Chaves D'Aurora
- VEIGA.
Na época dos Bernardes, a vida em Chaves era muito influenciada pelas condições ambientais, a localização entre montanhas íngremes, frias, escabrosas, ainda que envolvidas por uma vegetação verdejante, mas castigada pela neve, com o seu manto branco de “noiva transmontana”. Conforme nos diz António Lourenço Fontes, em sua “Etnografia Transmontana”, não era como hoje, “uma terra por onde transitam viajantes destinados ou de passagem, mas sim um final de linha onde se vivia isolado, sem influências externas que fossem contrárias aos modos daquela gente viver, após séculos a sós, esquecida do mundo”.
Os sítios da veiga, à margem esquerda do Tâmega e à direita da Madalena, um pouco depois do Jardim Público e do ribeiro do Caneiro, ainda que muito perto do entorno histórico e comercial da vila, eram então muito desertos, rurais, com apenas algumas casas e quintas esparsas nos caminhos que iam dar logo ali, na Galiza. Os moradores em geral viviam entregues à horticultura, às atividades pecuárias ou ao específico comércio de aluguel e venda de equinos.
Até alguns anos antes das primeiras décadas do século XX, viviam os flavienses sem luz, sem estradas, sem telefone, além de um índice bem acentuado de analfabetismo entre as camadas mais pobres, as quais constituíam, ao cabo das contas, a maior parte da população. Dormia-se bem cedo, pois o frio ali era mais intenso que alhures, ainda mais pelos ventos que, às vezes, pareciam não se entender quanto ao rumo e, assim, provinham de toda parte. O silêncio era quebrado apenas por eventuais latidos de cães vadios, o trotar de cavalos ao longe, ou, ainda, pelos incómodos ruídos da pequena fauna local, com os seus raros insetos noctívagos.
Ainda conforme Fontes, os habitantes da região viviam “amorrinhados pelos longos dias invernais”, chuvosos ou enevoados. Tal modus vivendis levava muitos nativos a “um temperamento amolecido, indeciso, propenso à melancolia, à reação lenta, à reserva natural de um caráter introvertido e desconfiado, tendendo à concentração no interior de si mesmo, no seu lar, na sua aldeia, no seu país”.
Todas essas influências devem ter sido absorvidas por João Reis Bernardes, a se refletirem no estilo de vida que impunha a si mesmo e aos seus.