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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

08
Jun12

Discursos Sobre a Cidade - Por José Carlos Barros


 

UMA VIAGEM

 

poema de José Carlos Barros

 

 

 

Quando este texto for publicado on-line, falando

de lugares mágicos, espero estar aí, nesses

lugares, a dormir nas margens de um rio

com a ilusão de que, em parte, me é permitido

regressar a mim mesmo e a uma parcela ínfima

dos sonhos que ao mundo não foi ainda

dado roubar-nos. Há um caminho,

 

primeiro, a percorrer. Antes de chegar

ao Mousse. Antes de chegar ao Mente. Antes

de chegar às margens de um rio onde os

amigos haverão de dormir sob um céu de estrelas

ou ameaçadoras nuvens. E seis árvores, precisamente

seis, haverão de confirmar-nos que poucas

coisas mudam no mundo, e só vagarosamente

mudam, quando apenas nos conformamos

com os milagres do mundo. Haverei, a

 

caminho, de parar em Mairos. Apenas

para confirmar que uma horta que é um jardim,

ou um jardim que é uma horta, ou uma horta

e um jardim que são simultaneamente

a mesma coisa, continuam acertados com a

meteorologia e as estações, ou acertados

com a imprevisibilidade delas. Talvez aproveite

para beber cerveja neste café a que se chega

por um corredor estreito de cimento. Mas porque

me apetece ficar um pouco sentado cá fora

a olhar um cacto gigante e uma couve, um campo

de milho ou uma sebe de buxo, e essa

arte tão antiga de domesticar as plantas

e misturá-las para nos darem um fruto, uma

sombra mais alargada, uma luz no outono

ou o prazer dos fenómenos. Haverei

 

de virar à esquerda, a noventa graus. E depois

entrar na capital da batata, no planalto ecológico,

nessa vastidão de campos que são já

da Galiza sem deixarem de ser da Terra Fria,

que são já fronteira sem deixarem de ser

continuidade e aproximação. E aí, em

Travancas, no Café Central, é provável

que beba cerveja. Mas apenas para me sentar

na esplanada e continuar a olhar a cerejeira

que cresce rente a um muro, do lado

direito, na estrada que em seguida me levará

a Argemil e a S. Vicente da Raia. E em

 

São Vicente, depois de acompanhar o rio

serpenteando sem derivações bruscas, antes

de se olharem, do alto, os vales com os

seus quadriculados amarelos e verdes,

as encostas erguendo-se em modulações

entre o verde e o castanho, é provável

que pare por alguns momentos

e beba cerveja. Mas apenas porque

me há-de apetecer ficar sentado a uma

mesa de pedra, sob uma latada

ampla, a olhar o ondulado das cumeadas

sucedendo-se na distância. Descerei

 

então em apertadas curvas deixando Aveleda

à esquerda arrumada num pequeno vale

com o xisto quase improvável a sair dos montes

para as paredes das casas. E, enfim, chegarei

a Segirei. Não seria necessário continuar

até Segirei: porque deveria virar à direita

antes de chegar a Segirei. Mas é preciso regressar

às memórias antigas de um café que

já fechou há muito, e às memórias antigas

da cozinha e do pátio e da adega da casa

do Ramiro. Por isso não chego a parar. Sigo

devagar, faço inversão de marcha no espaço

mais alargado da ponte da praia fluvial,

e rumo em sentido contrário, deixando

novamente Segirei e o tempo suspenso da

revelação dos seus nomes. É

 

esta a viagem: chegar a Pejas. Encontrar

os amigos que me esperam na margem

de um rio. Olhar as seis árvores, precisamente as

seis árvores onde procuro a demonstração

de que o mundo quase não muda, e muda

muito vagarosamente, quando apenas

nos bastam os milagres do mundo. Sentar-me-ei

 

então em redor de uma mesa de madeira.

E talvez não beba cerveja. Mas vinho. Para

que o vinho possa deixar durante muito tempo

a memória dos encontros, a memória

dos milagres, a memória desse

momento de aparição em que por um instante

breve nos é revelado o mistério de estarmos

vivos em nós mesmos e no coração

dos que não podem deixar de amar-nos para sempre.

 

José Carlos Barros

 

 

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