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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

10
Jan17

Chaves D'Aurora


1600-chavesdaurora

 

  1. DIVERSÕES DOMÉSTICAS.

 

Depois da ceia, Arminda e Aurélia entretinham-se com os brinquedos, na infância prolongada daqueles tempos, após cumprirem os deveres letivos para o dia seguinte, enquanto, em companhia de Mamã, as irmãs mais velhas bordavam, liam ou conversavam um pouco na sala de estar. Logo após o chá das nove, recolhiam-se todos aos quartos.

 

Sob os sete cadeados patriarcais, assim seguia a vida para as quatro meninas da Quinta Grão Pará. Acerca disso, o próprio Papá dizia – Filhas mulheres, há que se velar como filhotes ao ninho – e todos compreendiam que, se duas pupilas estavam a se mover no rosto dele como rastreadores luminosos, havia outras, múltiplas, invisíveis, a se entronizarem em cada uma das meninas e a acompanhá-las por toda parte.

 

Esses focos de vigília estendiam-se até mesmo aos meninos Afonso e Alfredo, ainda que lhes fosse dada uma relativa liberdade, porque, como dizia João Reis – Os filhos homens sabem o que devem cuidar, não precisam guardar o que trazem entre as pernas, apenas ter siso e juízo, para que suas preciosas chaves sejam usadas de bom jeito e não façam mal à fechadura de ninguém.

 

Gostava às meninas que Afonso trouxesse os amigos putos a casa, pois eram ocasiões em que, entre merendas, jogos de salão e os olhares vigilantes de Mamã e dos próprios manos, podiam se dar a digressões adequadas entre rapazolas e mocinhas de boa família. O que mais agradava a todos eram as adivinhações que Aurita aprendera com as criadas, muitas vezes bem picantes, embora a menina continuasse a demonstrar certa ingenuidade (de facto, a malícia nunca lhe houvera de ser uma caraterística na vida).

 

Dentre as várias adivinhas, em geral inocentes, ou seja, apropriadas ao ambiente familiar, Aurora propunha também algumas que faziam corar os jovens, além de deixar os irmãos menores sem ver o boi. Os miúdos, no entanto, embora não pudessem alcançar os duplos sentidos e, portanto, ficassem sem saber nem metade da jocosa missa, riam por afinidade. A Nonô, tampouco ela risse por dentro, tais adivinhações causavam pudicos embaraços. Ao Afonso e demais rapazes, produziam risos meio gaguejantes, que alguns tentavam esconder com as mãos à boca ou à cara total. Eram do tipo – “Qual é a coisa, qual é ela, que roça na minha perna, quando sobe ou quando desce e, quanto mais no meu pelo roça, mais pra cima ela me cresce?” – ou então – “Tenho um brinco, c’o brinco, brinco, já do brinco me aborrece, quanto mais c’o brinco, brinco, mais o meu brinco me cresce”.

 

Sobrevinha então um silêncio constrangedor, até que ela dissesse – mas é meia, ora pois, meia comprida de mulher! – e todos se aliviassem, a uma risada geral. Aldenora, porém, logo estaria a correr até Mamã, que de nada se apercebera em seus afazeres domésticos e se punha a aborrecê-la com suas quezílias junto à irmã. A rapariga estava sempre ansiosa por relatar à Mamã as indecências que a mana tinha aprendido com as criadas no borralho.

 

Depois que os colegas saíam, Afonso vinha muito sério até à irmã, a fim de repreendê-la. Apesar de sua condição de filho homem, naqueles tempos de plena supremacia masculina, talvez porque um ano mais novo do que a irmã, o rapazola não conseguia ter com Aurita a mesma autoridade do pai. Dizia apenas – Peço-te, minha irmã, não faças mais isso! Nunca mais estejas a dizer tais adivinhas, que eu não sei quem t’as ensinou e tu, ao que parece, nem alcanças de facto o que aprendeste!

 

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