O Entroido da Eurocidade Chaves-Verín
Como hoje é dia de Carnaval, ninguém leva a mal – diz o povo – e se o povo o diz, então é porque é mesmo assim. É uma espécie de dia 1 de abril, dia das mentiras, só que aqui, no carnaval, é a verdade que se disfarça com a mentira, quer com máscaras, quer vestindo-se a verdade de careto, de matrafona, de peliqueiro ou cigarón, estes últimos os mais próximos de nós, pois são da nossa Eurocidade Chaves-Verín. Assim sendo, as imagens de hoje são dos nossos cigarróns de Verín, e entendam esta última frase também como uma frase carnavalesca, ou seja, uma verdade também ela vestida com uma mentira.
Em tempos achei piada a uma frase que tentava explicar o que era a Eurocidade Chaves-Verín em que dizia “aqui somos todos galegos que vivem na mesma cidade mas em dois bairros, uns vivem no bairro do Norte e outros no bairro do Sul.”. Eu próprio acho que adotei algumas vezes, isso aconteceu quando achei também piada à ideia de Verín e Chaves serem uma só cidade, com um mesmo povo que culturalmente somos, e que cheguei a acreditar que essa cidade seria possível, tanto mais que até os senhores da Europa, que são assim uma espécie de senhores de Lisboa mas à escala europeia, numa das suas páginas oficiais da WEB diziam o seguinte: “O projeto Eurocidades procurou encontrar formas de promover os serviços e as políticas comuns em áreas como a cultura, turismo, comércio, educação, investigação e política social. Este projeto pretendeu fomentar uma colaboração territorial mais profunda e edificar uma coesão social entre as duas comunidades, ao mesmo tempo que procurou melhorar a qualidade de vida em geral das pessoas.” (in: http://ec.europa.eu/regional_policy/pt/projects/spain/eurocity-bringing-cultures-together-to-forge-lasting-bonds )
Palavras encantadoras “ políticas comuns em áreas como a cultura, turismo, comércio, educação…” . Fiquei convencido, mas tudo isto foi antes de cair em mim.
Com o tempo essa dos “galegos do Norte e dos galegos do Sul” fez-me lembrar aquela anedota que pretendia demonstrar a xenofobia e racismo do apartheid na África do Sul, quando a professora branca que entrou pela primeira vez numa turma mista, disse: aqui não há brancos nem pretos, somos todos azuis. Uma vez que assim é, o azuis-claros sentam-se à frente e os azuis-escuros sentam-se atrás.
Pois por aqui também é tudo galego, mas cada um no seu cantinho e cada um brinca com os seus brinquedos, festas, culturas, educações, etc. incluindo no Carnaval.
Vejamos por exemplo uma sondagem que está na página da Eurocidade Chaves-Verín:
Não seria mais correto o texto dizer assim:
Concorda com um único hospital na Eurocidade Chaves-Verín com todas as valências médicas e especialidades?
Com apenas duas respostas: sim ou não
Mas para evitar guerrilhices até deveria ser assim:
Concorda com um único hospital na Eurocidade Chaves-Verín a construir na antiga fronteira, com todas as valências médicas e especialidades?
Os mais atentos dirão que não, que as coisas não são assim, que até já existe um cartão de eurocidadão para mostrar aos amigos, e uma agenda cultural comum onde cada um (galegos do Norte e galegos do Sul) deixam as suas atividades individuais (que não são comuns porque não existem).
Tudo isto porque, ao contrário de Verín, Chaves não tem tradição de festejar o Carnaval, e quando apareceu essa coisa da Eurocidade Chaves-Verín, cheguei a sonhar que seria possível fazer qualquer coisa em conjunto, onde Chaves também passasse a ter alguma da festa do Entroido de Verín.
Eurocidade Chaves- Verín que agora também já se autointitula “Eurocidade da Água”. Para esta e para quem conhece o nosso Rio Tâmega entre Chaves e Verín, deixo aqui um texto que há dias se cruzou comigo na internet, num grupo do Facebook “Tâmega Internacional – Natureza e Mundo Rural” de autoria de Marco António Fachada:
"Durante anos sonhamos: com uma área protegida, com bosques ribeirinhos onde pudéssemos ensinar como se sabe, pelas árvores e líquenes, onde está o Norte, com moinhos reconstruídos e transformados em centro de interpretação da natureza, com o silêncio do canto das aves e o ruído das águas a bater nas pedras.
Um espaço onde pudéssemos mostrar que uma árvore morta é ainda uma fonte para a vida.
Vieram estudantes e turistas, nacionais e estrangeiros. Fomos à televisão e a congressos, cá dentro e lá fora.Acreditámos.
Houve uma petição, assinada por (quase) todos nós. O tempo foi passando, desacreditando.
Hoje os caminhos onde víamos o sardão ou a cobra-de-escada a aquecer no cascalho, são estradas movimentadas em alcatrão.
Vieram outros, puseram novos observatórios e sinalética, mas a vegetação continua a ser destruída, a extração de areias voltou, à luz do dia, encoberta pela neblina, à luz do sol depois do nevoeiro levantar...
Parece que resta um sofá...largado, à beira da tal estrada de alcatrão, de frente para uma lagoa, sem árvores, sem aves...
Chamam-lhe desenvolvimento, eu acho que é apenas desilusão.
Eu assumo a minha."
E eu a minha!
Claro que tudo isto vem porque hoje é Carnaval e ninguém leva a mal… E com esta me bou!
Desculpem lá, mas gosto mais da versão barrosã de “me bou” do que da flaviense “bou-me”. Continua a ser Carnaval…. ou Entroido na Eurocidade.