todos os anos.

 

Gostaria de voltar para Chaves para viver?

Sim, gostaria, mas não é possível, pois não existem os cuidados médicos que na minha idade são precisos.

 

 

 

O espaço “Flavienses por outras terras” é feito por todos aqueles que um dia deixaram a sua cidade para prosseguir vida noutras terras, mas que não esqueceram as suas raízes.

 

Se está interessado em apresentar o seu testemunho ou contar a sua história envie um e-mail para flavienses@outlook.pt e será contactado.

 

Rostos até Adoindo Poça.png

 

 

 

25
Mai16

Chá de Urze com Flores de Torga - 132


1600-torga

 

Tourém, Barroso, 2 de Setembro de 1990

 

LIMITE

 

Pátria até que os meus pés

Se magoem no chão.

Até que o coração

Bata descompassado.

Até que eu não entenda

A voz livre do vento

E o silêncio tolhido

Das penedias.

Até que a minha sede

Não reconheça fontes.

Até que seja outro

E para outros

O aceno ancestral dos horizontes.

 

Miguel Torga, In Diário XVI

 

1600-tourem-360-486

Tourém (composição com duas imagens)

 

Travassos do Rio, Montalegre, 29 de Agosto de 1991

 

Notabiliza este lugar um baixo-relevo na torre sineira a figurar a cabeça de um toiro, que foi campeão invencível nas turras do seu tempo e os habitantes, ufanos de tanta valentia, quiseram perpetuar.

 

Vou rememorando: Cornos das Alturas, Cornos da Fonte Fria, Tourém, Toural, Pitões.

 

Era assim antanho. Por todo o lado a mesma obsessão a tutelar as consciências. O mal é que o povo, em meia dúzia de anos, deixou apagar nos olhos a imagem viril, e perdeu a identidade. O Barroso de hoje é uma caricatura. Sem força testicular, fala francês, bebe coca-cola, deixo de comer o pão e centeio do forno comunitário, assiste a chegas comerciais, em campos de futebol, com bilhetes pagos e animais alugados. É um nédio boi capado.

 

Miguel Torga, In Diário XVI

 

 

25
Mai16

Ocasionais - A condessa de S.Julião da Várzea


ocasionais

 

A condessa de S. Julião da Várzea

 

 

Andava descalça.

 

Não por penitência. Mas porque lhe faltava a sandália nazarena onde lhe coubesse o pé.

 

Desde garota que aprendeu a meter a mão … e o bedelho.

 

E a bordar insinuações.

 

Tinha jeito para a mentira.

 

Mais jeito para a falsidade.

 

Aprimorou-o para a imposturice.

 

Tanto andou por varas (de porcos), por cáfilas (de camelos), por ninhadas (de pavões); com corja (de velhacos), com choldra (de malfeitores), com cambada (de malandros), com farândola (de vadios), com horda (de moinantes) que se especializou na falta de vergonha, no descaramento, na desfaçatez!

 

Com tanto traquejo, até soube aproveitar para entrar na roda (de pessoas) e aproximar-se de uma plêiade (de poetas e de artistas).

 

Foi junto do padre, prometeu-lhe beatas.

 

Do banqueiro, depósitos.

 

Do empreiteiro, obras.

 

Do comerciante, encomendas.

 

Do contribuinte, isenção de impostos.

 

Do taberneiro, borrachos.

 

Do moleiro, maquias.

 

Do polícia, a cova dos ladrões.

 

Do político, votos.

 

O Clube de Futebol, da sua Freguesia, subiu do escalão Regional para o Distrital. Nunca assistiu a um jogo, nunca pagou Quota. No dia da vitória, ei-la, a “condessa de S. Julião da Várzea”, radiosa e contente, a gritar, no meio da multidão, mas estrategicamente ora ao lado do presidente do Clube, ora do da Junta, ora do treinador:

 

- “Vitória! Vitória!” – “Ganhámos!”.

 

E fica toda derretida porque cem olhos caíram sobre si.

 

Haja procissão.

 

Ei-la bem enfeitada, e com o ar mais solene e beatífico, junto ao pálio.

 

Haja um Jantar de celebração ou uma Ceia de beneficência: a arte e o engenho sobram-lhe para se fazer convidada. Depois de se certificar, pelo canto do olho, de que a conta está paga, levanta-se da mesa, caminha com cerimónia, para na Caixa, e pergunta pomposamente:

 

- “Quanto se deve”?

 

A “condessa de S. Julião da Várzea” desce a Rua pela esquerda; sobe na vida pela Direita!

 

Não tardará a hora em que a “condessa de S. Julião da Várzea” se dará conta de caminhar na lama com pés descalços!

 

Convenceu-se ter sido, em «vidas passadas», uma prima afastada, mas muito chegada, de Madame Pompadour.

 

Soube do apoio que esta deu a Diderot para elaborar a “Enciclopédia”, e a outros artistas.

 

Bem tenta imitá-la.

 

Como não é capaz de criatividade pictórica para o «barro de Nantes», candidatou-se à peregrinação para os «escritos da Ponte», confundindo-os com hieróglifos de «ogham goidélico».

 

Diz, para quem tem pachorra de a ouvir, que depois dela, depois de um dia se despedir de S. Julião da Várzea, acontecerá o Dilúvio!

 

E o «pavão de Castelões», ou algum dos seus «lalões» herdeiro, nesse dia de sol ou de névoa, de chuva ou de neve acenar-lhe-á, e dirá cinicamente:

 

- A “condessa de S. Julião da Várzea” não terá bom tempo para a sua viagem ao Tártaro”!

 

M., quinze de Maio de 2016

Luís Henrique Fernandes

 

 

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