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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

01
Ago12

As mantas de Soutelo


“Nós, portugueses, estamos não nas vésperas, mas em plena fase de perdermos toda essa riqueza do passado. E (se) não corrermos rapidamente a salvar o que resta, seremos amargamente acusados pelos vindouros pelo crime indesculpável de ter deixado perder o nosso património tradicional, dando mostras de absoluta incúria e ignorância.”

 

Jorge Dias

(A Etnografia como Ciência)

 

Vamos lá então ao assunto que ficou pendente, e é mesmo disso que se trata, de muitos assuntos que foram ficando pendentes ao longo do tempo e que de tão pendentes que ficaram, esqueceram e estão em vias de esquecer para todo o sempre.



 

A fotografia que vos deixei no último post é de uma das afamadas mantas de Soutelo, uma daquelas que em tempos se faziam em quase todas as casas de Soutelo e que, durante todo o ano mas principalmente na feira da lã do dia 30 de outubro da Feira dos Santos eram procuradas por gente de cá, mas muito mais por gente que vinha de fora, de longe, de todo o norte de Portugal e de Espanha. E assim foi sendo até aos inícios dos anos 80. Depois, bem depois vieram as “mantas” por atacado das fábricas, daquelas que se comprava uma e levam-se três para casa, mais um guarda-chuva, mais uma toalha, 10 pares de meias, um pincel e um plástico – tudo ao preço de uma manta. Eram os chineses da altura, também com material da mesma qualidade, que ao contrário das mantas de Soutelo que duravam décadas, os plásticos oferecidos partiam-se na primeira utilização e o guarda-chuva, com sorte, fazia um inverno.



D.Palmira Valtelhas - Antiga tecedeira de Soutelo - 70 anos, ainda com tear montado

Com a concorrência que levou à falta de procura das mantas de Soutelo, mas também das toalhas de linho, das trepadeiras (tapetes), dos liteiros, e de tudo que ia ao tear para utilidade da casa, morreu toda uma tradição mas também toda uma economia que vivia à volta do tear e o que era ocupação da aldeia(s) e de toda a sua gente, pois tudo era produzido na aldeia ou nas restantes aldeias do concelho, desde o cultivo do linho nos campos, passando pelo seu tratamento até chegar a fio de tear, aos abundantes e grandes rebanhos de ovelhas que davam a lã para os cobertores e mantas além de uma série de outros produtos, trabalhos e profissões que se repetiam um pouco por todas as aldeias do concelho e concelhos vizinhos, que com a tecelagem, mas também com outras artes como a olaria do barro preto de Vilar de Nantes, a cestaria, a latoaria, etc., etc., etc.. Toda uma gama de profissões das quais viviam as populações rurais mas também a cidade ao comercializá-las. Mas tudo acabou com a modernidade das últimas 2 a 3 décadas. Resta-nos a fama do presunto de chaves sem presunto ou as réplicas do barro preto de Vilar como quem vende gato por lebre, mas o que mais revolta é que toda a gente assistiu à morte lenta destas atividades artesanais e de vida das populações,toda a gente assistiu à partida dos aprendizes, ao despovoar das aldeias, à invasão dos terrenos de cultivo pelo mato e ninguém fez nada, mas atenção, entenda-se por “toda a gente” aquela que tinha responsabilidades e obrigações em não deixar que tal acontecesse e, essa  gente, é a mesma do costume, políticos e os outros, os que têm outros interesses, interesses simplesmente económicos, em suma,  os que na verdade mandam.



D.Isaura Teixeira da Cruz - Antiga tecedeira de Soutelo - 90 anos, montrando uma das mantas que teceu.


A modernidade era inevitável, mas em vez de se ter assistido à sua entrada e ir atrás dela que nem um maluquinho atrás da banda de música, devia-mos ter feito parte dela, ser parte da banda e da modernidade, tocar os nossos instrumentos, mas, claro, já se sabe que à frente da banda vai sempre o maestro que a rege e na casa da banda há aqueles que angariam e os concertos e que dão condições para que a banda exista, pois aos músicos está reservado fazer aquilo que melhor sabem fazer – tocar. A nós faltaram-nos os maestros e o trabalho de casa que, de tão ocupados que os responsáveis andavam a tratar das ar€ias, dos cim€ntos e do f€rro para o b€tão armado fazer crescer a(s) cidade(s), se esqueceram dos nossos músicos que esquecidos, deixaram enferrujar os instrumentos, mas que ainda sabem tocar… os mais novos foram tocam para outras bandas e os mais velhos, sonham com o ensinar alguém a tocar para ver se conseguem nova banda com maestro.



D.Isaura Teixeira da Cruz - Antiga tecedeira de Soutelo - 90 anos, montrando uma das toalhas em linho que teceu.


Mas voltemos às mantas e a Soutelo onde ainda há muitas tecedeiras mas nenhum tear a funcionar.

 

Num livro publicado por Luís de Carvalho (2008), intitulado  “Tecelagem Flaviense”. O autor fez o levantamento das tecedeiras do concelho onde, nas últimas décadas, havia 39 tecedeiras só na freguesia de Soutelo, das quais 16 ainda com vida. Em Abril deste ano tive oportunidade de entrevistar algumas tecedeiras de Soutelo e a listagem das 16 tecedeiras ainda vivas mantem-se atual. Nas entrevistas realizadas todas as tecedeiras gostariam de ver a tecelagem de volta à freguesia e também de ensinar quem quisesse aprender. No entanto, como em tudo, há a considerar o fator tempo, pois a entrevistada mais nova tem 70 anos e a mais idosa tem 90 anos. Dizem os livros do campo económico e social que para um projeto ser sustentável  e ter sucesso,  tem de envolver as populações locais. Talvez em vez de se inventarem projetos para desenvolver isto e aquilo sem ouvir as populações e que não vão de encontro às suas necessidades e anseios, acabando sempre em projetos fracassados (ou meras intenções de projeto), se devesse apostar antes nos saberes e valores que ainda existem na nossa população rural, envolvendo-os e fazendo-os parte dos projetos, recuperando-se tradições e um meio de vida, se não principal, complementar,  que os tempos de crise ou qualquer tempo recomendam e depois sim, na tal feira dos Saberes e Sabores que se insiste em fazer anualmente com os Sabores e Saberes de fora,  poderíamos ter os nossos sabores com muito mais sabor e os nossos saberes com a sabedoria e a fama que sempre soubemos conquistar, mas para que tal aconteça temos de ter os tais mestres da banda e quem faça o trabalho de casa, depois, é só seguir uma das regras mais antigas das trocas populares, comerciais ou efetivas de - “amor com amor se paga” ou “dar para receber” e todos seriam(os) ganhadores vencedores. Haja nessa gente quem pense nisso, mas o problema parece estar mesmo em pensar, no social!



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