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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

11
Jul25

Vivências


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A primeira subida

 

30 de junho de 1985. Tenho 13 anos e estou colado ao rádio lá de casa a ouvir o relato do União da Madeira – Desportivo de Chaves. Oficialmente, é o último jogo do Torneio de Competência I/II Divisão, mas ninguém conhece esta designação, e todos lhe chamam “liguilha”, uma espécie de mini-torneio entre os segundos classificados da 2ª Divisão (o Chaves, da zona norte, o União de Leiria, da zona centro, e o União da Madeira, da zona sul) e o 13º classificado da 1ª Divisão, o Rio Ave. O resultado final foi 4-3 favorável ao Chaves, mas recordo que o jogo foi, como se costuma dizer muitas vezes, impróprio para cardíacos: o Chaves esteve a perder por 1-0, depois empatou e chegou ao 2-1, mas o União da Madeira ainda voltou a virar o marcador para 3-2, antes de, finalmente, o Chaves chegar ao 4-3. Com o apito final do árbitro, o Chaves estava na 1ª Divisão pela primeira vez na sua história!

 

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1 de julho de 1985. A chegada dos jogadores à cidade aconteceu já ao fim da tarde. Vale a pena recordar que à época não existiam nem A23, nem A7, nem A4 e, portanto, a viagem até Chaves demorava várias horas. E como também não existiam telemóveis, e muito menos Internet ou redes socias, nem sei como é que a hora da chegada foi conhecida. Recordo que a espera foi longa com os meus pais e os meus irmãos, na reta do Raio-X, mas sem qualquer impaciência, pois era um dia histórico para todos os Flavienses. E recordo, também, o Largo do Arrabalde transformado num autêntico mar de gente, com centenas de bandeiras azuis-grená agitando-se no ar. E o lento avançar do autocarro da Auto-Viação do Tâmega que transportava os nossos heróis…

 

Foi há 40 anos! Seguiram-se outras subidas à Primeira Liga, mas por razões familiares não estive em Chaves nesses momentos. Acompanhei sempre os festejos à distância, pela televisão e, mais recentemente, pelas redes sociais, mas parece-me que o ambiente de 1985 nunca se repetiu…

Luís Filipe M. Anjos

Leiria, junho de 2025

 

07
Jul25

Quem conta um ponto...


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737 - Pérolas e Diamantes: O veículo da emoção...

 

Eu não estou à espera que me entendam demasiado depressa. Calma, pessoal. Quem esperou todo este tempo, espera ainda mais um pouquinho. Provavelmente sou eu que não encontro o ritmo. Por vezes escrevo crónicas lentas para leitores rápidos. E outras, provavelmente, escrevo crónicas rápidas para leitores lentos. O espaço usado é de baixo risco para a experimentação. A exposição é limitada. E aqui estou eu, o homem da província, a absorver as sinapses existencialistas do homem da grande urbe. Escrever na província exige algum tipo de coragem. Muitos intelectuais de província consideram-se, até, voluntariamente cosmopolitas. É para lá que vão desovar. Na província continuamos todos a adaptar o famoso sermão de Santo António aos peixes. E por aqui andamos a ler as coisas, a ver as coisas, a sentir as coisas, a provar as coisas e a descrever as coisas que os intelectuais da capital nos aconselham. Como homem de província, sou um pouco alérgico às ciências sociais. Não gosto que me expliquem as minhas origens e as minhas limitações. Já chega viver a realidade. Não quero coabitar também com a sua interpretação. Sim, eu sei, temos que avançar lentamente. Os homens, e, já agora, as mulheres, provincianos, para desenvolverem as mais amplas simpatias humanistas têm de compreender o ponto de vista dos intelectuais da capital. É normal, quando um escritor de província quer escrever uma coisa como um escritor da capital, ter um ataque de pânico. Provavelmente não é ético e muito menos cristão. E, como todos bem sabemos, o intelectual de província é, por definição, e por herança cultural, ético e cristão. Eles têm uma estratégia, mas nós temos um sonho. E o sonho, como diz um poeta de lá, comanda a vida. E o amor leva à compreensão e à partilha. A liberdade também ajuda. Mas a liberdade, como muito bem nos ensinaram os eruditos da capital, é algo de complexo. A liberdade é também um fogo que se alimenta da ilusão. E a ilusão, tal como a esperança, é a última coisa a morrer. Essa gente lá da capital até é simpática. É sim senhor. Mas talvez um pouco frenética. O entendimento e o reconhecimento recíprocos vêm através do amor e da liberdade. Temos de nos amar e aceitar mutuamente. Grande questão: será que queremos ser aceites e integrados numa casa a abarrotar? A liderança moral e intelectual tem de estar em algum lado. Afinal, de que precisam os intelectuais de província? De liderança moral. De liderança intelectual. Todos sabemos, o amor na política é uma coisa estranha. Já no mundo das artes e das letras, é o fator essencial. Eu até era capaz de escrever um poema sobre isso, mas vou conter-me. Volto à questão de há pouco: será que alguém quer ser integrado numa casa a abarrotar? Toda a gente das artes compete pela sua fatia do bolo. Convenhamos que existe muita coisa nesse bolo que não vale a pena comer. Verdade seja dita, a intelectualidade da capital, muita dela tão provinciana como a da província, também se deixa emocionar e acaba a praticar o jogo do faz-de-conta. Com um sorriso plástico no canto do olho. O veículo da emoção é muito poderoso. E a banalidade da vida portuguesa é uma experiência comum. Todos querem fazer parte integrante das próprias coisas que criticam. Será que o que é literário tem valor em si mesmo? O escritor de província é uma espécie de homem invisível. Lá existir existe, mas não se dá por ele. E o rótulo ainda funciona: escritor de província, ou ainda pior, escritor regionalista. Encostam-nos sempre à literatura da sociologia ou à dos calhaus argumentativos. E olhem que não é descabido de todo transformar a sociologia em narrativa literária. Parece que o surrealismo ainda não chegou à província. A verdade é que andamos sempre a dançar a música que eles põem a tocar. As principais estações de televisão, rádio e jornais moram lá. E é para lá que voa toda a passarada. Isto só lá ia com uma revolução. Uma revolução não violenta. Mas dessas já ninguém as faz. É tempo de reclamarmos o poder às províncias. É tempo de deixarmos de escrever poesia e prosa de autoexpressão. É tempo de acabarmos com o fardo da sociologia. De nos deixarmos seduzir pelas padeiras de Aljubarrota dos prémios, das festas e dos cocktails.

João Madureira

 

01
Jul25

Chaves de ontem

Ponte Romana - Anos 20 do Século XX


Ponte Romana- anos 20-1024.jpg

 

A imagem de hoje é dos anos 20 do século passado, ou seja, mais ano, menos ano, foi tomada há 100 anos, tempo em que a ponte romana era a única ponte de acesso à cidade, ou à então vila de Chaves, mas se ainda não era cidade, poucos anos faltariam para o ser, pois ganhou esse estatuto em 12 de março de 1929, um dia que infelizmente tem passado esquecido ao longo dos anos, mas pode ser que daqui a 4 anos alguém se lembre de celebrar alguma coisa...

30
Jun25

Quem conta um ponto...


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736 - Pérolas e Diamantes: E as pessoas a passarem...

 

Entra-nos tudo pela casa dentro. E não é pela porta, mas pela televisão. Tudo num instantinho. Entrevistas e o resto. As figuras ditas públicas, ali em diferido como se estivessem em direto. Ou em direto, como se estivessem em diferido. Tudo uma mentira pegada. Exercícios de vaidade, numa pose arrogante. Sempre a falarem-nos de cima da burra. Entrevistas onde se sente o fingimento, a tomarem posições de falsa generosidade e tolerância. Sempre a comporem-se como quem se arranja ao espelho. Conversas adjetivadas a cheirarem a rosas e a excrementos. Subterfúgios. Desabafos de deitar ao lixo. E os espectadores a olharem para o ecrã, depois para o jornal e também para o livro do Saramago e a começarem por ler as gordas do semanário. E a abrirem a boca de sono. Pois ainda conseguiram arranjar tempo para fazerem compras no supermercado. O Saramago ficará para o fim de semana, como as relações sexuais. E o Lobo Antunes para os anos bissextos. Graças a Deus que este espectador, imaginário, teve tempo e gosto para comprar um romance do nosso prémio Nobel. E outro do romancista que escreve com a mão suplente de Deus. Ainda bem que resistiu ao apelo dos livros de venda imediata. Aos livros de autoajuda. Aos livros de pessoas que falam com Deus, aos livros esotéricos, aos livros pretensamente históricos. O mercado manda em tudo, impondo uma nova forma de vender livros. Até as caras larocas da televisão escrevem livros. Não devemos confundir constantemente as nossas paixões com as nossas ideias. Olho agora para o que escrevi e penso que também eu gostava de ser alegre. Por que razão as coisas bonitas morrem dentro de nós? Eu gosto de Herberto Hélder, mas continuo a não entender as suas vírgulas de amianto e a razão de tanto escrever a palavra sangue. E também confesso que não aprecio a Sophia, nem os seus poemas frios. Estamos sempre nas mãos de outros que decidem por nós. E chamam a isto democracia. Provavelmente será, mas já está na hora de arranjarem uma coisa que funcione com a participação de todos. Este tipo de democracia tem cada vez mais lugares vazios. Criticar a democracia não é crime. Crime é anestesiá-la para que não se mova. Para que não se mexa. Para que não fale. E nós a vivermos em função das referências. Só que quando lhes dá o vento da verdade elas desfazem-se em pó. Grande parte daquilo que escrevem sobre as ditas referências não é verdade e o que sobra é pura montagem cinematográfica. Eu até gostava de ser terno. Mas fui educado a reprimir afetos. Quem gosta de pessoas não necessita de andar a mostrá-lo. Quem exibe os afetos são os hipócritas. Querem uma verdade? Não interessam as quecas que cada um deu. O que agora interessa é continuar a ser capaz de as dar. É uma merda quando a capacidade criativa começa a dar de si. E depois há o egoísmo. E os bifes. E os coitos em cima de pianos. E os orgasmos vitalícios. Bardamerda os falsos Lobo Antunes, Saramagos, Rothes e outros amantes da literatura do autoflagelamento. A esses recomendo os seminários. Ou o cilício intelectual. Eu não acredito na inspiração, apenas no trabalho. Só os parvos dizem que há obras incontornáveis. Nenhuma obra de arte nasce de geração espontânea. Ninguém cria a partir do vazio. O pior é ficar a meio da ponte. Podemos demorar muito tempo no caminho, mas o importante é chegar. Eu não quero trair. Eu não quero trair os meus livros. Os meus escritos. Os meus poemas. Um dia fizeram aquela pergunta parva ao Lobo Antunes sobre quais os livros que levaria para uma ilha deserta. Respondeu que levava livros sobre como construir barcos. Então vamos lá ao ritual. É bom termos a perceção da alegria. Ter tempo para a conversa com amigos. Da minha cidade, gosto da paisagem. E de olhar para as estantes cheias de livros. Alguns têm insónias. Olho para outros e dói-me o abandono da memória. A escrita afeta-nos. A todos. Tudo parece igual mas tudo mudou. A minha mãe fazia tricô. Eu escrevia. Foi com ela que aprendi esse tipo de paciência. Quando mergulhamos dentro de nós, estamos a entrar dentro dos outros. Personagens incluídos. Um escritor amigo disse-me uma vez: “Escrever custa os olhos da cara. Eu a sofrer por todos. E ninguém a sofrer por mim.” E as pessoas a passarem por cima dos livros sem darem por isso.

João Madureira

 

 

 

23
Jun25

De regresso à cidade...


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Cá estamos com mais um regresso à cidade, depois de algumas ausências nos regressos e noutras publicações, ou quase todas, mas o que interessa é estarmos de regresso, haver vamos se também de regresso à normalidade do blog, sem promessas, mas vamos tentar.

 

Para hoje fica uma imagem das nossas muralhas, mais propriamente da muralha seiscentista, ou melhor, de um dos seus baluartes, neste caso parte do baluarte de Santa Catarina dentro do qual se encontra a torre de menagem.

 

Uma boa semana e até amanhã!

 

 

23
Jun25

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735 - Pérolas e Diamantes: É tão bom ter saudades!

 

E por aqui andamos a esgrimir argumentos contra o vento, contra as muralhas de granito, contra as pedras da calçada. Sempre com um descuido infantil que nos leva a ser detestados por uns e mal-amados por outros. E por aqui continua pasmada e blandiciosa a nossa urbe. Todos nós sofremos, sem quebra de vontade, as admiráveis qualidades de quem nos governa. Com candura. Com um certo alheamento real que faz de nós aquilo que somos. Mantendo-nos como reclusos voluntários neste imenso e frondoso jardim, onde corre um perfume almiscarado, auxiliado pelas brisas da montanha. Dando, os mais devotos, graxa aos santinhos, alimentando os brandos costumes, colorindo a mística, praticando os sagrados mandamentos da lei e da grei, submissos uns, insubmissos outros, mas estes últimos já sem o militante ardor fanático. Nisso fomos progredindo razoavelmente por obra e graça do Divino Espírito Santo. Amém. Nos dias de primavera, levitamos como flores nesta prosaica urbe. Uns continuam a professar a sua fé católica e outros a praticar o seu dom, quer ele seja literário, plástico ou musical. Cada um com a sua mania, a que associam o respetivo engenho e arte. Subversão e consciência fazem parte do foro íntimo de cada artista. Por vezes há festa na paróquia, muita dela santa, mas também existe a outra quota parte de pândega profana, altamente subsidiada pelos ilustres autarcas, que não se cansam de esbanjar dinheiro em música pimba, com uma ou outra exceção, e  foguetório preso e solto, tão ao gosto do nosso querido povo povinho povo. Todos entre a dança e a contradança. Todos entre a hóstia e o folar, entre a água benta e o vinho tinto de garrafão. Tudo na boa paz do Senhor. Já não é o bodo aos pobres, mas foi lá que se foi inspirar. Os bons hábitos e os singelos costumes fazem parte da nossa herança cultural. Pai nosso. Caldo grosso. Chicha gorda. Não tem osso. Come tu. Que eu já não posso. Pai nosso. Rilha o osso. Rilha tu. Que eu já não posso. Avé ... Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!!! Pronto. Basta. Chega. De inspiração. As boas práticas e primícias continuam nos Paços do Concelho. E a igreja da diocese continua limpa e bem iluminada, à semelhança e imagem de quem a administra e utiliza. Até já há muito bom jacobino que a frequenta sem que ela lhe caia em cima. Os cérebros dos homens pós-modernos são cada vez mais monomaníacos. Tem dias em que a nossa cidadezinha fica alegre e buliçosa, onde alguns turistas andam à procura de pedregulhos afonsinos embutidos, dos negros brasões e de outras coisas típicas e classificadas. Pelos arredores passeiam os admiradores de pedras, pedrinhas e calhaus, no rasto de dólmenes, castros, torres, calvários e outras pitorescas e respeitáveis ruínas. No burgo, ao entardecer, uns bebem o chá das cinco nas pastelarias e outros o fino das seis nos bares da praça. Nasce e põe-se o sol sempre a iluminar o cinzento das muralhas e as ameias da torre do castelo, onde as andorinhas lançam guinchos enquanto sulcam o céu azul. Só falta pôr cá um discípulo de José de Arimateia especializado em pregar cruzes e esculpir túmulos para que a nossa santa terrinha se torne num lugar de peregrinação. Mas, por muito que nos custe, já não bate por cá o coração de outras eras. Antigamente havia calúnias e desonras. Agora é mais vícios. Tudo ao molho e fé na ciência. Antigamente, até as sinetas das capelas emitiam um som lânguido e feminino. Agora já ninguém distingue o trigo do joio. O feminino do masculino. Perdeu-se o timbre da blandícia. O temente e delicioso sobressalto do amor. Agora é mais sexo e força. As lindas cachopas já não usam minissaias. Já ninguém vive na cidade, mas em vivendas espalhadas pela veiga. Do esplendor antigo não restam mais que sombras. Enegrecem as escadarias dos solares, ninguém as sobe e as desce. Esfarelam os azulejos ao longo dos muros dos jardins. Por todo o lado alastra o musgo aloirado, paradoxalmente muito vivo e viçoso. Lucilante, como diria o mestre Aquilino Ribeiro. Por entre as ruínas, por vezes, ainda é possível ver as glicínias dos tempos da magnificência a serpentear. Mete dó observarmos as ruínas a arruinarem-se sem que alguém de posses, ou bom gosto, lhes deite a mão. E algumas lágrimas nos vêm aos olhos quando vemos, ouvimos e cheiramos um carro de bois a conduzir o estrume à horta. É tão bom ter saudades.  Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!!!

João Madureira

 

 

 

16
Jun25

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734 - Pérolas e Diamantes: Aprecio Derrida e...

 

Aprecio Derrida, Jacques Derrida, o filósofo francês de origem argelina que pertenceu a uma distinta geração de intelectuais franceses pós-Sartre. Um grupo que incluía Foucault, Lacan, Barthes, Gilles Deleuze, Julia Kristeva, Luce Irigaray e Louis Althusser. Muitos deles ficaram conhecidos, de forma algo pejorativa e, em muitos casos, inexata, como os filósofos de La Pensée 68. A verdade é que Derrida beneficiou da reputação deles e vice-versa. Derrida era um pouco singular, possuía alguns traços pessoais específicos com os quais me identifico. Não todos, claro. E não é por mimetismo. É porque é mesmo assim. Derrida era um indivíduo ansioso, por vezes depressivo, um autor e orador de energia enganadora. Dizem que se sentia desconfortável em tirar férias. Quando tinha de viver numa grande cidade, tudo lhe parecia insuportável. Ficava com enormes saudades de casa. Estava constantemente preocupado. Houve um período da sua vida em que tinha medo de andar de avião. Tal como o seu conterrâneo Albert Camus, sentia um conflito interno em relação às suas convicções políticas, pois simpatizava com o movimento de independência argelina, mas receava a substituição do colonialismo francês pelo nacionalismo árabe. Convém lembrar que Derrida era um judeu de uma colónia europeia que teve dificuldade em entrar no mundo intelectual francês. Resumindo: Derrida nunca se sentiu completamente integrado em lugar nenhum. Foi com o filósofo francês que aprendi as características da desconstrução. A desconstrução não pretende expor a ingenuidade do autor, mas antes aperceber-se da forma como os autores lidam com as contradições que a sua própria utilização da linguagem os fez gerar. Ele centrava a sua análise no fluxo, não na estrutura. Ou seja, uma estrutura tem de possuir um centro, um ponto fixo, algo que não pode ser substituído ou relativizado. Na sua perspetiva, a história do pensamento ocidental era a história de um esforço para encontrar e nomear o tal ponto fixo, desde o conceito de forma (eidos) de Platão, a atualidade (energeia) de Aristóteles, até ao “Deus” de Santo Agostinho, à “consciência” de Descartes e ao “Ser” de Heidegger. Derrida provou que pensadores desde Platão até Rosseau, privilegiaram o discurso em detrimento da escrita. Ou seja, para algo ser um texto, tem de existir previamente qualquer coisa a que vulgarmente identificamos como um paratexto. O sentido do texto nunca é independente, depende da diferença que se estabelece. Não há sentido sem o contraditório. Citando Derrida: “Numa oposição filosófica clássica, não lidamos com um face a face, mas com uma hierarquia violenta. Um dos dois termos comanda (axiologicamente, logicamente, etc.) o outro, ocupando a posição de comando. Desconstruir a oposição significa antes de mais inverter, num determinado momento, a hierarquia.” Foi com Derrida que aprendemos, enquanto leitores, a libertar-nos das intenções do autor. Entendamo-nos: Derrida ensinou-nos que aquilo que constrange ou controla a nossa interpretação, aquilo que determina essas posições para nós, são em si mesmo uma função de interpretação. Nós organizamos e estabilizamos a linguagem à medida que lemos. Ou seja, trazemos para um texto hábitos mentais que fixam o sentido das palavras e depois atribuímos esse sentido às palavras. Mas, atenção, muitas vezes, e quase sempre no caso da literatura, o texto não diz realmente aquilo que diz. Nos textos literários, ao contrário dos outros, nomeadamente dos textos filosóficos, as figuras de estilo são essenciais. As metáforas, os símbolos, as alegorias e todas as formas e estilos ficcionais, são fontes de sentido. Ninguém pode ler literatura de um modo literal. Todos sabemos que nos textos literários se pretende dizer algo mais, ou algo diferente, daquilo que as palavras expõem literalmente. Como explicou Paul de Man, a literatura é o único tipo de escrita consciente da instabilidade da distinção entre o literal e o figurado, entre os modos de sentido gramatical e retórico. Cito de Man: “A desconstrução não é algo que acrescentámos ao texto, uma vez que ela era sua parte constituinte desde o início. Um texto literário afirma e nega ao mesmo tempo a autoridade do seu próprio modo retórico (…) A escrita poética é o modo de desconstrução mais avançado e refinado.” Termino citando William James: “A verdade cresce dentro de todas as experiências finitas…”

João Madureira

09
Jun25

Quem conta um ponto...


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733 - Pérolas e Diamantes: A verdade coxeia

 

Há tão pouca gente que consiga iluminar as coisas com a sua verdade. Vivo entre o intervalo dos livros. Não sou nem especialmente divertido, nem falador. É uma coisa de família. E mexemos nos afetos com muito cuidado, não vão eles caírem-nos ao chão e ficarem em cacos. Quero pensar que o humor e o amor ainda podem salvar o mundo. E olhem que esta frase tem muito mais humor do que outra coisa qualquer. Tudo isto é estranho, para dizer a verdade. Quem não sabe ficar calado acaba sempre por ser apelidado de inconveniente. A beleza para mim tem de ser limpa, poderosa, feminina e divertida. A beleza é uma coisa intuitiva. Há muitos demónios por aí espalhados e o curioso é que todos têm cara de anjos. O que eles não sabem é que os anjos não têm cara de anjos. Mas também é avisado não tratar as pessoas com certa condescendência intelectual. Por alguma razão ainda desconhecida, a Coca-Cola ganhou a guerra comercial à Pepsi, apesar das cantorias de apoio de Michael Jackson e do seu amor pelo chimpanzé Bubbles. O sombrio surge sempre em oposição a alguma luz. A chama da verdade é sempre incerta, vacilante e quase nunca ténue. Se ainda não estamos lá, a verdade é que já deixamos de estar por cá. Estamos a caminho. Tudo isto é uma suposição. Tudo o que é interessante sugere mais do que mostra. A boa arte é assim mesmo. Andamos todos necessitados de que alguém nos inocule fé. Mas, ao que sabemos, isso ainda não se vende em forma de medicamento injetável. Assim, temos de nos contentar com os placebos da hóstia e das orações ou arrastar os joelhos pelos átrios das igrejas. Uns vão a pé a Fátima e vêm de cu tremido. Outros vão de carro e voltam de automóvel. E os restantes de excursão, com as bifanas incluídas. Deus pensa por nós, os anjos sentem por nós e os idiotas gesticulam por nós. Ou seja, a idiotice continua a ser impercetível, incorpórea, espectral. Mas deixemos a espiritualidade de cada um para outra altura. Pelos vistos, o mundo não evoluiu assim tanto. Todos sabemos que na Roma antiga um cavalo chegou a ser senador. Atualmente os idiotas transformaram-se em estadistas, discursam em várias línguas e até falam de finanças. São eles, os idiotas, que têm os melhores cargos e exercem as funções mais transcendentes. Nelson Rodrigues escreveu que “outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: – ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina.” Pouca gente respeita a inteligência. Estou em crer que nem a inteligência se dá a esse trabalho. Parece que é uma nova forma de indignidade. Como dizia Victor Cunha Rego, na prática a teoria é outra. A realidade anda devagar, às vezes de muletas, mas a verdade coxeia porque a prosa dos ilustrados está cheia de exageros, de metáforas. Sempre que oiço falar um político, sobretudo nas campanhas eleitorais, sinto-me na sala de um dentista, pronto a arrancar o dente do siso. Com anestesia ninguém consegue sorrir. E eles a teimarem em caçar gambozinos. Sempre a dizerem que vão fazer as obras que nunca acabam. A sua aparente inocência e amabilidade puxam-me sempre para a ironia. São atores que galopam em cima de cavalos de pau. São personalidades de plasticina. É a ocasião que os molda. Esta é uma pátria muito prática, histriónica. Nascemos e morremos com a maior das inconsequências. A política atual é uma mise-en-scène insuportável. A sensibilidade histórica dos nossos líderes é quase nula porque são ignorantes. Confundem Karl Marx com Groucho Marx. Foram seguidores de Che Guevara e agora estão enfiados nos gabinetes dos céticos. Temos uma esquerda que só treme, grita e esperneia quando matam um palestiniano e uma direita que vocifera, chora e vibra quando um papa morre e de seguida bota fumo branco a chaminé da salamandra da Capela Sistina. Quando falo com este tipo de gente, não consigo evitar ser desconfiado ou incrédulo. Precisamos como de pão para a boca de pessoas com credibilidade e com autoridade moral. A honestidade e a seriedade em política é um aforismo ficcional. Nem a Inteligência Artificial as consegue levar a sério sem se rir pelo meio. Estamos fartos de gajos porreiros e de chicos-espertos. Mais cereja, menos bolo, isto vai sempre tudo dar ao mesmo. Estamos fartos. Fartíssimos.

João Madureira

 

06
Jun25

Vivências


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A carta e um tablet, se faz favor!

 

Estamos em junho de 2025, mas a cena é recorrente em qualquer restaurante de há uns anos a esta parte. Olhamos em redor e em praticamente todas as mesas, quer estejam ocupadas por casais de namorados, grupos de amigos ou famílias com filhos, o que vemos, a maior parte do tempo, são rostos com o olhar fixo no écran do telemóvel e dedos a fazerem scroll atrás das últimas notícias ou dos últimos posts.

 

Já escrevi sobre esta realidade há uma meia dúzia de anos e pouco ou nada teria hoje a acrescentar, não fosse uma notícia que vi recentemente na comunicação social e cujo título passo a transcrever textualmente: “Crianças já não largam o tablet à refeição. Restaurantes começam a fornecer o aparelho: assim não incomodam e dão descanso aos pais”. Absolutamente estupefacto, avanço para a leitura da notícia e confirmo aquilo que o título indicia. Há restaurantes que disponibilizam (e até sugerem mesmo) tablets para as crianças estarem entretidas durante a refeição e, assim, não perturbarem nem os pais nem os outros clientes do espaço. Várias questões me surgem logo no momento. Então, mas não é suposto ser uma refeição em família? Se não é para estar com os filhos na refeição e ter tempo para eles, para quê levá-los ao restaurante? Ou será que os pais também vão estar cada um com o seu smartphone? (infelizmente, acredito bem que sim…). E, assim, aquilo que poderia ser um momento de promoção de laços familiares e diálogo com os filhos num ambiente mais descontraído, acaba por se transformar num momento quase surreal, em que qualquer hipótese de conversa acaba muitas vezes ainda antes mesmo de começar…

 

Não consigo acrescentar mais nenhum comentário a esta bizarrice e espero que ela não alastre a outras situações, pelo que me limito a acabar com a mesma interjeição com que acabei a minha reflexão de há uns anos sobre a presença dos telemóveis nas mesas dos restaurantes.

 

Haja paciência!

Luís Filipe M. Anjos

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