Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

13
Fev18

Chaves D'Aurora


1600-chavesdaurora

 

  1. NAMORO POSTAL.

 

Maior prova de amor entre Sidónio e Aldenora seriam as cartas que se enviaram um ao outro, pela primeira vez e foram recebidas, quase ao mesmo tempo, pelos respetivos destinatários. Ela, a pedir perdão pelas grosserias, em si deselegantes, tão indignas de uma rapariga de bom-tom e, a se valer do ensejo, repetir o quanto amava o nobre rapaz. Ele, a dizer-lhe que a amava demais e, a se valer do ensejo, reiterar que não queria perdê-la, por nada neste mundo, nem em qualquer outro que, porventura, existisse além da vida, além do tempo, além do Universo.

 

Veio a se estabelecer, então, uma “via romana” postal entre Aquae Flaviae e Bracara Augusta, pela qual iam e vinham versinhos, citações e juras de amor eterno, em longas e esmeradas missivas, com as mais bem desenhadas caligrafias. As cartas preferidas eram aquelas em que ele, próximo aos feriados, anunciava que viria a Chaves para rever os familiares e a noiva, esta com quem tanto ansiava constituir, o mais breve possível, a sua nova família.

 

A primeira vez em que Sidónio apareceu de volta ao Raio X, com sua capa e batina, foi um “ai-jesus” geral. De Arminda a Zefa, todos queriam ver o académico de Braga. Até mais do que Nonô, quem se encantava com o uniforme do noivo era o mano Afonso, ávido de ver chegar também o dia de se revestir com uma batina igual. O rapaz não cansava de perguntar ao futuro cunhado sobre a vida universitária bracarense, pois, ao seu modo de ver, esta não deveria ser muito diferente, ou até mesmo aquém, das aventuras juvenis que ele sonhava experimentar em Coimbra.

 

A pedido de Aldenora, os noivos foram ao Estúdio Flavínia para tirar um retrato especial. Ela, com o seu melhor vestido domingueiro. O noivo, ora, pois, de capa e batina.

 

 

  1. ÉCRAN.

 

A um dia invernal de janeiro, mas infernal para as ânsias de Aurora, Hernando reapareceu. Por um feliz acaso, a rapariga estava à janela e ele, chegando a cavalo, estendeu-lhe a mão, envolta na luva cor de morcela e perguntou se, àquela altura, ela estava sozinha. Trocaram então breves palavras, suficientes para que ele dissesse que, à fina força, desejava revê-la. Aurora, contudo, não via onde, nem como, isso haveria de acontecer.

 

Aproveitou-se, porém, de um repentino “cair dos céus”. Alguns dias depois, a adorável Hortênsia, que raramente adoecia, estava agora acometida de uma artrose que lhe causava grandes sofrimentos. Aurélia, sua afilhada e a quem a tia tratara durante a Pneumónica, logo suplicou para se desobrigar da boa ação, por se dizer tomada de pânico, ante a possibilidade de esse mal ser contagioso.

 

Aurora já fizera 21 anos e, portanto, já era emancipada. Lei essa apenas na teoria, porquanto, nas práticas da Grão Pará, isso não era levado a sério por seu pai. A rapariga, no entanto, valeu-se dessa prerrogativa para se oferecer, junto com a Zefa, a representar Lilinha e Mamã numa visita à tia Hortência e, até mesmo, prestar alguns cuidados à boa senhora.

 

Após muito cavaquear e mimar um pouco a tia, esta dormiu e a rapariga, deixando Zefa a tagarelar com a criada da casa, pediu à de Pitões que lhe desse a cobertura estratégica para se encontrar no cinema com uma amiga, menina que conhecera ainda nos tempos da Primeira Comunhão. Zefa custou a concordar – Credo em cruz, Santo Nome de Jesus! Gostava, boamente, de estar sempre a fazer o que a menina me pede, mas isso agora… nem me rogues, Aurita! Cuida que o senhor teu pai… ai, menina, em vez de miolos, parece que tens “aranhas no toitiço”! – mas a criada acabou por dizer sim. Sempre atendia, sorrindo, a tudo que, a choramingar, a rapariga lhe pedisse.

 

“Nas garras do dragão” era o filme de aventuras e mistério, em 12 séries e 24 partes, que estavam a levar no Teatro Salão Maria e que muito agradou a Hernando e Aurita. Em algumas cenas, porém, menos atraentes, Camacho aproveitava para roubar da menina alguns beijos, cada vez mais ousados, ao que a rapariga pedia – Para, Hernandito! Não vamos colocar “a carroça adiante dos bois”! – e era salva, então, pelos sustos que ambos tomavam, quando o sexteto que estava a acompanhar as ações na tela tocava alguns acordes mais agudos e bombásticos.

 

Quando apresentaram o filme “Foot-ball Portugal-Hespanha”, deu isso origem a que os namorados tivessem a primeira briguinha, embora nada grave. É que Aurora sentiu-se um tantinho desconsiderada, durante toda a projeção, uma vez que o amado só tinha olhos para ver o que se passava no écran. Pazes feitas, marcaram outro encontro, dessa vez no Cineteatro Flávia, onde estavam a projetar a película de grande sucesso “Aos Corações do Mundo”, baseada em eventos da Grande Guerra. Prometeu-se mutuamente que, dessa vez, ficariam apenas a assistir o filme. Hernando, porém, acrescentou – Sempre se pode palear baixinho, nas partes menos atraentes... – ao que ela, por uma prudente lembrança de que, a cada mudança de rolo das fitas, acendiam-se as luzes, respondeu com firmeza – Melhor esperar os intervalos.

 

De meados do outono ao começo do inverno daquele mesmo ano, em um cinema ou no outro, enquanto perdurassem as dores de tia Hortênsia ou a rapariga as fizesse perdurar ante os ouvidos de Mamã, Aurita e Hernando viram no écran “Amor de Mãe”, em 7 partes; “Extravagância de milionário”, 5 partes; “Pencudo – Porteiro e Patriota”, cómico, 2 partes; “Matias Sandorf”, adaptação do romance de Jules Verne, em 9 capítulos e 4 partes; “A Herdeira do Rajá”, em 4 episódios e 8 partes e “com a insigne actriz Ruth Roland”; “a esplêndida fita em 6 actos ‘Ferragus, o chefe dos 13’, versão em film do romance de Honoré de Balzac”; e outros mais.

 

Aurora ficava bem triste ao perder a sequência dos filmes longos, que eram exibidos de forma seriada, em dois, três ou até mais dias, como “a grande fita histórica ‘A filha da Condenada’, 16 séries, 32 actos, com 32.000 pessoas em cena”; “O Imperador dos Pobres”, “cine-drama em 18 séries e 36 partes, que reproduz os mais notáveis acontecimentos da vida de Napoleão Bonaparte”; ou “A Bela Desconhecida”, “em 4 jornadas e 16 partes”.

 

Em todas as sessões, a fazer o acompanhamento musical das cenas, ou durante os intervalos, para a mudança de rolo das fitas, estava sempre a animar, com belas peças musicais, o apreciado Sexteto de Chaves. Exibiam-se ao vivo alguns artistas eventuais, em danças ou intermezzos cómicos, como no dia da apresentação de “Os Mistérios de Paris”, extraído do romance de Eugéne Sue, em que “os intervalos foram abrilhantados pela famosa cantora e coupletista espanhola Nita Ibañez”.

 

fim-de-post

 

 

 

Sobre mim

foto do autor

320-meokanal 895607.jpg

Pesquisar

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

 

 

19-anos(34848)-1600

Links

As minhas páginas e blogs

  •  
  • FOTOGRAFIA

  •  
  • Flavienses Ilustres

  •  
  • Animação Sociocultural

  •  
  • Cidade de Chaves

  •  
  • De interesse

  •  
  • GALEGOS

  •  
  • Imprensa

  •  
  • Aldeias de Barroso

  •  
  • Páginas e Blogs

    A

    B

    C

    D

    E

    F

    G

    H

    I

    J

    L

    M

    N

    O

    P

    Q

    R

    S

    T

    U

    V

    X

    Z

    capa-livro-p-blog blog-logo

    Comentários recentes

    FB