Nós, os homens
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As melhoras da morte, traiçoeira, já todos ouvimos falar!
Era uma no cravo e outra na ferradura! A menina continuou no mesmo registo e eu continuei a aguentar aquilo até ao dia em que me passei completamente da cabeça! Era previsível, aquilo era uma bomba-relógio desde o início, um aneurisma, podia rebentar a qualquer momento e quando rebentasse era fatal.
Um homem não é de pau! Fartei-me de ser o segundo plano, o brinquedo nas mãos da menina, o boneco, a marioneta, o palhaço de serviço.
Disse-lho, em bom português, para que não houvesse dúvidas! E a menina reagiu da pior maneira: não reagindo, dizendo que o silêncio era uma resposta!
Como?! Eu não tinha nada contra a senhora sua mãe, que ela nunca me tinha apresentado porque isso fazia parte da sua intimidade a que eu nunca tive direito a ter acesso, e por isso não a pude mandar para a dita que a pariu. Também não a pude mandar pecar, não fosse ela, geniosa como era, pôr-me logo nessa noite o par dos tais que fazem comichão na testa de qualquer homem!
A única palavra que me saiu a seco, pois que tinha engolido toda a minha saliva, foi: Não!
Pouco mais do que isso acrescentou. Dejá vue, a cena repetiu-se. Reagiu como se eu a tivesse ofendido, exactamente como da outra vez e o motivo era o mesmo. Eu pedia-lhe mais tempo para estar com ela e ela entendia aquilo como se eu a estivesse a insultar. Mas que cena era esta?
Burro como sou, ou não tão inteligente como ela, só percebi à segunda: arrogância, pura e simples!
A menina achava-se perfeita e não aceitava que ninguém fizesse o menor reparo ao seu comportamento pois que ela era intocável. Pior do que isso, eu tê-lo feito levantando ligeiramente a voz foi considerado pelo seu ego como uma afronta. Quem é que eu pensava que era? Não se atreveu a perguntar, mas lia-se perfeitamente nos seus olhos. A reacção foi tão desajustada, tão desproporcionada, que rondou os contornos do ridículo! Não fosse eu o visado e tinha-me rido à gargalhada!
Quando percebi, depois de várias tentativas falhadas, que o seu orgulho ferido nunca iria perceber o que eu lhe tentei dizer, decidi pedir-lhe desculpa. Fi-lo várias vezes e ela nunca me respondeu.
Como o silêncio para mim não é uma resposta, obriguei-a, ou implorei-lhe não sei muito bem, a dizer-me: acabou, para que eu finalmente percebesse como é que era o meu dia seguinte, porque nem esse respeito eu lhe mereci, de ela o dizer voluntariamente!
Se não fosse assim, parvo como sou, ainda hoje estava à espera que o telefone tocasse!
Nesta fase da vida em que me encontro, já posso afirmar que consigo perdoar tudo, umas coisas são mais fáceis do que outras. A crueldade, coloco-a na lista das mais difíceis.
Mas foi pena, eu gostava da garota que me fartava e tratava-a assim por graça porque embora ela fosse mais nova do que eu, tinha mais dezassete anos do que eu!
Mas isto, nós, os homens, nunca havemos de perceber, porque tem a ver com uma sensibilidade que só nós, as mulheres, é que temos! E daí, talvez não, porque nestas coisas da alma, nós, as mulheres, enganamo-nos tanto ou mais do que nós, os homens!
Cristina Pizarro