Discursos Sobre a Cidade - Por António Sousa e Silva
O MAIS DO MESMO
I
Nunca fui apoiante indefectível de José Sócrates, como socialista. Aprecio-lhe algumas qualidades. Não votei nele para secretário-geral do PS e não o considerava o primeiro-ministro para o meu país.
Por isso, após a sua eleição, fiquei afastado da vida política activa nas estruturas de base onde milito.
Tenho por norma ser frontal e não carreirista. O PS engalanou no canto da sereia do ator. Os mais competentes, infelizmente revelando-se verdadeiros oportunistas, viveram à sombra do “trabalho sujo” dos outros, recebendo “encomendas” e “prebendas”.
Não foi para mim grande deceção a derrocada do dia 5 de Junho. Não foi só a derrota de José Sócrates, foi a de um certo PS, que se consolidou nestes últimos anos. Que se revelou igual ao PPD/PSD. Em muitos aspetos, retintamente iguais.
O que assistimos no dia 5 de Junho foi à derrota de um partido que deixou na gaveta da história os pergaminhos dos valores que o consolidaram como um grande partido da esquerda portuguesa e europeia; que não acompanhou a mudança radical em que a sociedade atual está transformando a vida de todos nós, e incapaz de apresentar e construir um projecto de futuro que galvanize os portugueses para uma nova gesta, face a uma nova sociedade, totalmente transformada.
O PS de José Sócrates geriu mal o presente e não apresentou nenhuma visão de e para o futuro. Ficou-se somente nas mundividências problemáticas do curto prazo.
Diz a comunicação social que José Sócrates meteu “licença sabática” e vai para Paris frequentar aulas de filosofia política. Um dos professores é o seu amigo Daniel Innerarity. Pena é que não o tivesse lido e assimilado antes. Talvez alguns amargos de boca teria evitado, poupando-nos de vivermos, cada vez mais, numa sociedade bloqueada, como a em que vivemos. Enfim, mas tudo tem o seu tempo, não é?
E o que temos pela frente?
Inquestionavelmente, austeridade. E mais austeridade… não se sabe até quando. Paga pelos sempre mesmos! Imposta por um governo de direita. Que nos diz vir-nos salvar dos desvarios da esquerda. Com o beneplácito de uma esquerda radical, troglodita, bloqueadora, e não raras vezes assassina, incapaz de contribuir para a construção de uma esquerda moderna. Esquerda esta, assistente pacífica de um certo neoliberalismo que nos governa, vivendo de quezílias internas e apegada a valores velhos de um passado sem retorno e pouco à-vontade com as mudanças essenciais de uma sociedade hipercomplexa.
E que PS temos?
O mesmo de sempre, nestes últimos anos. Muito provavelmente para pior.
No poder e na oposição temos dois amigos: Passos Coelho e António Seguro. Nados e criados nas hostes dos aparelhos dos dois maiores partidos portugueses. Partidos estes que têm vivido à sombra do aparelho do estado, entendido quer como administração central, quer como autarquias, quer como empresas públicas, quer como institutos, quer como fundações e quejandos. instituições sustentadas, pacificamente, por todos nós, convencidos que desta total chinfrineira, a que globalmente chamamos estado que nos governa, que, individualmente, algum proveito retiramos. Esquecendo-nos que quem paga são sempre os mesmos, como está à vista!
Porque quer Passos Coelho quer José Seguro são iguais, retintamente idênticos. O que os diferencia é a retórica, o discurso. A praxis é a mesma.
O estado é um imenso polvo, com enormes ramificações nas empresas monopolistas que nos exploram, comandado pela partidocracia do bloco central. Que envolve e comprime a sociedade civil, retirando-lhe o seu normal e adequado protagonismo. Que asfixia o indivíduo. Um estado castrador da autonomia e obstaculizador da emergência de um verdadeiro espaço público, onde se possa exercitar a cidadania.
A eleição do secretário-geral do PS foi um momento perdido na discussão e procura do que seja hoje uma verdadeira esquerda, face a uma sociedade cada vez mais complexa, exigindo um novo modelo de ação e de participação política.
Francisco Assis, no início da campanha, prometia algum dinamismo. Cedo, porém, ficou refém da história, do seu passado recente, não encontrando forças para o saber gerir e melhor explicar as suas ideias.
Aquilo que os militantes socialistas votaram nos dias 22 e 23 de Julho passado foi num novo impasse.
II
O PS de Chaves votou maioritariamente Francisco Assis.
Era espectável que assim fosse. Não fosse a presidente da estrutura da concelhia uma amiga do peito de Assis. E os anos que teve de Assembleia, no convívio com os seus pares, já lhe ensinaram o suficiente em termos de como controlar o aparelho.
Gostaria, porém, de ter visto uma eleição mais participada, e não um clima amorfo, sem esperança e com pouca alegria. Nestas eleições faltou futuro, uma certa visão do futuro. Que é suposto os partidos terem e incentivarem nos seus militantes, galvanizando-os para o trabalho político que há pela frente. Porque nunca, como nos tempos que correm, precisamos da política. Também da política. Porque é ela que dá sentido e vida às sociedades em que vivemos.
É por isso que sou muito cético em relação ao nosso próximo futuro, em termos de poder autárquico.
E não é só pelos constrangimentos de ordem financeira que, é bem certo, nos condiciona enormemente. Mais por três ordens de razões.
A primeira, é que o atual modelo de gestão autárquica se esgotou. E não se teve coragem de, há mais tempo, o alterar. A gestão territorial tendo como base apenas os municípios e a administração central não se coaduna com a sociedade em que hoje em dia vivemos. Porque demasiada centralizadora e hierárquica, por um lado; e excessivamente caciquista e despesista, por outro. Que nos levou à desertificação do interior e a um excessivo e desordenado povoamento do litoral, exibindo assimetrias demasiado flagrantes para um país tão pequeno como o nosso.
A segunda, decorrendo da primeira, e depois de mais de três décadas deste poder autárquico, urgia que se tivesse repensado num novo modelo de gestão territorial, mais consentâneo com a realidade que hoje temos. Nada disso foi feito! Perdemos, infelizmente, a oportunidade da regionalização. Porque os intelectuais do poder central lisboeta e alguns renegados de última hora do PS, aproveitando o exacerbamento dos bairrismos locais, achavam, propagandeando, que era excessivamente dispendiosa; que iríamos engordar mais o estado com despesas. Enquanto aqueles “pseudogurus” enchiam, e continuam a encher, seus bolsos, escandalosamente, como presidentes e administradores, de empresas públicas, institutos, fundações, e que mais alcavalas. Não houve coragem de reestruturar a administração pública, acabando com a lógica do funcionamento político partidário assente nos municípios e nos círculos distritais para as campanhas e atos eleitorais. E vêem-me agora com a não nomeação de governadores civis! Estes novos senhores insultam a nossa inteligência, bolas!...
A terceira ordem de razões tem a ver com o perfil dos candidatos que se perfilam para a próxima Câmara de Chaves. Urge que quer Paula Barros, pelo PS, quer Cabeleira, pelo PPD/PSD, se mostrem. Que nos apresentem as equipas com quem pretendem trabalhar. Que visão têm para o futuro da nossa terra. Que programa e projetos para o efetivo desenvolvimento do município. Que digam qual o papel de Chaves no contexto territorial onde se insere e como trabalhá-lo. Urge que quer uma quer outro mostrem, apesar da mesma idade, de pertencerem à mesma geração e da idêntica experiência política, onde são diferentes (para além de uma ser mulher e outro homem). Que o munícipe eleitor sinta onde está o candidato da direita e a candidata da esquerda. Que o eleitor munícipe veja onde estão as verdadeiras opções. Opções que façam sentido. Enfim, que façam vir ao de cima verdadeiras escolhas e não tão só a pose do ator ou atriz. Ou seja, em que somente valha o valor do fulanismo…
António de Sousa e Silva