Chá de Urze com Flores de Torga - 115
Curral de Vacas, Chaves, 4 de Setembro de 1991
Com metade da povoação a guiar-me, visita penosa à Pedra Pitorga, um abrigo pré-histórico gigantesco que deu segurança através dos tempos a sucessivas aflições. A ele se acolhiam os primitivos habitantes da região, assediados por ursos, lobos, javalis e outros inimigos. Nele se refugiaram foragidos da Inquisição e da sanha miguelista e liberal, e perseguidos da Guerra Civil espanhola, que a raia não defendia da raiva nacionalista. Labirinto granítico oculto num matagal de giestas e carvalhas, nele me apeteceu resguardar também a dignidade de poeta neste tempo sem poesia que me coube.
Mas o homem já não sabe identificar-se no seio da natureza. Nem mesmo os candidatos à santidade se retiram nos cenóbios e nos desertos para conhecer na solidão os limites da alma, e meditar na hipocrisia humana. Cépticos também, procuram compungidos no seio escancarado das multidões e justificação da farsa da sua medular incredulidade. Os poetas, esse serão sempre presenças por si próprias devassadas em todos os recônditos do mundo. Em nenhum sítio real ou imaginário se podem evadir dos seus demónios interiores e da incompreensão demoníaca dos outros
Miguel Torga, in Diário XVI
Menos penosa que a visita de Torga à pedra da Pitorga ou Pitorca, também eu fui conhecer a dita cuja, mas sem povoação ao qualquer guia a guiar-me. Assim, só da segunda vez que fui por lá é que a encontrei, e pensei que só à terceira é que era de vez. Acontece que acertei com a fotografia na Pitorc(g)a, pelo menos a julgar pela imagem reproduzida na Revista Aquae Flaviae nº41. Acertei com a fotografia mas foi impossível chegar perto dela. O mato não deixa. Pena que aquele campo de penedio não tenha qualquer indicação para se chegar até lá e que a Pedra da Pitorc(g)a não esteja assinalada e limpa de mato à sua volta. Como fica lá para o meio do monte, não interessa… embora arqueólogos e historiadores não pense o mesmo. Aliás a única informação que há sobre este achado é mesmo dos especialistas e profissionais do tema.
Pela minha parte agradeço a Miguel Torga a descoberta pois até ao momento em que a conheci no seu diário nunca tinha ouvido falar da Pitorc(g)a, mesmo aquando dos achados em 1980 a fiquei a conhecer, talvez por na altura andar preocupado com outros interesses que não estes de conhecer a minha terra.
Fica para todos aprendermos mais um bocadinho sobre a Pitorc(g)a o que Alexandra Vieira escreve sobre a mesma e o local. De salientar que popularmente na aldeia de Curral de Vacas se referem a pedra da Pitorga, talvez por isso Miguel Torga assim se refira a ela. Nos estudos dos profissionais todos grafam a pedra como Pitorca. Apenas um pormenor, ou então é o Poeta forçou a grafia de modo a ir de encontro ao seu apelido Pi(Torga) – Isto já sou eu a inventar.
Algumas rochas na envolvência do abrigo (Pitorca)
“ O Fragão da Pitorca consiste “num aglomerado de formações graníticas que conferem ao local uma posição destacada na paisagem. O conjunto dos rochedos gera promontório que descai em forma de penedia sobre o seu sector ocidental.” Foi neste abrigo de médias dimensões, que nos inícios dos anos oitenta do séc. XX foi encontrada uma espiral em ouro (Portal do Aqueólogo, em linha). Armbruster e Parreira (1993:25) referem-se ao achado como “ (…) um anel espiralado de ouro [que] estava associado a um machado plano de cobre e a cerâmica (…) Ana M. S. Bettencourt refere que neste sítio arqueológico teriam sido realizados enterramentos “provavelmente, desde o Calcolítico até ao Bronze Inicial. Aqui, a par de ossadas humanas, apareceram cerâmicas lisas e decoradas, assim como uma espiral em ouro e um machado Plano, ainda com rebardas de fundição” (Bettencourt, 2009:18).
Alexandra Vieira
“Alguns dados para o estudo da Idade do Bronze no Norte de Portugal”
In Antrope – A Idade do Bronze em Portugal: os dados e os problemas. 2014