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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

15
Dez07

Cambedo - Dia 4 - Guerrilheiros, maquis, fuxidos, espanhóis...


Sempre que nas nossas aldeias portuguesas da raia abordei as pessoas de mais idade sobre os acontecimentos e os anos da guerra e pós guerra civil e mundial, referem-se sempre aos espanhóis que andavam por aí fugidos, que eram conhecidos do povo ou pelo menos identificáveis. Nunca, ninguém me referiu o termo guerrilheiro ou maqui, quando muito, falavam-me dos bandoleiros ou atracadores espanhóis, mas curiosamente estes, nunca foram vistos por ninguém e deles contava-se o que se ouvia dizer, quase sempre histórias dramáticas e de terror.
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Houve de facto várias realidades nestes tempos de guerras, primeiro a da Guerra Civil de Espanha, depois da II Guerra Mundial e do desenvolvimento da guerrilha antifranquista, realidades de contrabando do volfrâmio e outros contrabandos. Embora Portugal estivesse teoricamente à margem de ambas as guerras, viveu e sentiu essas guerras, não só pela proximidade, mas também pelos tais negócios da guerra.
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Uma das realidades, foi a dos fugidos de Espanha, milhares, que aproveitavam a permeabilidade da raia seca para, através de Portugal, fugirem para outros destinos. Desde intelectuais, artistas, escritores, médicos, engenheiros a agricultores e gentes simples do campo com outros ofícios e até alguns desertores do exército de Franco. Por ideologia ou simples perseguição, por pequenos delitos comuns ali praticados, por uma ou outra razão, foram obrigados a partir, pois do lado de lá, bastava uma denúncia ou suspeita, rancores, ódios ou quezílias familiares antigas ou até da guerra, para se ser fuzilado pelas armas franquistas.
Alguma desta gente que enjeitou ou foi enjeitada por Franco e se decidiu ou foi obrigado a uma “fuxida” de um “passeo” sem volta, foram de certa maneira confundidos com guerrilheiros, principalmente aqueles que tiveram de ficar pela raia portuguesa. Agricultores sem recursos, contrabandistas e gente humilde das aldeias galegas da raia que não tiveram meios nem possibilidades de fugir para o exílio em terras distantes das Américas, principalmente as do Sul ou em França, onde eram recebidos como exilados políticos, ao contrário de Portugal, onde oficialmente nunca foram reconhecidos como tal e onde inicialmente, até nem sequer era reconhecido existirem espanhóis nas aldeias da raia.
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Antes de falar dos guerrilheiros, achei necessário fazer esta pequena introdução, porque muitas vezes, metem-se os tais “espanhóis” todos no mesmo saco, quando na realidade havia as tais várias realidades, que iam desde galegos que atravessavam a fronteira para simples compras ou trocas comerciais com as aldeias vizinhas, havia os “fuxidos” de passagem, os “fuxidos” de permanência, os contrabandistas e claro, os guerrilheiros.
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Fixemo-nos nos “fuxidos” de passagem e nos guerrilheiros.
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Os “fuxidos” de passagem tinham rotas de fuga mais ou menos traçadas e quase sempre com destino ao Porto e Lisboa e daí embarcavam para várias partes do mundo. Claro que até ao embarque, às vezes demoravam dias e semanas, pelo que era necessário ter casas e famílias de abrigo e acolhimento, muitas delas em aldeias da raia.
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Todo este movimento dos “fuxidos” não era estranho aos guerrilheiros, pois era gente da sua, da que comungava dos mesmos ideais e aos quais os guerrilheiros auxiliavam e conduziam pela raia seca de casa em casa, das tais casas de abrigo.
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Algumas dessas casas de abrigo aos “fuxidos” eram também casas de abrigo dos guerrilheiros.
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Mas, afinal, quem foram os guerrilheiros!?
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Tanto para Portugal de Salazar como para a Espanha de Franco, os guerrilheiros foram reduzidos a simples bandoleiros e atracadores, marginais armados que assaltavam e matavam sem qualquer ideal. Foi essa a imagem que se tentou passar e que perdurou durante longos anos na boca do povo e também na imprensa da época. Só há muito pouco tempo é que os historiadores tiveram coragem de abordar e falar de um tema que para Espanha era tão complexo, espinhoso e comprometedor como o foi a guerrilha antifranquista e os guerrilheiros. Assim, se em vida a guerrilha foi derrotada e os guerrilheiros reduzidos a simples bandoleiros e atracadores, após a sua morte, foram reduzidos ao esquecimento de uma profunda amnésia. Os tais “mexer na ferida” e silêncios impostos pelo medo e por muito sangue derramado, a muita violência dos tempos de guerra e pós guerra na Espanha de Franco. Tempos em que a Espanha era conhecida como uma imensa prisão e um enorme cemitério.
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Embora tardiamente, hoje já se começa a falar abertamente sobre a guerrilha antifranquista e a conhece-la melhor, os seus métodos a sua organização e também as suas causas e a sua realidade.
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Os guerrilheiros antifranquistas, que também foram conhecidos por maquis (nome que deriva dos guerrilheiros franceses que lutaram contra as tropas nazis, os Maquisards), estavam organizados em pequenos grupos de resistência espalhados por toda a Galiza e Astúrias . Hoje sabe-se que mais de 6000 guerrilheiros colheram as armas para reconquistar a liberdade perdida. Sabe-se também que foram a parte mais esforçada de todo um exército de auxiliares, correios e enlaces que vivia no seio da população. Diz-se que por cada guerrilheiro armado havia 10 colaboradores desarmados, que quase todos eles acabaram nas prisões, enquanto que aos maquis capturados lhes era aplicada simplesmente e expeditamente a “Lei de Fugas” ou seja, o fuzilamento.
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Embora compostos de pequenos grupos que viviam nas montanhas, havia uma interligação entre estes grupos e uma estrutura de chefias, inclusive, sabe-se que chegaram a reunir em congresso (nas montanhas) e a elaborar estatutos de orientação e da guerrilha.
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A luta de guerrilha, foi (dentro de Espanha) a única forma de oposição ao regime sangrento de Franco, e por isso, o regime tanto empenho pôs na sua aniquilação.
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Este pequenos grupos de maquis viviam nas montanhas da Galiza e das Astúrias e muitas vezes encontravam nas terras da raia portuguesa o refúgio e a reposição de forças para continuarem a sua luta, principalmente os grupos que eram compostos com galegos oriundos da raia, como foi o caso de Demétrio, e talvez do Garcia e do Juan (os três do Cambedo que nos próximos dias abordarei).
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A raia seca entre terras de Barroso até Vinhais, foi terra preferida para refúgio de alguns desses grupos de Maquis e outros “fuxidos” que eram abrigados nessas povoações por amigos do contrabando, por familiares ou simples amigos e vizinhos. Pela certa que não faltarei à verdade se afirmar que pelo menos todas as nossas aldeias da raia, desde Soutelinho da Raia até Segirei, deram abrigo a maquis ou simples “fuxidos” de Franco, no entanto, havia aldeias de abrigo e de passagem que ficaram conhecidas pela frequência da visita ou estadia dos guerrilheiros, aldeias onde encontravam abrigo de confiança de pessoas amigas e familiares onde até as autoridades (guarda fiscal e republicana) faziam vista grossa a essas visitas e estadias. Entre essas aldeias estavam o Couto de Ervededo, Cambedo, Curral de Vacas, Sanfins da Castanheira, mas sobretudo Mosteiro e Nantes (para só falar das do concelho de Chaves).
 
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Mas esta história é sobre o Cambedo, pois era aí que se costumava abrigar o “grupo” do Juan (o tal Juan que deu origem a isto tudo) que até era conhecido pelo grupo do Demétrio ou o grupo do Capitão Garcia (depende de que fonte bebermos!), possivelmente um grupo que com certeza tinha ligações à guerrilha mas que, quase pela certa, não existiu como grupo organizado.
 
 Desse pressuposto grupo fariam parte o Demétrio, o Juan Salgado e o Capitão Garcia, os tais que foram acusados da morte do Pinto de Negrões, do assalto à carreira Braga-Chaves e que pernoitavam no Cambedo no dia dos acontecimentos de Dezembro de 1946.
 
A partir de aqui, ou melhor a partir da morte do Pinto de Negrões, começam a surgir-me muitas dúvidas e questões para as quais ainda não encontrei respostas convincentes no que toca ao envolvimento dos três do Cambedo, quer com esses acontecimentos quer com a guerrilha organizada. Se quanto ao assalto da carreira de Braga há provas de que quer o Juan quer o Demétrio não estiveram envolvidos e tudo leva a crer que foram manobras que teve o envolvimento da PIDE, já quanto à morte do Pinto de Negrões é sabido ou tudo indica que o Demétrio não participou e até criticou e considerou um erro actuação da guerrilha num caso de morte em terras portuguesas, mas é sabido também que o Juan estave em Negrões e que acompanhava o grupo de guerrilheiros.
 
 
Como certo apenas dou que existiam ligações à guerrilha e que estavam no Cambedo nos dois longos dias da batalha.
 
E porque estavam no Cambedo?
 
Penso que quanto ao Juan e ao Demétrio, a resposta é simples, pois o Juan era natural e residente da aldeia de Casas dos Montes, vizinha do Cambedo e que dista desta apenas 2 quilómetros, além de fortes ligações de amizade ao Cambedo e até profissionais, pois o Juan e a sua família eram músicos animadores de festas.
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Casa onde pernoitou Juan no dia dos acontecimentos do Cambedo
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Quanto ao Demétrio, também ele era de outra aldeia vizinha do Cambedo, Chãs, a apenas 4 quilómetros e além disso, tinha uma irmã casada e residente no Cambedo.
 
Quanto ao Garcia, levantam-se várias hipóteses quanto à sua presença no Cambedo, mas tudo leva a crer que não era presença habitual da aldeia.
 
 
“Fuxidos” ou guerrilheiros, bandoleiros, bandidos ou atracadores, Demétrio e Juan foram acolhidos no Cambedo, com toda a naturalidade, por família, gente vizinha e amiga, conviviam com a Guarda Fiscal e até ajudavam nas lides do campo do Cambedo e que acabaram por dar origem a uma batalha e personalizar a história da guerrilha antifranquista em terras portuguesas, ao servirem de “bode-expiatórios”,  transformados e feitos maus da fita aos olhos do povo em geral, pelos então regimes de Franco e Salazar e por toda a sua propaganda e a pela fiel ou censurada imprensa da época. Mais à frente daremos uma vista de olhos por essa mesma imprensa.
 
Sejam então três bandoleiros ou atracadores, que eram guerrilheiros antifranquistas, ou simples “fuxidos”, ou simplesmente refugiados, ou maquis, ou contrabandistas, ou galegos e amigos do Cambedo ou, com família e gente amiga no Cambedo e que acabaram por ser um pouco de tudo ou tudo isto, dependendo dos olhares que cada um, como cada qual, lhes lance.
 
Também eu tenho o meu olhar sobre o assunto, um olhar feito e tendo em conta toda a literatura disponível, documentação, testemunhos e até a realidade física da aldeia do Cambedo e, as minhas dúvidas e as minhas questões ficam apenas em se os “Três” do Cambedo eram assim tão perigosos que deram origem a uma batalha?
 
Independentemente de acreditar ou não num grupo organizado de maquis no Cambedo, é como maquis que partirei e com que lidarei o assunto daqui para a frente.
 
Vamos então saber mais um pouco deste pequeno grupo, quem eram, o que faziam…
 
Mas isso, fica para amanhã.
 

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