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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

05
Abr17

Cartas ao Comendador


cartas-comenda

 

Meu caro Comendador (19)

 

Estou melhor sim, se bem que em mim, o senhor conhece-me, estas afirmações do “melhor” são sempre polémicas: Melhor em relação a quê? Ao dia de ontem, ao de anteontem, ao ano passado? Mas, regressando à sua pergunta, ainda não consigo chorar, se bem que o mecanismo de formação das lágrimas esteja agora claramente desobstruído. Os olhos já conseguem humedecer-se perante alguma emoção e já se conseguiu formar aquilo a que eu chamaria um início de lágrima, uma lágrima bebé, que só não se desprendeu e rolou livremente pela face por uma questão de tensão superficial. Sabe como são estas questões da física, acabou por ser reabsorvida! Mas deu para perceber que tendo dado início ao fenómeno, numa situação mais emotiva, talvez mais íntima ou relacionada comigo, acabará por acontecer. Não digo que esteja curado relativamente a isso, sabe que nestas coisas da alma, eu não me precipito. Mas começo a ter ideias. Hoje mesmo, acordei com uma fantástica que lhe vou contar.

 

Após estes anos todos, pensei em regressar ao teatro! Verdade. Reunir um grupo de amigos e voltar ao palco. Os textos seriam escritos por mim, obviamente. E digo obviamente, não porque reconheça, sem dúvida, que escreva bem ou tenha talento, mas porque a motivação da ideia é essa mesma: a minha necessidade das coisas que tenho para dizer.

 

O difícil será reunir os antigos amigos, porque ao longo destes anos já todos eles arranjaram outros empregos, correctamente dizendo, arranjaram empregos, pois que aquilo que nós tínhamos era mais uma actividade que um emprego!

 

O senhor estaria disposto a contracenar comigo? Não se ria, tenho que começar por algum lado e em nome da amizade que temos, é por si que tenho de começar. Há tantos temas que tenho na cabeça! Gostava de lhe expor alguns e que me ajudasse a escolher os melhores. Multiplicam-se na minha cabeça, como se estivessem latentes durante anos ou hibernados e de repente, com o chegar da Primavera, começassem todos a germinar.

 

Hoje mesmo, enquanto tomava banho, um banho prolongado, comecei a pensar o que aconteceria, como reagiria eu, se de repente a alma me saísse por um dos orifícios naturais do corpo e se encaminhasse, arrastada pela água, para o ralo da banheira!

 

Questionava-me então sobre qual seria a minha reacção: se instintivamente levaria o pé a tapar o ralo para a não deixar fugir ou se, ao contrário, me manteria calmamente estático, imóvel, deixando-a ir, vendo nisso a oportunidade única de arranjar uma alma nova!

 

Foi então que comecei a pensar seriamente sobre isso. Se seria possível com a consciência construir, ou elaborar se preferir, uma verdadeira alma nova! E a resposta veio-me em segundos. Eu não precisava de fazer absolutamente nada, a consciência, de forma autónoma e à medida da sua necessidade, ou da minha, perante as situações que encontrasse no seu dia-a-dia iria construir uma alma completamente nova e outra, a que o meu corpo apenas daria guarida, como se dá a um hóspede a quem se alberga numa noite fria em véspera de Natal e a quem se não pode dizer não, porque o nosso coração não deixa.

Que acha da ideia, parece-lhe ridícula ou, ao contrário, ela faz-lhe algum sentido e não o choca nem por um segundo?

 

Para ser honesto, como sempre sou consigo e com o resto do planeta, a sua carta não me surpreendeu nem por um instante. Às vezes, ideia maluca, parece-me que eu e o senhor fazemos ambos parte de um mesmo ser!

 

Terá de concordar comigo que as nossas divergências não são muitas. Aqui e ali uma ou outra aresta por limar, mas no fundamental a gente entende-se. Há até alturas em que o senhor percebe melhor o que eu digo do que eu próprio, quer dizer, consegue dar forma às minhas palavras, ao meu pensamento e é por isso que a ideia da peça de teatro não me sai da cabeça. E foi para mim tranquilizador a forma positiva como a acolheu e as ideias que me deu. Genial! Não esperava outra coisa de si, tenho de lho dizer.

 

Não, não se preocupe com o guarda-roupa. De acordo com o contexto escolhido, será todo desenhado por mim. A sua elaboração será da minha inteira responsabilidade. Conheço a pessoa certa para transformar as minhas ideias e desenhos em realidade. É uma pessoa com iniciativa, capaz de acrescentar palmo e meio às ideias traçadas, vive o que faz, nada mais do que isto é necessário para que as coisas tenham sucesso.

 

A dificuldade maior está em arranjar personagens, os actores, mas é cedo ainda para pensarmos nisto! Primeiro eu tenho de lhe apresentar os textos e em função deles e da sua escolha pensamos depois nas pessoas adequadas a eles, que lhe parece?

Têm de ser naturais, não podemos vestir uma maça de limão, apesar da cor ser a mesma, não chega. Sabe como eu sou em relação aos pormenores. Nada pode falhar, o mínimo seria para mim um desastre. O senhor é na mesma, por isso compreende-me bem.

 

Também temos de pensar na sala, lembrou bem. O senhor tem a mesma tendência que eu: começar pelo fim! É uma forma de fazer as coisas, às vezes o fim “condiciona” o princípio. Condiciona no sentido de poder ser uma ajuda ao desenrolar da acção. Mas, concordará comigo, é a acção em si que, primordialmente, condicionará o resto e dou-lhe um exemplo: se precisar-mos de um céu, a sala terá de ser ao ar livre!

 

Tem razão, podemos pintar o tecto da sala de azul e desenhar-lhe umas nuvens, colocar-lhe até um Sol em cartão. Sim, peço desculpa. No teatro, o inverosímil é possível. Às vezes esqueço-me, vivo tanto o teatro, sinto-o tanto que penso que estou na vida e que a sala de espectáculos não é senão a realidade em que vivemos! Ainda não vivi o suficiente para distinguir os palcos! Perdoe-me a imaturidade. Tenho consciência dela, nem tudo está perdido! Ria-se! Ria-se à vontade! Eu também me rio!

 

Sim, ficará para mais tarde essa decisão, hoje já não são horas.

 

Com a amizade de sempre,

 

José Francisco

 

 

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