Pedra de Toque - Há pessoa que...
HÁ PESSOAS QUE…
Há pessoas que não se deixam adivinhar.
Escondem-se no mistério, envolvem-se no enigma.
Revelam-se inteligentes, transpiram sensibilidade, mas receosamente não se mostram.
Escrevem com oportunidade, e com frequência colocam beleza nas palavras com que comentam.
Não despem contudo a capa em que se embuçam e com que se cobrem.
Parecem sofridas, de mal com a vida, não resolvidas, incapazes de procurarem mundo, de ultrapassarem certo desencanto que se pressagia.
Inebria-as a neblina, o breu, o cair da noite nas cidades.
Deixam murchar as flores que colhem, o sorriso que muito timidamente se vislumbra na boca, nos olhos.
Não permitem que se vejam as suas carências as suas dores por falta de afectos, por ausência de ternura.
Perante essas pessoas, qual marinheiro em mar revolto, eu sinto uma vontade indómita em navegar para a descoberta.
Palpita-me que por detrás de todos os véus, essas gentes estão com fome da justiça possível, do colo sereno e repousante onde se pode dormir e desdormir.
E claro, está sempre o desejo contido do amor, nem que seja por meros instantes, mesmo que ele “só seja eterno enquanto dure”.
Parafraseando-o, com a devida vénia, direi como sociólogo polaco Zigmunt Bauman, “o amor é mais falado que vivido e por isso vivemos num tempo de secreta angústia”.
António Roque