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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

12
Mai18

Orjais - Chaves - Portugal


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Neste percurso pelas aldeias do concelho de Chaves, no último sábado fomos aqui ao lado da cidade, até Noval. Pois hoje vamos um bocadinho mais distante, até uma das nossas aldeias de xisto, já na raia com a Galiza, por um lado, mas também com terras de Vinhais para a qual Orjais lança os seus olhares. Penso que entre Noval e Orjais não há nenhuma afinidade, mas para mim há, mais à frente compreenderão…

 

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Uma aldeia que para nós foi de difícil descobrir na sua intimidade e alma, tudo por causa de uma noia nossa de partirmos para as descobertas às cegas, sem qualquer informação prévia, sem sermos influenciados por outros olhares, talvez na ânsia de sermos surpreendidos com tesouros inesperados.

 

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E foi assim que passei por lá uma, duas, três vezes, talvez até mais, lançava meia dúzia de olhares e voltava para trás desiludido, sem sequer me dar ao trabalho de parar e sair do popó. Desde a entrada da aldeia com uma pequena reta a terminar nas vistas de uma igreja de construção mais ou menos recente, até um pouco mais à frente entrar na aldeia, toda ela mais ou menos recente com a arquitetura mais comum dos finais do século passado. Sem nada contra aquilo que ia vendo, não era, no entanto, aquilo que eu queria encontrar e ver, ou seja, as nossas tradicionais aldeias antigas e seculares.

 

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E assim foram as minhas primeiras abordagens à aldeia. Achava estranho existir por ali uma aldeia nova sem qualquer razão aparente de ali ter nascido, mas como logo a seguir à saída da aldeia, dependendo da direção que tomasse, passava por São Vicente da Raia ou pela Avelada, depressa esquecia Orjais, sem sequer refletir nos porquês de Orjais ser assim ou tentar encontrar uma razão lógica para assim ser.

 

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Não há duas sem três nem três sem quatro, ou cinco ou seis. Tempo depois, estando eu no sossego da noite, em casa, veio-me Orjais à lembrança, e mais uma vez a estranheza de ser como era. Fui refletindo na tentativa de encontrar a tal explicação que me faltava para compreender e disse para mim mesmo que não podia ser assim como era, tinha de haver mais qualquer coisa. Na altura ou desconhecia ou não tinha a facilidade de recorrer ao Google Earth para aceder às imagens aéreas, recorri às cartas militares à escala 1:25.000. São preciosas estas cartas, não lhes escapa nada, e se Orjais tivesse mais alguma coisa para mostrar, tinha de estar lá. E então não é que estava mesmo. Um conjunto de quadradinhos à margem da aldeia nova, quadradinhos esses que nas cartas militares são construções, só podiam ser da aldeia histórica e antiga de Orjais, aquela que eu ainda não tinha descoberto. Só não fui nesse momento a Orjais porque era de noite e já avançada.

 

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Lugo que pude lá fui eu e a aldeia de Orjais que eu queria descobrir lá estava ela, surpreendente, cheia de história e de estórias, um encanto de aldeia de xisto ainda com gente dentro, mais idosos, tal como a aldeia, bem velhinha por sinal e também a acusar e ressentir-se da idade e da modernidade, com algumas ruinas pelo meio e abandonos, o normal nas nossas aldeias que nos levou a ser uma por nos eleita para fazer parte de uma reportagem sobre o despovoamento rural, numa ação a que chamámos “Repórter por um dia” em que reuniu mais de uma dezena de fotógrafos e uma jornalista profissional, que resultou em várias reportagens em blogues e no Jornal “A Voz de Chaves”, esta de autoria de Sandra Pereira. Para recordar vamos de seguida aqui deixar aquilo que estão foi escrito e mostrado sobre Orjais.

 

Repórter por um dia na freguesia de São Vicente da Raia: 


(extrato/reposição) 

 04.04.2013

(...)

 

 

Estas aldeias raianas só são para velhos

 

Que contam as rugas das gentes que ainda habitam o nosso mundo rural? O que sentem quando vêem os filhos partir para regressar “de longe a longe”? Como lutam contra o isolamento e resistem à solidão? Respondemos ao apelo de um projecto de Animação Sociocultural do pólo de Chaves da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) – desenvolvido em parceria com a Associação de Fotografia e Gravura Lumbudus – e subimos pelas artérias da freguesia mais distante da “civilização” flaviense, São Vicente da Raia, até chegar ao coração de xisto das suas aldeias, abandonadas na serra raiana.

 

Por Sandra Pereira

 (...)

ORJAIS.

Finalmente surge aqui a revolta. “O meu nome é Manuel Fernandes e pode-me mandar para a prisão por aquilo que digo!”. Numa encosta longe da estrada principal e da vista, a aldeia de xisto esconde uma beleza singular e até vestígios de ocupação judaica. Toda a gente diz que “isto está mal”, que o Governo devia ajudar as aldeias em vez de “mandar os jovens emigrar”, mas sem convicção, pois hoje já ninguém acredita em nada. Manuel enerva-se e grita contra os políticos do pós 25 de Abril que “não souberam dirigir o dinheiro que havia” e deixaram que a sua linda aldeia chegasse ao ponto a que chegou, que até para ver futebol tem de ir a S. Vicente porque não se lembraram de lá fazer chegar a TDT. “Ninguém olha para o pobre! Gostava que me deixassem ir à televisão a Lisboa!”.

 

 

Manuel ainda se lembra de haver 12 rebanhos de ovelhas e 40 cabeças de bovino em Orjais. Hoje só um rebanho e nenhum gado. Habitam aqui cerca de 50 pessoas, uma única criança de 7 anos, e só duas casas é que não têm reformados. “Há mais pessoas no cemitério do que a viver cá!”.

 

 

Ninguém passa por Orjais”, confirma Nestor Santos, 45 anos. “É bonita como quem diz!”, desabafa, para não dizer que é pobre… e triste. É dos poucos que regressou à aldeia para não deixar a mãe sozinha, (...). Já pensou voltar a abandonar a terra, mas “agora é que não há muitas oportunidades para sair…”.

 

 

Antigamente, “havia agricultores na freguesia que colhiam 30 mil quilos de batatas e vendiam-nos!”, recorda Antenor dos Anjos, presidente da junta de S. Vicente da Raia há 24 anos. Ainda acredita que a solução para inverter os números da emigração é voltar a cultivar os terrenos com os devidos apoios, apostando nas cooperativas agrícolas e no turismo rural. Contudo, admite que “um presidente de junta pouco pode sem a ajuda da Câmara”, que também “pouco pode para as aldeias sem a ajuda do Governo”.

 

(...)

 

 


 

A reportagem de Sandra Pereira, também colaboradora deste blog que esperamos ter de regresso, continuava com uma abordagem às restantes aldeias da freguesia de S.Vicente da Raia. Reportagem que pode ver aqui na íntegra:

Repórter por um dia na freguesia de São Vicente da Raia

 

Até amanhã!

 

 

 

30
Ago16

Intermitências


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O Arquipélago

 

 

Existe uma ilha onde devo chegar, mas desconheço-lhe o paradeiro. Sei da sua existência, mas nunca ninguém lá esteve para me indicar a direcção que devo seguir para encontrá-la. Desde que desconfio que ela seja o meu lugar neste mundo, procuro incessantemente o caminho para lá chegar.

 

Por enquanto, continuo a percorrer o arquipélago. Navego sem fim à vista, enfrento tempestades, sigo rotas erradas, por vezes naufrago e devo reconstruir outro barco, mas sei que não posso abandonar esta viagem e regressar ao porto seguro. À chegada, está o meu destino e a minha razão de ser.

 

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  Ilha Terceira, Açores, Janeiro 2016 - Foto de Sandra Pereira

Esta ilha está dentro de mim mesmo. Esta ilha sou eu. Esse território é um mundo, o meu mundo, aquele onde sou. Alguns chegaram muito longe nas suas explorações, muitos ficaram às suas portas, a maioria desconhece que existe um território assim. Eu vagueio pelo arquipélago, sulcando cada onda com paciência. Em cada naufrágio, a minha fé é a minha única tábua de salvação. Desconheço o paradeiro da ilha onde devo chegar, nem sei se algum dia a alcançarei, mas já ter chegado a este arquipélago é a minha bonança.

 

Sandra Pereira

 

 

09
Ago16

Intermitências


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A Vida é um Milagre

 

 

“Um dia, vais ter a certeza de que a vida é um milagre. Depois, ao constatares que aconteceu uma vez, vais-te dar conta de que pode acontecer duas, ou três, ou mais e mais... Começas a acreditar no surreal, pois vês que tudo mesmo é possível e não são apenas ideias e sonhos. Começas a ver a beleza das coisas e a sonhar mais alto. A partir daí, só tens de aprender a controlar a tua impaciência – pois os milagres acontecem no momento justo e não quando tu desejarias –, a tua preguiça, a tua inércia, os teus vícios, os teus impulsos... Quando o conseguires, te garanto meu filho, passarás a desfrutar plenamente da beleza e do surreal que é a vida. Irá aparecer da nada gente no teu caminho que também já conhece essa verdade, e então serás verdadeiramente feliz. Lembra-te: essa felicidade não irá depender do que tens, mas apenas do que sentes.”

 

Quando a minha avó me disse estas palavras, pensava que eram histórias de encantar, para me dar ânimo para aguentar as amarguras da vida. Estávamos sentados debaixo do pomar do jardim de sua casa e ela estava gravemente doente. Nesse dia, ela quis transmitir-me o que a vida lhe tinha ensinado em 80 anos. Fora um caminho largo, difícil e sofrido, disse-me, mas agora sabia do que se tratava a vida e sentia-se em paz e feliz, mesmo após a morte do meu avô.

 

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Ilha Terceira, Açores, Janeiro 2016 - Foto de Sandra Pereira

 

 “Eu penso coisas, mas digo e faço totalmente o contrário... Não consigo controlar”, respondi-lhe.

 

“Até aos 30 anos não tens de te preocupar, tudo aquilo que fizeres é para aprender. Tem paciência. Quando isso acontecer, lembra-te de sorrir e de que tudo o que dás volta a ti, tanto o positivo, como o negativo.”

 

E é isto. O legado da minha avó era difícil de atingir, mas simples de entender. Para mim, o facto dela ter existido já era um milagre.

 

 

Sandra Pereira

 

 

04
Ago16

Discursos (emigrantes) Sobre a Cidade


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A Lei do Medo

 

            Vivemos tempos conturbados e cheios de interrogações. A Europa ocidental vem gozando desde há uns anos tempos de paz e já todos se habituaram a ver os conflitos nos ecrãs de televisão e páginas de jornais, como se fosse uma série de ficção ou algo fora da sua realidade. Nada mais ilusório e ingénuo, pois a violência, a agressão, a morte, a pobreza extrema e a injustiça continuam a suceder por todo o nosso planeta e a Europa ocidental não é, nem nunca foi, inocente nem neutra no seu contributo... Exemplo disso aconteceu bem recentemente com a tragédia de Nice, em que logo após o ataque de 14 de Julho, o presidente francês veio afirmar alto que a França iria reforçar os ataques na Síria e no Iraque. Pois é, já diz o ditado popular que “quem vai à guerra, dá e leva...”, como podem os franceses, orgulhosos de viver no país onde nasceram os Direitos Humanos, ignorar e tolerar esta escalada de violência?

 

            Nestes tempos conturbados e cheios de interrogações, os meios de comunicação social – tampouco inocente e neutros – alimentam a lei do Medo que se instalou na Europa ocidental, com preconceitos, meias e falsas verdades, “não notícias” que servem para desviar a atenção do essencial, “opiniões” suspeitas e partidárias. É fácil apontar o dedo à religião, à intolerância, à diferença de costumes, aos poderosos, à ganância do dinheiro. Certo é que a Terra é só uma e de todos os seres humanos, que são iguais como tais. As fronteiras e as “regras do jogo” foram criadas pelos próprios seres humanos que optaram por “dividir para reinar” em vez de unir em nome da justiça e paz social. Até quando vamos tolerar tanta injustiça e desigualdade? Até quando vamos continuar a viver a lei do Medo que nos paralisa e nos torna indiferentes ao sofrimento e à dor humana? Em que sociedade queremos viver e qual queremos deixar para os nossos filhos e netos?

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            Nestes tempos conturbados e cheios de interrogações, há que começar a pensar, a debater ideias e formas de agir com a gente que cruzamos cada dia. As grandes mudanças começam sempre com pequenos passos e sobretudo com novas formas de pensar. Porque a Paz é algo tão difícil de alcançar se o desejo de todo o ser humano é ser feliz e o planeta chega para todos? A “Terceira Guerra Mundial” que os media se deliciam a sugerir para manter a lei do Medo não irá acontecer se tal não for a nossa vontade.

 

            Reflicta-se bem em tudo o que aconteceu na curta história de vida da Humanidade. A culpa não é ninguém, a culpa é de todos. Coragem para assumir ideias justas para todos e juntar-lhe os actos certos procura-se. O amor pela Humanidade pode ser a resposta justa.

 

Sandra Pereira

02
Jun16

Discursos (emigrantes) Sobre a Cidade


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A Viagem

 

Dentro, somos muitos.

Somos de toda a terra que nos viu nascer e nos acolhe.

 

Foto 1 - Sighignola, Itália, Maio 2016.jpgSighignola, Itália, Maio 2016 - Foto de Sandra Pereira

 

Somos de todo o ceú que nos ilumina e dá fé.

 

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Foto de Sandra Pereira

 

Somos de todo o mar que nos dá fôlego e alento para sentir-nos vivos.

 

Foto 3 - Cagnes-sur-Mer, França, Maio 2016.jpg Cagnes-sur-Mer, França, Maio 2016 - Foto de Sandra Pereira

 

Somos da lua e de toda a noite escura que guarda os nossos mistérios e segredos mais íntimos.

 

Foto 4 - Estocolmo, Suécia, Maio 2016.jpg

Estocolmo, Suécia, Maio 2016 - Foto de Sandra Pereira

 

Dentro, somos muitos. A nossa terra é o mundo. O nosso mundo é a terra. A nossa vida é uma viagem, cuja verdadeira descoberta, já dizia o escritor Marcel Proust, consiste não só em ver e buscar novas paisagens, mas em ter novos olhares.

Sandra Pereira

 

 

24
Mai16

Intermitências


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O Umbigo

 

Esta é a história de um umbigo.

 

Este umbigo já foi feliz e também já foi triste, mas nunca este umbigo foi tão grande e livre como é hoje.

 

Sempre quis ver o Sol brilhar, sentir o vento e refrescar-se com a água, mas nem sempre a vida lhe foi fácil. A maioria das vezes, era-lhe negada essa liberdade, mesmo que o Sol brilhasse, o vento soprasse ou a água o convidasse a resfrescar-se. Viveu durante muito tempo na escuridão, só, dentro do próprio umbigo, reprimido.

 

Com o tempo, tudo foi mudando, veio a liberdade. Viva a liberdade! Viu o Sol brilhar, sentiu o vento e refrescou-se com a água. Uma e outra vez. Tantas vezes! Quis mais liberdade. Conheceu e começou a relacionar-se com muitos outros umbigos. Quis mais liberdade. Porque contentar-se com o Sol, o vento e a água se podia obter mais para o seu próprio umbigo?

 

O Umbigo.jpgLago di Como, Itália, Maio 2016 - Foto de Sandra Pereira

 

E então chegou a tecnologia. Essa ilusão maravilhosa, que prometeu que tudo seria possível, e mais próximo, e mais rápido, e melhor. Na verdade, nunca foi tão fácil sentir-se próximo de todos os outros umbigos deste planeta. Mas com tantas possibilidades, o umbigo cresceu demasiado e nem se dava ao tempo de saborear cada coisa. Queria viver muito, queria experimentar tanto, queria provar tudo!

 

Nesta euforia, o umbigo não desfrutava realmente do seu umbigo nem se dava conta se apreciava o que vivia, experimentava e provava, ou se o que vivia lhe aportava uma vitória pessoal, uma aprendizagem, uma evolução. O umbigo não era capaz de simplesmente.... fazer escolhas. O umbigo tinha oficialmente ganho a liberdade, mas também a angústia de não saber o que fazer com ela. Começou a sentir-se confuso, e pressentiu o mesmo sentimento nos outros umbigos que conhecia. Só que nenhum se atrevia a quebrar a euforia dos tempos modernos nem a maravilhosa ilusão da liberdade, da proximidade, a magia do instantâneo. Como todos os outros, o umbigo voltou-se cada vez mais para o próprio umbigo.

 

A euforia abrandou, mas o umbigo não se rendeu à insatisfação do próprio umbigo. Era livre! Simplesmente deixou de correr atrás da ilusão do tempo e abandonou-se à sua passagem...

Sandra Pereira

 

 

05
Mai16

Discursos (emigrantes) Sobre a Cidade


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“Hoje há circo em Trás-os-Montes!”

 

“Viver não custa, o que custa é saber viver!”. Uma das frases marcantes do livro “Hoje há circo em Torgo”, obra do Fernando Morais Castro, aliás do Fernando Dadim, um “flaviense de coração” que, antes de partir do mundo físico, deixou a sua marca perpétua na escrita. E que marca! Hoje emigrada por outras terras, ler a sua obra, além de recompensar o seu árduo trabalho, transportou-me de volta às minhas raízes, ao meu passado, a todas as crenças, costumes, hábitos e velhos ditados da minha terra, Trás-os-Montes. Lê-lo despertou em mim tanta emoção, sorrisos e saudade, que não posso deixar de lhe dedicar um espaço nos Discursos (Emigrantes) sobre a Cidade.

 

Ao regressar ao Trás-os-Montes dos anos 50, quando as crianças iniciavam a aula com o cantar do Hino Nacional, este é (também) um livro sobre a vida. E o que era a vida na nossa região, dentro de um país salazarista com necessidade de mudança de regime? “é a comédia que representamos, e mesmo quando nos possamos embebedar é o momento em que assumimos essa nossa condição de comediantes que a sociedade permite”.

 

Neste “circo da vida”, mergulhamos nos costumes, virtudes e pecados transmontanos, que explicam o que somos hoje e que até persistem, apesar do “progresso” que na altura gerou tanta desconfiança e cepticismo. “Não credes em nada, ainda acabais por deitar tudo a perder!”, aconselha-se em mais uma comédia portuguesa do “rir para exorcizar”.

 

Fernando Dadim na Biblioteca Municipal de Chaves,

 Fernando Dadim na Biblioteca Municipal de Chaves, em Junho de 2011 - Fotografia de Sandra Pereira

 

Aqui, nesta Vila Pequena que parece Chaves e neste Torgo que parece uma das nossas aldeias, também se percebe como os temas tabus – divórcio, homossexualidade, aborto, infidelidade e libertação da mulher – eram discutidos, em surdina, numa sociedade profundamente dividida em classes e baseada em aparências, muitas vezes com métodos “pouco católicos”, como explica a personagem Gualter a um visitante francês: “Os lisboetas dizem que nós, os transmontanos, somos os sicilianos de Portugal”. Com uma particularidade: “honestidade, honra e lealdade nos negócios privados, mas no que diz respeito à lealdade ao Estado impera o princípio: o que é de todos não é de ninguém!”.

 

Recordo-me bem ter estado presente na apresentação desta obra, em Junho de 2011, na altura como jornalista da “Voz da Chaves”. Apenas sete meses depois, em Março de 2012, Fernando Morais Castro, o “leitor mais assíduo da Biblioteca de Chaves”, voltaria a marcar presença, sempre nesse mesmo espaço, para apresentar a sua terceira obra, “O Suicídio dos Pássaros”, (a estreia seria com “O Enjaulado”), que desta vez retrataria os vícios e virtudes dos jovens flavienses marginalizados da sociedade.

 

Ler Fernando Dadim soa tão familiar, que é imprescindível para as gerações mais jovens entenderem a sua história e identidade, além dos preciosos relatos e legados dos mais velhos. Ler os nossos escritores transmontanos regala-nos e enche-nos a alma, deixa-nos seguros que o nosso passado define o nosso carácter e que, em qualquer época, sempre podemos sonhar.

Sandra Pereira

 

 

26
Abr16

Intermitências


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Primavera

 

Nada de novo nos últimos meses. Os dias seguiam-se uns aos outros, sem surpresas, rotineiros. Ia para o trabalho, voltava para casa, sempre de cabeça baixa e olhos no chão. Que vida esta, pensava, escravo do trabalho...

 

Nada de novo nos últimos meses. Não tinha feito amigos novos, não tinha conhecido lugares novos, não tinha tido conversas interessantes, não tinha aprendido nada de novo. Ia para o trabalho, voltava para casa, sempre de cabeça baixa e olhos no chão. Que vida esta, pensava, escravo do trabalho e do lugar onde vivo...

 

Primavera.jpg

 Fotografia de Sandra Pereira

 

“Pode por favor olhar para mim quando lhe falo?”

 

Levantou a cabeça e viu uma bonita senhora servir-lhe o café acompanhado de um belo sorriso. “Não olhe para o chão a não ser que estejam aí as estrelas!”.  Ele agradeceu e decidiu seguir o conselho.

 

Saiu à rua e levantou os olhos. Viu um ceú azul, árvores em flor, pássaros a cantar, cães humidelmente alegres, e rostos de pessoas. Alguns sorridentes, muitos não. Olhou nos olhos cada rosto que se cruzava com ele. Não todos, porque muitos também andavam sempre de cabeça baixa e olhos no chão ou no telemóvel. Mas quando lhe retribuíam o olhar, sentia sempre um arrepio. Parecia que conhecia cada pessoa com que se cruzava, que sabia o que pensavam e sentiam. Pareciam-lhe tão humanos... quanto ele.

 

Sorriu. Era Primavera.

 

Sandra Pereira

 

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