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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

07
Fev17

Chaves D'Aurora


1600-chavesdaurora

 

  1. DAMA DA CAROCHINHA.

 

Mamã afeiçoara-se a Adelaide, desde a primeira vez em que se conheceram. Às vezes ousava dizer ao marido sobre tão improvável amiga – Pois a mim, agrada-me a sinceridade dela e a sua... a sua… (a palavra não lhe vinha: espontaneidade). Nem todos conseguem, como ela, tapar a boca ao mundo. Pelo menos quando as línguas ferinas estão diante de si. – Adelaide, no entanto, era portadora de uma fina educação, que recebera em um colégio de freiras de Coimbra. Desses tempos e desse claustro, quando estava a sós com Florinda, narrava cada história escabrosa que fazia Flor suplicar – Para, Dedé, para! Isso cá já me é demais! – e no entanto, quando necessário, a viúva sabia portar-se com muita dignidade e compostura. Sabia exprimir-se em mais de três idiomas e era portadora de certa erudição, adquirida em muitas leituras, ou em viagens aos grandes centros culturais da Europa de então. Tudo isso a tornava uma exceção entre as senhoras flavienses. As da chamada elite esquivavam-se de convidá-la para suas receções formais, porém vinham sempre lhe bater à porta, a fim de pedir óbolos destinados aos bazares beneficentes, ou que ela própria coordenasse a arrecadação dessas rendas e, até mesmo, animasse o giro das tômbolas, para o sorteio das prendas.

 

Livremente católica, como ela própria se dizia, a alegre viúva conjugava suas ideias com as do senhor Allan Kardec e muito lhe apetecia falar de reencarnação. Dizia que, em outra vida, tinha sido uma cigana espanhola de vida libertina, “Cármen, la Habanera”, assassinada por um jovem soldado enciumado que, no entanto, dizia amá-la demais. Aliás, quando começava a falar sobre os ciganos, havia que dar um jeito de fazê-la parar, antes que se estendesse pela tarde afora. Aurora, porém, ficava embevecida, atenta aos mínimos detalhes narrados pela excêntrica senhora, especialmente quando esta discorresse sobre os vastos conhecimentos que realmente detinha acerca dos hábitos e tradições gitanas.

 

Algumas vezes, porém, os cavaqueios tornavam-se chocantes para as meninas, se estas se achassem presentes à sala de visitas. Era quando a açoriana discorria sobre as coisas do mundo, expressão que ela própria utilizava para falar de certos comportamentos que elas, as mulheres da Quinta, nunca poderiam supor que existissem, como algumas histórias entre rapazes ou entre moças, em Paris e Berlim. Adelaide, porém, sabia como não se deixar exceder, sobretudo quanto a frases e contos chulos ou explícitos e, quando pressentia estar quase a ultrapassar as marcas, cessava o dito e olhava para Mamã – Mas ó Flor, de que é mesmo que estávamos a falar? – e passava à digressão de amenidades.

 

Apesar de tais incidentes, o que mais agradava a Flor era que as meninas também pudessem compartilhar de alguns momentos alegres e divertidos com essa mulher, de grande espírito, inteligência e senso de humor. A João Reis, porém, não gostava a presença da açoriana em sua casa. Era a velha falta de tolerância para com os outros, sobretudo os diferentes de nós ou de nossa tribo. Chegou a dar ordens expressas para que nenhuma de suas filhas entrasse na sala, quando aquela senhora lá estivesse. Apesar de toda a consideração de Mamã ao patriarca, até mesmo certo temor pela sua conhecida severidade, graças à qual ele se fazia respeitar, essas ordens, todavia, jamais foram cumpridas.

 

Ainda que, ao se recolherem aos quartos, as raparigas rissem muito, a caçoar de alguns caracteres da visitante, todas elas queriam muito bem a Dedé e se alegravam bastante, quando viam (ou melhor, ouviam) a Carochinha chegar aos portões da Quinta. À caçulinha, porém, como Arminda era tratada, aos modos do Brasil, não agradavam as excentricidades no vestuário da parenta. Desde miúda, apreciava os elegantes vestidos que eram mostrados nas revistas de moda de Paris e que o Papá fazia chegar de Lisboa, para sua Menina Flor. Mamã então, após escolher os modelos preferidos para si e as filhas, mandava cosê-los pelas melhores costureiras de Chaves. Quanto ao vestuário mais simples, a própria Mamã o confecionava em sua máquina Singer, o precioso mimo que, em substituição à velha Pfaff, o marido lhe presenteara no último Dia de Reis.

 

 

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