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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

24
Nov17

Discursos Sobre a Cidade - Por Gil Santos


GIL

 

Pior a emenda que o soneto

 

No Planalto do Brunheiro, monte sobranceiro à veiga de Chaves, nada medra que não seja centeio e batata. Terra verdadeiramente fria, é varrida pelos ventos gelados que se entalam entre o Larouco e a Padrela. Mesmo o pinheiro bravo tem dificuldade em crescer naquelas terras onde Deus parece nunca ter passado. De arvoredo, só o carvalho negral e o castanheiro encontram guarida, emprestando um verde triste à paisagem.

 

Pelos Santos semeava-se o centeio que havia de se ceifar no estio. Por março, a batata que se arrancava em setembro. A atividade agrícola resumia-se quase exclusivamente a isto, não sei se por falta absoluta de condições para outras riquezas se por inflexibilidade cultural para outras oportunidades. Sei é que quase toda a vida se organizava em função do ritmo destes parcos haveres. Um tempo confrangedor mais próximo da Idade Média do que do Porto!

 

À volta do Carregal, na pujança da primavera, a paisagem desenhava-se no verde viçoso das searas centeias e na cor térrea do solo lavrado, onde irrompiam as primeiras folhitas das canibeques. Mesmo a passarada, por estas paragens, adiava quanto podia o impulso da procriação, aguardando que os carvalhos se vestissem da folhagem necessária para rebuçar os ninhos, o que só acontecia por finais de abril. Andar aos ninhos, por esse tempo, ou aos níscaros por outubro, eram os passatempos preferidos da rapaziada.

 

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A ganapada, que frequentava a escola de Adães, a cerca de três quilómetros que se venciam a pé, no regresso das lições do Mestre Matos, não perdia a oportunidade de procurar uns ninhos de gaio, de melro ou de rola. O Nano, o Gripino, o Taleta, o Marcelino, o Adérito, o Tone Fisgas e eu próprio, competíamos na busca daquelas preciosidades, guardando o segredo o mais que podíamos.

 

Em Adães morava o Ti Temporão, padrinho do Tone. Este visitava-o uma única vez no ano, nas vésperas do seu aniversário. Fazia-o porque sabia que, invariavelmente, lhe cairia uma moedita de cinco paus. Não falhava! Neste ano, vá-se lá saber porquê, em vez dos cinco marréis da praxe, choveram sete e quinhentos. Uma fortuna para o tempo. Porém, o Zé Paranhos, pai do Tone, sabendo da franqueza do compadre, extorquia o metal ao miúdo para torrar em vinho na taberna do Antero.

 

Naquela ocasião, no regresso da escola e na confusão da brincadeira, o Tone nunca mais se lembrou do tesouro que transportava na algibeira. Pelo caminho, passando no Belão, havia uma enorme leira de centeio do Ti Moreiras. Numa borda da seara, um enorme castanheiro dava guarida, todos os anos, a um casal de gaios que aí plantava um repimpado ninho. Quase sempre os gaios desaninhavam sem que a rapaziada lhes chegasse. Isso andava a fazer uma confusão danada ao brio passareiro dos mais afoitos.

 

Ora, nessa manhã, o Nano afirmou a pés juntos que vira o gaio com o cibo no bico a ir para o castanheiro. Por isso determinou que tinham de topar o ninho!

 

O castanheiro era frondoso, imenso, e para encontrar o dito cujo, foi preciso pisar todo o centeio à sua volta. Foi até necessário que alguns se rebolassem pelo chão para verem melhor por entre a folhagem densa. Deu-se com o ninho, mas o pior foi o que aconteceu depois

 

1600-carregal (3)

 

O centeio, à volta do castanheiro, ficou assobalhado de forma irrecuperável e os sete e quinhentos sumiram do bolso do Tone. Procurámos, voltámos a procurar, e das moedas de caravela nem o rasto!

 

A solução foi cortar o centeio para ver se apareciam. Ceifou-se, mas nada!

 

Em frente da leira morava a Tia Maria Simoa que, fazendo jus ao seu estatuto de cusca, apreciou toda a obra.

 

Quando o Ti Moreiras deu com o estrago e se pôs em campo, logo a Tia Maria lhe segredou o nome dos autores. O Ti Moreiras foi ter com o pai do Tone Fisgas e, confrontando-o com a realidade exigiu o pagamento dos estragos. Foi acordada a importância de quinze escudos e com desconto, uma vez que o neto do Ti Moreiras também estava envolvido!

 

Coitado do Zé Paranhos! Nesse ano não só perdeu o direito ao presente de aniversário do rebento, como ainda teve de desembolsar o que não tinha para pagar as traquinices do pimpolho!

 

Em vez de matar a sede na tasca do Antero afagou-a num estadulho da acarreta que estendeu pelo lombo do Tone.

 

Claro que não lhe daria o mesmo gozo do tintol da tasca do Antero! ao Tone muito menos, pois passou uma semana de molho!

 

Coisas da vida!

Gil Santos

 

 

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