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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

22
Mar18

Pergaminho dobrado em dois


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CRÓNICA #3 – O meu pai

 

o meu pai. esse homem que continua imerso na profundidade do rio verde em que mergulhou, por vontade própria, eu diria. ele que tocava com cada dedo das suas mãos estreitas e angulares e rugosas pelo piano perdido e velho lá de casa. ele, o meu pai, sempre revelava a sua vontade de me ver crescer. ver-me homem, como ele. esse sentimento de dever cumprido, de “já posso morrer”. tinha esperança em mim. embora ele diga que a esperança é coisa de velho. ele já é um velho, sem a força dos vinte anos. com a velhice perde-se mais do que se ganha. o homem mais profundo e inteligente que conheci. o meu pai. conheci-o perto dos meus cinco ou seis anos. até lá tratava-o como “dani”. para mim ele era esse. o pai veio a seguir. o apelido apaixonado que a minha mãe lhe tinha dado quando se conheceram. então copiava-a. chamava-o dezenas de vezes quando queria um beijo do seu marido ou quando precisava dele na mesa ou para me segurar enquanto limpava o pó que mais ninguém limpava. “vamos brincar filho”. Eu ia. brincava sempre que podia, o meu pai. ora no corredor lá de casa, escorregadio e bem decorado. ou no pátio modesto que fazia uma paralela com a casa do Sr. Domingos. não havia nada que me impedisse de brincar com ele. o meu pai sentava-se no chão. a vontade dele para viver continuava a ser igual. hoje continua, mas já não consegue. está velho. pede-me para lhe pôr água no copo. a força daquele braço direito esgotou-se como um fim de dia de um animal de caça. fiquem sabendo que o meu pai é o melhor do mundo, dizia sempre de mim para mim. naqueles dias em que o mundo não prestava. quase sempre não presta. tem dias. por exemplo, quando vejo o meu pai. no canto da sala a ler. como ele lê. já devorou mais de uma biblioteca e meia. ele disse-me um dia que os livros o tinham salvado. foi por causa dele que comecei a ler. tinha treze anos, lembro-me bem. deu-me um livro para as mãos. e foi a partir daí que ganhei verdadeiramente o gosto. Oscar Wilde, o retrato de Dorian Gray. sublime. a minha juventude, como vocês devem ter percebido foi vivida com uma grande angustia. odiava todo o mundo, mas fingia. os livros ensinaram-me a fingir, a fugir, a integrar e a excluir. voltando ao meu pai. não havia nenhum dia que me dissesse, A vida é um teatro aberto com poucas cenas, quase nenhuma didascália, e quando o pano fechar, os olhos apagam-se, aplaudem-te como se merecesses, choram-te de pura ignorância sem nunca terem percebido a tua personagem, lamentam-se, mas não te podes esquecer que eles também estão a contracenar uns com os outros, não devemos levar tão a serio as homenagens póstumas. quero muito ser como o meu pai. viver uma vida à parte. ter o meu próprio mundo. fugir das pessoas como se foge do mais repugnante inseto. e ter historias para contar. um dia ele morrerá. como todos nós. e uma voz, a dele, vai subir ao mais alto cume da minha insignificância e dir-me-á: “life… is a tale Told by na idiot, Full of sound and fury. Signifying nothing”. como ele gostava de Shakespeare.

Herman JC

 

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Fotografia de Herman JC

 

 

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