Aveleda, o mito dos três efes, o Papa, o Benfica e Salvador Sobral
Não podia deixar de cumprir a promessa de trazer aqui mais uma das nossas aldeias, como acontece todos os sábados, e só o faço agora, no final da noite, por fortes razões que tem a ver com o ego, não o meu em particular, mas o meu ego de ser português HOJE, sem qualquer necessidade de fazer renascer o passado de há 500 anos, sem necessidade de recorrer ao Camões, sem necessidade de fantasmas e esperanças sebastianistas. Valemos apenas por aquilo que somos hoje e valemos muito, começa a ser tempo de acreditarmos em nós, na nossa língua, naquilo que é nosso e, que ninguém duvide que temos daquilo que é melhor, e hoje, Portugal em várias frentes, demonstrou-o, tanto, que se fosse eu quem mandasse, fazia deste dia, o 13 de maio, um dia de feriado nacional.
Sim, este dia 13 de maio já faz parte da história de Portugal, escrita com a pena do orgulho português em que faz renascer o mito dos três efes – Fátima, Futebol e Fado – mas ao contrário de areia para os olhos, como antigamente acontecia, hoje foi, é, por justa causa, com três efes merecidos porque conquistados por nós, com a grandeza da nossa humildade.
Hoje o Papa Francisco esteve em Fátima para canonizar os seus dois pastorinhos Francisco e Jacinta, tornando cada vez mais oficial aquilo que já era oficial na fé de muitos, as aparições de Fátima, e mesmo que não se acredite, ninguém pode duvidar da fé de quem acredita, e este triplo efe de Francisco, Fátima e Fé, cada vez mais reforçam o Santuário de Fátima como um Santuário de peregrinação mundial.
O segundo F, o do Futebol também se consagrou hoje com a vitória do campeonato pelo Benfica, reforçando assim o nome que o Benfica tem a nível nacional e internacional. Mas o segundo F do Futebol, hoje em dia marca ponto em todo o mundo e se outrora houve um Eusébio que se escrevia internacionalmente, hoje em dia temos um montão de jogadores de craveira internacional entre os melhores do mundo, além de termos mesmo o melhor do mundo que dá pelo nome de Cristiano Ronaldo, mas também nos treinadores que exportamos, Portugal está nos melhores do mundo, ou a julgar pelo número de portugueses com essa função, somos mesmo os melhores do mundo. Pelo menos, o F do Futebol cumpre-se aos sermos os atuais Campeões da Europa
O terceiro F de Fado já recebeu a sua consagração como património imaterial da humanidade, porque é único, porque é nosso, porque se canta em português, mas no dia de hoje também ficou para a história com outro “fado”, o da música portuguesa, cantada em português por Salvador Sobral ao ficar em primeiro lugar no Festival da Eurovisão, sem qualquer margem de dúvidas, com a maioria destacada dos votos do Júri e do Público europeu. Portugal venceu o Festival da Eurovisão porque acreditou naquilo que era nosso, nas nossas palavras e poesia, nas nossas melodias e música e na nossa língua portuguesa.
Sem acreditar no destino, quis o destino que isto tudo acontecesse num único só dia e no mesmo dia 13 de maio, mas isto é apenas um pequeno exemplo da nossa grandeza, só há que acreditar e tal como acontece em Fátima, termos fé que conseguimos, que somos grandes e que em muita coisa temos aquilo que é melhor no mundo, principalmente naquilo que faz parte da nossa cultura e do sermos portugueses. O único problema, o nosso problema, é não acreditarmos naquilo que temos e pior que isso, desprezarmos aquilo que temos de melhor, de genuíno, aquilo que faz de nós portugueses e Portugal, que mais depressa embarca na fácil sedução dos interesses da globalização e da aculturação que nos interesses daquilo que é nosso e que faz de nós grandes com aquilo que nós somos, com a nossa cultura.
Todo este discurso pode parecer desapropriado nesta rubrica dedicada às nossas aldeias, mas não o é, antes pelo contrário, pois as nossas aldeias, a vida das nossas aldeias, o espirito comunitário, saberes e sabores rurais, fazem parte da nossa cultura, da cultura rural portuguesa que está a morrer lentamente sem ninguém que lhe deite uma mão. A tudo continuar assim, com este desprezo pelo mundo rural, Portugal num futuro próximo vai arrepender-se, vai perder parte da sua cultura mais genuína, vai tornar-se igual a tantos iguais, vai tornar-se desinteressante, vamos deixar de sermos nós.
Ainda ontem fizemos mais uma incursão no Barroso, mais propriamente no Baixo Barroso para recolher imagens de mais algumas aldeias e abordámos uma que nos tinha dito estar completamente despovoada, e assim nos pareceu quando nela entrámos, mas no entretanto vimos uma figura humana que desde logo abordámos com um “ e pensávamos nós que já não havia aqui ninguém” e a resposta foi num “mau” português de quem não é de cá, como de facto assim era, um casal de holandeses com um filho ainda criança, há quatro anos encantou-se pela aldeia e por lá ficou a criar cavalos e a receber pequenos grupos de holandeses para passarem lá uns dias, tendo como mais valia uma paisagem incrível, um clima generoso e uma albufeira por perto. Talvez esta seja uma solução para as nossas aldeias mais típicas, uma má solução por sinal. Certo que talvez contribuam para o não despovoamento dessa aldeia, inclusive até são respeitadores pela tipicidade da aldeia, adaptando-se e valorizando as condições existentes sem as alterarem e até lhes temos de estar reconhecidos e agradecidos por fazerem daquela aldeia a sua nova terra, nova casa, novo lar, mas é a cultura deles que trazem com eles e a nossa, morreu, com o último habitante que lá nasceu e a abandonou.
Hoje fala-se muito em empreendedorismo como uma solução do nosso Portugal. Claro que este empreendedorismo também se aponta como solução para o interior de Portugal e para as nossas aldeias, e verdade se diga, pessoalmente também concordo, mas empreendedorismo sim, com respeito por aquilo que existe, respeito pela cultural dos lugares, respeito pelos saberes, sabores e tradições desses lugares, e não o dito empreendedorismo que se está a tentar fomentar e a implementar por aí, falseando a nossa cultura dando-lhe um rótulo de origem genuína por ser feito por gente da terra – Pura mentira e falseamento daquilo que era genuíno. Tomemos como exemplo a maioria do fumeiro que hoje se faz por aí, em cozinhas certificadas, e inunda as nossas feiras do fumeiro, com fumeiro certificado, onde até se vão cumprindo as formas artesanais de o fazer, já nem tanto o de o curar, com as ditas cozinhas a funcionar nas nossas aldeias e gente da aldeia a fazer o fumeiro. Tudo igual ao de antigamente à exceção do reco que é feito em “estufa” à base de ração e outras coisas mais que se calha nem sequer imaginamos, sem as coisinhas boas da horta e o carinho dos tratadores. No produto final, lá temos a chouriça igualmente fumada e até o presunto que igualmente passou pela salgadeira e foi curado pelos processos tradicionais, com bom aspeto e o mesmo cheiro a fumo, mas que não enganam que andou muitos anos a comer fumeiro e presuntos genuínos de recos mesmo recos criados na corte lá de casa.
Se respeitarmos os nossos saberes, sabores, tradições e cultura, seremos grandes e vencedores como o fomos hoje em três frentes nos três efes, caso contrário não passaremos de medíocres e aldrabões que mais não fazemos que contribuir para a nossa aniquilação e a aniquilação daquilo que é bom e faz a nossa grandeza. Por vezes vale a pena acreditar em impossíveis, tal como aconteceu hoje com o Salvador Sobral, pois toda a gente dizia por aí que a nossa canção era linda mas não era festivaleira para um festival como o da Eurovisão, e ganhou-o.
E termino com a última quadra do poema infante de Fernando Pessoa:
Quem te sagrou criou-te português,
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal.
Pois cumpra-se Portugal com aquilo que temos, com aquilo que é verdadeiramente nosso!
E viva o 13 de maio de 2017 e viva PORTUGAL!
E com esta me vou, se calha sem tempo para amanhã trazer aqui uma aldeia do Barroso, mas veremos aquilo que se pode arranjar.