Discursos Sobre a Cidade - Por Gil Santos
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ECOS DA VEIGA
Texto de Gil Santos
NOTAS DE ABERTURA
Pelas encostas do Brunheiro, à noitinha, precipita-se o zimbro como um rebo tresloucado. Ímpio, escarrapacha-se em silêncio, cindindo-se em mil cibos de cristal que transem o Vale num abraço de bincelho. A alma, granítica, dos da Veiga, é curtida por este castigo que os céus arrimam.
De cacaranhas sob as choinas do tição, em silêncio, carpem-se as mágoas da solidão e do carambelo.
A vida folgada continua aputada por aí. Emprenhando amantes, ignora a fêmea, ávida, que tem em casa!
Bem se arremeda a dor para que suma; bem se escancaram portas e janelas para que Satanás não atazane, bem se emborca o tinto morno da pichorra que aqueceu ao borralho, mas não há meio!...
A esperança é, quotidianamente, assobalhada como a ferrã em campo verde.
Nada muda, pese embora a ilusão de tudo estar diferente!...
Catancho, que vida de merda!...
A esperança na electricidade, no telemóvel, no computador e na internet, no ipod, no satélite, no GPS e na televisão de alta definição, na auto-estrada, nas promessas dos políticos, no fim do isolamento milenar e na igualdade de oportunidades, mirra como a bosta no merouço!...
Está quase tudo na mesma:
- a chiba continua despreocupadamente, como há séculos, a roer os rebentos de silva brava nos arrabaldes da cidade;
- a fêmea do bicho homem a parir, antes no cortelho, agora na A24 para Vila Real;
- o filho do remediado a estudar na Universidade de Curral de Vacas!... o do pobre, condenado, para sempre, a ficar brutinho!
- o Tâmega a correr para Sul;
- e o comum transmontano a sonhar que o amanhã é que é!...
Pois é! os da beira mar vestem-se de carmim, os da Veiga que se remedeiem de serrubeque!...
Maldita sorte, rais-te fonha!
Não sou, nem nunca fui biqueiro, mas custa-me a deglutir tanta injustiça! A ter de a gramar, hei-de esgomitá-la em trejeitos de revolta para que não me esfoure.
Quero escarabulhar as palavras como quem o faz com as baijes chixarras e ser capaz de cantar a Veiga como ela bem merece!
Que sejam os dezeres desse cantar que um dia porei ao léu uma espécie de caga-lumes. Pontos de luz, na noite escura do esquecimento a que a votaram.
Sonho-os prenhes da idiossincrasia de que o leitor carece para sonhar!...
Bonda de carregar estrume! Já tenho as cruzes doridas!...
AUSÊNCIAS!...
Da umbria e agreste encosta do Brunheiro
Por entre o refulgir de vãos enleios
Rasga um sol vadio o frio Inverno
Sorri desmesurado em devaneios
Trago no ventre a criação profana
De um sentimento vadio que me mente
Sufoco melancolias ausentes do passado
Inconformado, invento os termos do presente
E antes que a trompa macrocéfala redobre
Em miseráveis e funestos sons o seu alento
Canto aqui a Veiga, p’ra que oiçam
Um revoltado e forte grito de tormento
Ausentes da Veiga, olvidai-la
Clamai que o céu vos valha orgulhosos!
Regressareis um dia arrependidos
Implorando clemência com olhos bem chorosos
Doces sonhos alimentaram o devir
Pesarosa ilusão que o mundo tece!
Quanta mais esperança tu procuras
Quanta mais desgraça te aparece!...