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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

12
Jul16

Chaves D'Aurora


1600-chavesdaurora

 

Em 18 de maio passado demos aqui conta (http://chaves.blogs.sapo.pt/lancamento-do-livro-chaves-daurora-de-1388956) do lançamento em Chaves do Romance “Chaves D’Aurora” do autor brasileiro Raimundo Alberto.

 

Em “Chaves D’Aurora”, Raimundo Alberto convida o leitor a se transportar até aos anos 1912-1926, para acompanhar as peripécias de uma saga familiar, inspirada em factos reais, ocorridos em Chaves, Trás-os-Montes (Portugal) e na Amazónia brasileira.

 

Os originais do romance foram totalmente escritos em Chaves, Trás-os-Montes, onde Raimundo passou mais de dois meses recolhendo dados, conversando com os moradores e pesquisando, entre outros temas, os ciganos e suas tradições, as aparições em Fátima, a Segunda Guerra Mundial, as lutas dos republicanos flavienses contra os monarquistas, vindos de Verín, a Pneumónica,  além de lendas e mitos regionais. Tudo isso forma um contexto histórico e social que envolve a família Bernardes (nome fictício) e que tem como fio condutor a história de amor entre uma jovem recatada (da família Bernardes), de boas posses e um cigano também rico, mas volúvel, que se torna proibida, face os preconceitos e as tradições de ambos os clãs, o que poderá conduzir a um desenlace não fatal, mas, de algum modo, trágico. No entanto, convicta dos sentimentos de seu amado, a jovem perseguirá, até à exaustão, a esperança de um final feliz.

 

Porque conhecemos o autor aquando da sua estadia em Chaves e um pouco da história deste romance e o seu envolvimento com a nossa cidade, desde logo manifestamos interesse em que um dia pudesse ser publicado aqui no blog. Esse interesse aumentou depois de lermos “Chaves D’Aurora” e daí pedirmos ao autor a devida autorização para que essas publicações fossem possíveis e,  graças à gentiliza de Raimundo Alberto,  vão sê-lo a partir de hoje, dadas em forma de “episódios”, não a totalidade do romance que se desenvolve ao longo das suas 670 páginas, mas os “episódios” em que a cidade, então vila de Chaves, marca presença, sem prejudicar a história de amor do romance.

 

Embora o romance tenha algumas ilustrações, tentaremos também da nossa parte acrescentar algumas imagens inseridas no contexto de cada episódio.

 

Vamos então ao romance, que a partir de hoje estará aqui todas as terças-feiras com um “episódio”. Hoje, por ser o primeiro, será um pouco mais longo, pois antes do I Capítulo queremos deixar a apresentação do romance pelo próprio autor:

 

APRESENTAÇÃO:

 

Toda comunidade, neste grão de pólen no jardim do Universo, sempre guardará algumas histórias para serem contadas, à espera de pesquisadores para colhê-las e, no momento oportuno, narrar aos interessados. Melhor ainda se o fizerem com a necessária graça na forma de transmiti-las, como os menestréis da Idade Média, ou os atores-contadores da época atual.

 

Desde a Pré-história e, portanto, milénios antes da linguagem escrita, ao redor do lume, as tribos ou clãs já transmitiam às futuras gerações, de forma oral ou por meio de inscrições nas rochas e cavernas, os feitos e os factos de sua gente. Tais narradores ainda se encontram hoje, porventura, entre os indígenas à volta da fogueira, os beduínos em descanso nas caravanas, os ciganos em acampamentos eventuais e outros habitantes de regiões onde, por raridade, ainda inexistam o Rádio, a Internet e a Televisão.

 

 Conquanto nascido muito além do Brunheiro e do Barrosão, move-me a parcela de ADN dos meus ancestrais, para convidar o leitor a penetrar no universo flaviense das primeiras décadas do século XX e acompanhar as peripécias de uma saga familiar, a dos Bernardes (sobrenome fictício), inspirada em factos reais, ocorridos em uma Chaves bem diversa da que hoje nos encanta, no Portugal contemporâneo.

 

Busquei, o mais que pude, adequar o romance ao seu contexto histórico e, em alguns aspetos, a episódios de Micro História, ao relacionar o quotidiano das personagens com o tempo e o mundo de então. Descortina-se, pois, um pequeno mas importante painel sociocultural de Chaves e de Portugal, nos anos de 1912 a 1926, com a inclusão de poemas, jogos, lendas e costumes da cultura de Trás-os-Montes.

 

Tentei, nos diálogos, a maior aproximação possível da linguagem popular lusitana e, na parte narrativa, evitei, o mais que pude, valer-me de vocábulos com uso restrito ao Brasil ou a Portugal, ou que portassem, apesar da homografia, significados diferentes em cada um dos países.

 

Ressalvadas as variantes de alguns termos e expressões idiomáticas, algo possível de ocorrer, tanto em aldeias portuguesas versus Lisboa, quanto nos sertões brasileiros versus Brasília, a maior parte das palavras usadas nesta obra constitui um património comum da “Última Flor do Lácio”. (Cf. Olavo Bilac, poeta brasileiro, 1865-1918, em seu soneto “Língua Portuguesa”). Isso me leva a defender uma real confraternização linguística, entre todos os usuários do idioma de Camões, a partir do célebre axioma “nossa língua, nossa pátria”.

 

Raimundo Alberto

Chaves, Portugal, 30 de maio de 2010

 

 

1 - AURORA

 

Em que subtis cornucópias os deuses escondem as chaves da aurora, enquanto brincam, perversos, com o desespero dos pobres mortais que, ao intenso frio da madrugada, anseiam pelo amanhecer? Ao longe, nos becos, ruelas e casarões da Ribeira; nos rabelos, esses barcos ancestrais a transportar os tonéis de vinho do Porto; nas múltiplas caves da Vila Nova de Gaia, às margens do Douro; enfim, todos os seres humanos, adormecidos ou já despertos, estavam à espera do Sol. Este, porém, tardava em pintar, a um céu ainda escuro, os multicoloridos traços do alvorecer. Tanto para a boa gente portuense, quanto a todos os que partiam para Além-Mar, o Astro-Rei demorava-se em trazer um dia a mais (ou a menos) daquele ano de 1926.

 

No cais de embarque em Leixões, a neblina reduzia um sítio do convés do Hildebrandt a uma única visão: um vulto humano a se trajar de negro, colado à amurada do navio. Era nisso a que a jovem Aurora agora se resumia, viúva solitária de um homem ainda vivo, a única dentre os passageiros a enfrentar, naquela parte da embarcação ao ar livre e a essa altura da madrugada, a áspera friagem do final de outono.

 

Livre é o ar, ainda mais quando se move em forma de vento. Aurora, porém, por um migalho de tempo, qual fosse a aurora a se enclausurar entre as nuvens, sentia-se presa a essas tantas, mas invisíveis correntes, de cujos cadeados os deuses se divertem a esconder as chaves.

 

Vira entrar senhores de sobretudo, da mais fina casimira inglesa e senhoras com casacos de gola de arminho. Uma delas estava a levar, com uma das mãos, um baú oval forrado de veludo e, com a outra, um menino que, por baixo do casaco, trajava a clássica veste de marinheiro francês, muito em voga naqueles tempos. Longe destes, porém, mal vestidos aos olhos de qualquer ser humano e, especialmente, do senhor Frio, aquele que, na Rússia, afugentou os exércitos de Napoleão e, muito tempo depois, venceria os de Hitler, alguns emigrantes da Beira Alta ou de Trás-os-Montes estavam a carregar os seus poucos pertences, rumo às partes mais baixas do paquete alemão.

 

Uma senhora com o seu trajo de domingo (teria apenas uns dois mais, para o resto da semana) empurrava os seus miúdos para dentro do navio. Outra se valia de alguns cascudos e puxões de orelhas, para acordar e mover um rapazinho que, insone e mal nutrido, estava a dormir em pé, como os sonâmbulos. A maior parte dos migrantes, porém, era constituída de homens desacompanhados, a levarem consigo o temor de não mais voltar e deixar, em cada aldeia, os órfãos de pais vivos e as viúvas sem atestado de óbito, com os ventres a suspirarem de saudade e os braços carentes de aconchego.

 

Rumo à terra prometida no Brasil, esses embarcados da terceira classe iriam perfazer as estatísticas de quase 800.000 emigrantes, nas primeiras décadas do século XX. Alguns sonhavam encontrar a tão esperada “árvore das patacas” e, de torna-viagem, chegarem ricos e beneméritos aos seus torrões natais, ainda que, de modo pejorativo, fossem chamados brasileiros. Desses retornados à boa terrinha, uns seriam respeitados, pelos que nela ficaram, ao se mostrarem guarnecidos de boas e fidalgas maneiras; outros seriam motivos de troças e mofas do povoléu quando, diante de tudo e de todos, a um comportamento típico de novos-ricos, ficassem a exibir sua opulência.

 

Seria bem triste a percentagem, ainda que reduzida, dos que acabariam por se atirar à vadiagem ou a negócios escusos no exílio e, assim, engrossar as maltas desordeiras das grandes cidades no Brasil. Com deplorável assiduidade, estariam sempre a encontrar albergue nas prisões de Além¬-mar e também voltariam ao chão natal, mas “sem eira nem beira, nem ramo de figueira”, na infame condição de deportados.

 

O maior contingente, no entanto, seria formado por aqueles que, após um duro labor, bastante admirado pelos nativos da ex-colónia, acabariam por se dar bem ao Novo Mundo, a pleno e bom contento no comércio, sobretudo ao ramo das pequenas vendas e padarias. Estariam a ver os filhos integrados à nova pátria e a concluírem seus estudos, com alguns chegando até a ingressar em universidades, dedicados aos mais diversos ramos de negócios e atividades profissionais.

 

Eram outros, todavia, os motivos por que a jovem passageira do Hildebrandt achara-se forçada a emigrar para a Amazónia, a mítica região das densas matas e legendárias feras. Não lhe assustava o desconhecido. Seu porto final era Belém do Pará, cidade que progredira nos áureos tempos da extração da borracha. A rapariga haveria de encontrar por lá alguns parentes, além de uma enorme colónia de patrícios solidários a se ajudarem mutuamente, graças à criação de associações beneficentes.

 

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