Cidade de Chaves - Um olhar com rio e Madalena
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Apesar de tudo, foram dias felizes para todos, sem uns e outros ao menos se queixarem do tempo, ora fresco, ora mais frio do que se havia de gostar, nem dos ventos que pareciam cortar a face. Os miúdos aproveitavam as poucas horas em que o benfazejo Sol vinha dizer bons-dias e se espalhavam pelos quatro cantos da quinta. Por ali, por acolá, encantavam-se com as árvores, os galhos baixos em que se deixavam ficar, as hortaliças cobertas com toldos negros por causa do frio, os leitõezinhos em seu curral, as vaquinhas leiteiras e seus novilhos no estábulo, os cavalos de carroça a comerem suas rações de feno, todo um universo em sua mais plena quietude.
Nesses poucos e preciosos momentos ensolarados, punham-se a brincar, com os filhos do caseiro, o Jogo das Escondidelas. Para sortear quem deveria procurar os demais, valiam-se de versinhos, a um modo ritmado e monossilábico, tocando uma sílaba ao peito de cada um dos brincantes, até finalizar no que seria, então, o escolhido – “Sete e sete são catorze / com mais sete, vinte e um / tenho sete namorados / mas não caso com nenhum!” – e estes – “Menino Jesus / passou por aqui / escolheu-te / a ti! “– ou ainda – “Mariazinha / fez xixi na panelinha / foi dizer à sua vizinha / que era caldo de galinha!” – e outros – “Pim, pom, pum, / cada bala mata um, / dá de comer á galinha / e ao peru / Quem te salva és tu. “ – mais, ainda – “Fui à caixa das bolachas / comi uma, comi duas, / comi muitas, até dez / olha o burro que tu és. “ – ou estes, mais – “O José foi à horta / encontrou uma cabra morta / O José pôs o pé / A cabrinha fez mé, mé.”
O que a todos mais atraía, ao termo sul do quinteiro, era um pequeno canastro de uma pedra só, a moldar uma casita com telhado, que mais parecia a escultura de um templo de dois andares, portas e janelas, mas cujas dimensões não iam muito além de um metro e meio. As extremidades da cumeeira eram encimadas por uma cruz e um relógio de sol. Comuns em toda a região, canastros monolíticos como esse vinham de muitos séculos que já lá se foram e era considerado um verdadeiro milagre ainda estarem assim, tão escapadiços das erosões do Tempo.
Aurora e Afonso espantavam o tédio a cuidar de uma estufa na qual, outrora, Mamã estivera a tratar de orquídeas que trouxera da Amazónia e, agora, servia para proteger as flores e hortaliças, para as quais fosse hostil o duro inverno. Aldenora havia trazido livros às mancheias, de sorte que, muitas vezes, a viajar pelos países do sonho e da ficção, só voltava para o mundo real à hora das necessidades básicas de todo ser vivente, como o sono, as refeições e os cuidados da higiene.
À tardinha, as meninas se pegavam a bordar e tricotar, ao lado de Florinda e a cavaquear sobre os sítios e gentes que lá ficaram, entre a veiga e o Brunheiro. Após a ceia, aquecidos ao pé da lareira, ficavam todos a ouvir as histórias e lendas da região, sobre mouras encantadas, homens que se transformam em lobos, bruxas que voam e outras narrativas fantásticas, contadas por Zefa de Pitões ou Crispina Bobadela, a mulher do caseiro.
Ainda estava bem longe a primavera.
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Obrigado pela gentileza. Forte abraço.João Madurei...
Boa crónica.
Parabéns!Revivi o que já não via há muito tempo......
Linda fotografia.E aqui está bastante frio, também...
Bom pensamento.Mas é mesmo assim e espanta que a n...