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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

25
Set11

Treze Contos do Mundo que Acabou - Sete Vidas Tem um Gato


 

Conto X

 

 

Sete vidas tem um gato

 

 

(1ª parte)

 

Assim que os bois pararam no largo da taberna e o eixo untado do carro calou a cantoria lamentosa do chiadoiro, o sargento Santos saltou fora do jipe e lançou um olhar enojado ao novelo de tripas espapaçadas de sangue em que agonizava o Geirós pedreiro.


          - Que tal te puseram, alma do diabo! Desta vez, quem quer que tenha sido, não lhe doeram as mãos…Peguem-lhe com cautela e deitem-no no banco de trás, a ver se ainda chegamos a tempo de o Dr. Rodrigo lhe aproveitar os bocados!


Os guardas-fiscais cumpriram a ordem conforme puderam e lá abalaram com o desgraçado, meio despedido, direitos ao hospital de Chaves, dando-se a pressa que as voltas da estrada permitiam, mais por dever do que por humanidade, já que o Geirós era dos que não se ensaiavam nada para ferrar um zagalote em qualquer um deles, pela calada das noites ensombradas no leva e traz do contrabando na raia das Travancas.



          Quando o tio Augusto o resgatou das unhas assanhadas dos quatro filhos do Almor e o deitou sobre o carro de bois, pouca fé tinha de lhe poder valer a tempo. Ainda assim, mandou recado pelo neto ao Posto da Guarda, que tivessem transporte à mão para quando ele chegasse com um corpo que tinha topado com umas facadas nas tripas. Agora, era questão de não tardar mais que a conta para o tirar do fundo da regota onde lhe estavam a retalhar o corpo à naifada, e que os bois trepassem rodeira acima até ao povo antes que a alma se lhe escapasse do odre esburacado. E se os algozes lho largaram, foi por ser quem era, pelo respeito que lhe tinham. Se é outro qualquer, ainda se arriscava a provar daquela raiva cega que queria lavar com sangue a afronta que o pedreiro tinha feito à família. Mas para ele nunca levantariam a mão, que até era padrinho do mais velho e muito chegado aos lá de casa. Por toda aquela corda de povos o nome do pedreiro incutia pavor. Grandes e pequenos sabiam bem que ele tanto despia a camisa do corpo para a dar a um mais necessitado como tirava o fôlego a quem o contrariasse, sem que o remorso lhe ratasse a consciência. Era para onde estava virado, só que desta vez tinha topado quem chegasse para ele. Bem certo que eram quatro, e novos, mas se fossem outros tinham-se ficado, que o Geirós era teso e mais cedo ou mais tarde, podendo, haveria de tomar desforra. Se o tio Augusto não calha a passar por ali àquela hora com o neto, para carregar um carro de ferranha para as crias, daquele salafrário só havia de ficar a fama, que o corpo tomaria bom sumiço. Mesmo que alguém o chegasse a saber, nunca a Justiça levaria dalí provas que incriminassem um filho da terra. E o alívio que não seria para todos?!

 


          O que fora, o que não fora, estaria por certo o padrinho bem lembrado de o Geirós ter puxado de navalha para o pai deles, o compadre Almor que era uma paz de alma, só porque se negara a emprestar-lhe o dinheiro para ir por uma mercadoria a Verín, e daí em diante foi só esperarem pela ocasião, porque a sentença dele estava lavrada, havia de provar do próprio veneno.


          - O meu compadre se lho não emprestou foi porque não lhe calhava a jeito, que o Geirós pode ser o que for, mas é de boas contas. O que tem é um feitio excomungado… Vós agora voltai para casa e calai-vos bem calados, que eu por mim sei bem o que hei-de dizer, e da boca do meu rapaz não sai nada que não deva.


          Afinal, se mais uma vez o Geirós bateu à porta do inferno, ainda não foi desta que o diabo lha abriu. Já das vezes anteriores assim tinha sucedido. Sim, que numa ocasião foi um tiro nas costas com escumilha de fuzilar os coelhos, que lhas deixou mais arrepiadas que uma pedra de perpianho bujardada a pico fino, e da primeira foi uma sacholada que lhe abriu ao verde um lenho na testa, que faria arrear um vitelo.


          - Tem pata com o demónio, é o que é!, sermonava o padre Januário da Castanheira.

 

 

Pois teria, mas quando foi que precisou dele, naquela questão...


 

(continua)

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