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- “LAUS AMORIS”.
Seguiram-se outros breves encontros, com os pombinhos a se aproveitarem das oportunidades da sorte, uma vez que, naquele tempo, os namoros só eram bem vistos quando encarados com uma seriedade pré-nupcial.
O moço das belas suíças estava sempre elegante, em seu fato de linho, a portar consigo um vistoso Swiss Tissot, preso a uma corrente de ouro, a qual se estendia de um dos bolsos do colete até à algibeira. À cabeça, tinha habitualmente um charmoso chapéu comprado ao Porto. Ele que, até então, tal como os demais rapazes da Vila, restringia sua religiosidade às missas dominicais e a ofícios em datas festivas, mostrava-se agora um fervoroso devoto, a marcar sua presença em novenas, rezas, ladainhas e que tais, em tudo, enfim, a que a sua amada estivesse presente.
Nonô, por sua vez, entregue a esses atos piedosos com real sinceridade e constância, entrara para a congregação das Filhas de Maria na Igreja Matriz, onde cantava ao coro. Acabou por ganhar aquilo que, após os números de mágica, vinha sendo negado à mana Aurita: a confiança de Papá. Vivia saindo de casa, agora, com uma frequência nunca antes permitida, aldemenos que fosse de casa para a igreja e da igreja para casa, e sempre junto de sua fiel escudeira Sancha Maria Pança de Tourém. Por ordens de Mamã, a criada acompanhava a beatífica menina às reuniões vespertinas na igreja, para esta se dedicar às orações e obras de caridade (agora, na caridosa companhia de um recém-beato). Graças a doces afagos verbais e à promessa de um manhuço de réis, Maria sempre deixava que a menina, à saída da igreja, demorasse um pouquinho mais para usufruir de alguns momentos de boa conversa com Sidónio.
Os namoradinhos passaram a trocar bilhetes, em que falavam do mais puro amor, como nestes versos que um dia o rapaz, em sua melhor caligrafia (a possível) e de acordo com a ortografia da época, dedicou à sua amada:
“A vida é cheia de trevas e de frio.
Só se bebe fel, só se pisam ´spinhos.
Cahem de cima os vendavaes a fio
Estão cheios d’ abysmos os caminhos
E por todo esse mundo só achamos
Miseráveis e nus os pobrezinhos.
Por isso se na vida deparamos
Com um amor singello, casto e puro
Paremos, porque o céo já alcançámos.
O amor é o alto e inabalável muro
Contra o qual não prevalece o pecado,
Nem inveja ruim, nem jogo impuro.
Seja, por isso, o amor sempre louvado!”
Assinou apenas “António”. Tratava-se, todavia, do poema “Laus Amoris”, copiado a um jornal de Chaves e seu verdadeiro autor era um outro António, o Granjo. À altura da escrita desses versos, o poeta era, então, um jovem estudante flaviense em Coimbra, mas já prosseguia em sua obstinada atuação política a favor dos ideais republicanos.
A um dos raros bailes em que o Papá concedia que as filhas prestassem o brilho de seu comparecimento, os da Sociedade Recreativa Flaviense, Nonô estava a dançar com Sidónio, ao som da valsa de Armando de Pinho Dias “Os teus sorrisos”, quando o rapaz mirou-a bem nos olhos e disse – Amo-te. Quero que sejas minha companheira para todo o sempre, sob as bênçãos de Deus e dos homens – e Aldenora apertou a mão do rapaz que, a bailar consigo, já a mantinha entrelaçada à de sua jovem parceira – Também te amo, mas sabes que uma rapariga que tem família não é senhora de si. Hás de falar com o Papá – Falarei sim, com ele, com tua Mamã, com Chaves inteira, com Portugal inteiro. Ao mundo inteiro, enfim, gostava de dizer, em alto e bom som: amo-te! Amo-te! Amo-te!