De regresso à cidade
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Milhões de europeus e, logo então, povos do mundo inteiro, falidos, esfomeados, enfraquecidos, sem carvão ou eletricidade para aquecer os cómodos das habitações, tornaram-se cobaias para a grande experiência dos deuses, eternamente insatisfeitos com a Humanidade que os criou.
Depois da guerra e da fome, mais um cavaleiro do Ómega se pôs a cavalgar, do Báltico ao Mediterrâneo, a espalhar uma peste que chamavam erroneamente de “espanhola”, mas era mais apropriado nomear de Pneumónica. O germe terrível, de grande poder patogénico, como um general de grandes táticas e espertíssimas estratégias, multiplicou-se pelos infelizes hospedeiros e disseminou sua influenza por todo o continente, como lavas de um vulcão a cuspir febre, tosse e catarro. A se aproveitar dos fracassos e impotências de grande parte da comunidade europeia, recém-saída do sanguinolento fratricídio, pôs-se a acabar o serviço que as contendas bélicas começaram e entregou à Grande Ceifeira mais alguns milhões de vidas. Sedenta de cadáveres, não se contentou em gerar uma simples onda epidémica. O mal acabou por se espraiar, como a mais destrutiva pandemia da História, pelos mares – já agora bastante navegados – da América, África, Ásia e Oceânia.
Não se conhece, com exatidão, a origem dessa pandemia (1918-1919). Na verdade, os primeiros casos notificados ocorreram em abril de 1918, entre as tropas francesas, britânicas e americanas estacionadas em portos de embarque da França. Em maio chegou à Espanha. Foi designada de “gripe espanhola”, porque as primeiras notícias mundiais, sobre os acometidos por esse tipo de peste, vieram do país ibérico, o qual não participara da Guerra, mas estava a contabilizar um número alarmante de civis que adoeciam e morriam com os sintomas da Pneumónica.
As dores de cabeça, a febre e a falta de ar eram muito graves e, em poucos dias, o doente morria incapaz de respirar, com os pulmões cheios de líquido, como assim descreveu um médico norte-americano: A doença começa como o tipo comum de gripe, mas os doentes desenvolvem rapidamente o tipo mais viscoso de pneumonia jamais visto. Duas horas após darem entrada no hospital, têm manchas castanho-avermelhadas nas maçãs do rosto e, algumas horas mais tarde, pode-se perceber a cianose a se estender por toda a face, a partir das orelhas, até que se torna difícil distinguir o homem negro do branco. A morte chega em poucas horas e acontece simplesmente como uma falta de ar, até que morrem sufocados. (…) Ver esses pobres diabos sendo abatidos como moscas, deixa qualquer um exasperado”.
Causada por uma virulência incomum e frequentemente mortal de uma estirpe do vírus Influenza A, subtipo H1N1, tornou enfermos cerca de um bilhão de pessoas, metade da população do mundo na época. Cerca de vinte a quarenta milhões não resistiram, tornando-se uma das mais impressionantes estatísticas de óbito da História. Tão somente na Índia, em apenas alguns meses, ao último trimestre do ano de 1918, foram mais de doze milhões de mortes.
Tinha-se medo de sair às ruas. Estabelecimentos como bancos, casas comerciais, repartições públicas, teatros, bares, cinematógrafos e tantos outros fechavam as portas, por falta de clientes e de funcionários. As pessoas do povo ficavam a recomendar pitadas de tabaco e queima de alfazema ou incenso, para evitar a contaminação e desinfetar o ar. Até o sal de quinino, remédio usado no tratamento da maleita, passou a ter uso generalizado, mesmo sem qualquer comprovação científica de sua eficácia contra o vírus letal.
Nenhuma das calamidades recentes chegara aos pés da moléstia reinante e, quanto mais avançava a pandemia, instalava-se um pânico geral, pois, como disse à época, no Brasil, o historiador Pedro Nava: “Aterrava a velocidade do contágio e o número de pessoas que estavam sendo acometidas”. (...) “O terrível não era o número de casualidades, mas não haver quem fabricasse caixões, quem os levasse ao cemitério, quem abrisse covas e enterrasse os mortos. O espantoso já não era a quantidade de doentes, mas o facto de estarem quase todos doentes, a impossibilidade de ajudar, tratar, transportar comida, vender gêneros, aviar receitas, exercer, em suma, os misteres indispensáveis à vida coletiva”.
As pessoas imunes eram vistas como se fossem um milagre divino. Ao mesmo tempo, a todos os dominados pela fé inabalável na Virgem Maria (e que eram, então, a maioria em Portugal), mas desprovidos de certos conhecimentos científicos, já existentes àquela altura, parecia que vinham a se cumprir as profecias de Fátima e, portanto, já estar a chegar o Apocalipse...
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Esta foto maravilhosa é uma lição de história. Par...
Obrigado por este trabalho que fez da minha aldeia...
Rua Verde a rua da familia Xanato!!!!
Obrigado pela gentileza. Forte abraço.João Madurei...
Boa crónica.