Chaves, cidade feia!?
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Chaves, 26 de Setembro de 1960
Há terras, como Aveiro, por exemplo, impregnadas de não sei que dignidade específica. É uma espécie de irradiação ética, que compensa largamente o forasteiro de todos os desconfortos e desilusões urbanas que nelas sinta. Chaves pertence a essa família. Apesar de feia, suja e desfigurada, o espírito sente-se aconchegado dentro dos seus muros. O prazer que os sentidos não gozam na pureza dos monumentos, na grandeza das praças e no desafogo das avenidas, encontra-o a alma na atmosfera de sanidade humana que respira na mais abafada e miserável ruela.
Miguel Torga, in Diário IX
Confesso que quando li pela primeira vez este texto de Torga, fiquei abalado no meu orgulho de flaviense. Chaves feia, suja e desfigurada… como era possível Torga dizer isto de Chaves!?
O amor é cego e a paixão, além de cega, tolda-nos os sentidos. Com a idade, fui aprendendo a não julgar as coisas pela aparência e a amar desapaixonadamente, ou seja, amar sim, mas saber sempre o que esse amor tem de bom e reconhecer também nele o que há de errado e, sempre que possível, corrigir ou alertar para o que não está bem. Só assim poderemos fortalecer um verdadeiro amor e quem sabe, um dia torna-se de novo numa paixão.
Voltemos às palavras de Torga. Li e reli as suas palavras e despido da tal paixão, só posso concordar com Torga e até subscrevo. Na realidade as palavras de Torga são de 1960, já lá vão quase 50 anos, mas continuam a ser actuais. Não duvido em nada que Torga era um amante da cidade de Chaves, com a vantagem de ser seu amante sem ser flaviense e, logo aí, desprendido do bairrismo, paixão e cegueira de que os seus naturais sofrem. Era sincero no que escrevia e sentia pela cidade. Desilusões urbanas continuam a não faltar pela nossa cidade, desfigurada também, e continua suja, não no termo singular da palavra, mas suja na amplitude que a palavra possa abranger, principalmente no campo das ideias. Suja sim, não por falta de limpeza, mas por permitir que se suje…e não é de lixos que vos falo!
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Claro que alguma coisa se vai fazendo pela cidade. Alias desde o 25 de Abril que muita coisa se tem feito pela cidade e pelo seu embelezamento, recuperaram-se e dignificaram-se os nossos monumentos, recuperou-se o rio, embelezaram-se troços das suas margens, engrandecera-se as termas, dotaram-se as ruas do centro histórico de pavimentos dignos, iluminaram-se as fontes, criaram-se jardins e canteiros, resolveu-se o problema da água (que durante anos atormentou), etc, coisa e tal. Mas o que ficou por fazer por defeito e o que se permitiu fazer por excesso, excedem em muito o que de bom se tem feito pela cidade.
Nas mesas dos cafés, entre amigos ou em família discutem-se os problemas da cidade. Todos os conhecem e todos os discutem em privado, mas quando são para vir a público, aí as coisas mudam de figura e parece não haver problemas de qualquer ordem na nossa cidade. Parece-me que todos tem rabos de fora com medo de serem entalados ou então, que todos esperam e anseiam por alguma coisa que só conseguirão refugiando-se no silêncio das ideias.
É urgente discutir a cidade, abertamente, sem medos e principalmente despidos do camisolismo partidário que a tantos cega, porque a cidade é dos flavienses e não dos partidos políticos (coisa complicada, infelizmente também o sei!).
Falar e discutir abertamente (e sem medos) aquilo que está mal, apontar soluções, na praça pública. Falar dos dinheiros mal gastos e apontar com o dedo os pecados, mas elogiar também o dinheiro bem empregue e aquilo que de bom se faz por esta nossa cidade e sobretudo aquilo que ainda se pode fazer.
Haja coragem para debater publicamente a cidade e altere-se uma vez por todas os modos de a pensar. A cidade é de todos.
Querem temas para debate!? Eu deixo-vos alguns e também algumas perguntas:
- O quê fazer pelo Centro histórico desertificado e à beira da ruína;
- Estacionamentos;
- Lazer e tempos livres;
- Futuro de Chaves, está no comércio, na indústria, no turismo (natural, gatronómico, termal, cultural…)? ;
- Urbanismo e planeamento, um assunto sério! ;
- Juventude e desporto;
- Uma casa mortuária, precisa-se! ;
- O que está mal no comércio tradicional, os comerciantes ou os clientes!?;
- Aldeias de montanha, qual o seu futuro!? ;
- Prioridades!? ;
-Trânsito e vias principais!? ;
Enfim, haja coragem para no futuro termos uma cidade da qual os nossos filhos verdadeiramente se orgulhem e envaideçam, senão apenas teremos direito à cidade que merecemos…
Entretanto, com os meus devaneios e ousadias, lá me vou metendo (onde dizem que não devo) e subindo no ranking das cabeças a prémio, mas pelo menos vou ficando com o gozo de ousar e de não me conformar que grandes nomes como o de Torga, continuem e ver em Chaves uma realidade feia, suja e desfigurada!
Amanhã falo-vos de provincianismo, fica prometido.
Até amanhã!