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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

31
Ago10

Pedra de Toque - O Café Gelo - Por António Roque


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O Café Gelo

 

 

 

 

No Rossio, ao lado dos telefones, em plena baixa lisboeta, ainda perdura o Café Gelo, agora modernizado, europeizado.

 

Já não é o café maneirinho, simpático, ponto de encontro de amigos, lugar de charlas e tertúlias, cais de rostos conhecidos que ali aportavam, oriundos dos mais diversos destinos na busca do gozo do ócio possível.

 

Fechado o Martinho, café também de grandes tradições que virou banco, os flavienses da capital, durante mais de uma dezena de anos, passaram a visitar e a poisar no velho Gelo, onde sempre descobriam o conterrâneo bairrista para dois dedos de conversa fraterna e saudosa.

 

Corriam então os badalados anos sessenta, e sobretudo nos fins de tarde dos sábados, aparecia por lá imensa malta desejosa do ameno convívio que sempre acontecia.

 

Os estudantes constituíam a maioria.

 

Mas a eles associavam-se os que dolorosamente cumpriam o serviço militar e outros que, na bela Lisboa, tinham os seus empregos, o seu trabalho.

 

O grupo por vezes engrossava, com um ou outro conterrâneo, normalmente mais endinheirado, que de passagem pela capital, queria usufruir da cavaqueira e do prazer da cidade.

 

Depois da alegria do reencontro, sempre renovado todos os fins-de-semana, rumávamos para o módico restaurante, onde a confraternização surgia inevitavelmente alegre e feliz, e ao sabor da comida lisboeta, lembrávamos nostálgicos, as alheiras do Jorge e do Central, os salpicões e as linguiças caseiras.

 

Findo o repasto, partíamos á conquista da noite, que passava pelo fado castiço do César Morgado, que gingão nos cantava com sentimento profundo o drama da Travessa da Palha.


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E quanta Lisboa, tinha a voz dorida e gasta da senhora do bengaleiro do Solar da Madragoa, quando do âmago da sua alma de noite, arrancava amparada no trinar sibilino das guitarras o “Passa por Mim no rossio”…

 

Mas quando aparecia a Cândida da Conceição, para nós a gentil mamuda, fadista afamada, filha da Laurinda marinheira, nascida também aqui à beira Tâmega, “botava” sempre gostosamente e a pedido a Marcha de Chaves, estimulando-nos a euforia, saciando-nos a saudade.

 

Se sobravam uns escudos, já a madrugada espreitava por entre as águas do Tejo, acabávamos cantando na cervejaria do Gordo, ao ritmo de recordações brejeiras vividas nos cantinhos da nossa cidade, saboreando os finos mais diuréticos e refrescantes que bebi em toda a minha vida.

 

Desta equipa que nas noites de sábado realizou inesquecíveis jornadas no Rossio, na Madragoa, na Estrela, no Bairro Alto, no Cais do Sodré e em tantos belos “relvados” da capital, aqui evoco alguns dos titulares indiscutíveis, esquecendo quiçá e sem intenção muitos dos imprescindíveis suplentes.

 

Desde logo o querido e já falecido Zé Montalvão, o capitão do team, um pedaço de Chaves na capital, o amigo fixe, o sorriso franco, a gargalhada aberta, o grande embaixador sediado no coração de Lisboa.

 

O Toninho Lobo, marinheiro de muitos mares, sonhador da noite, a viola baixa do fado, a graça com raízes nas Freiras, na Ponte Romana, na madalena, no velho Liceu.

 

A Chinha, que não era de Chaves, mas era tanto como se fosse.

 

O Jorge Melo, o Lulas, o Zé Geraldes, o Zé Carlos, o Zé Tirarim, o Mário carriço, o Lixandre, o Zé Fillol, o Ramiro, o Nadir, o Varela, o Parreco …

 

Também o Lui, a Isabel, a Ana Maria, a Fernanda, a Zezinha Guimarães e outras amigas que nos acompanhavam, não esquecendo a pequena grande Maria de Jesus Barradas, vulgo Mariazinha dos peliçados, afável e graciosa que não perdia a oportunidade, sempre que na capital predizia o futuro nas cartas que lançava.

 

Mas …

 

A “cabine” onde a conversa nascia, o humor reinava e a estratégia se definia, era o velho Café Gelo.

 

Por isso, quando vou a Lisboa, já com algum cabelo branco da mocidade perdida, passo por ele no Rossio e deixo-lhe o meu olhar.

 

 

 

 

António Roque

30
Ago10

Quem conta um ponto...


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Ensaio provinciano ou um conto angustiado


 

Texto de João Madureira

Blog terçOLHO

 

 

Apetecia-me escrever sobre os jornais de província. E olhem que eu sou um homem de apetites. Mas não posso. Ou não consigo. Não é por causa dos jornais. Eles mesmos. Pobres coitados. É, antes, por causa da província, ela própria, a cinzentona.


A província é, por definição, provinciana, nem outra coisa se lhe pede. Ou exige. A província vive disso, de ser provinciana. Está claro que há províncias que são mais provincianas que outras. Mas, valha a verdade, todas as províncias são provincianas. Até as províncias que pensam que o não são, como, por exemplo, a província que acolhe no seu seio a Capital. Que, por definição, é também a capital da sua província, mas que é muito mais do que isso, é a capital de Portugal. Ora, e mais uma vez por definição, sendo a capital do país, não pode ser provinciana. Só se se der o caso de o país ser uma província. O que, de todo, não é verdade. Ou melhor, não é a verdade toda. Basta sair de Lisboa até aos arredores para nos apercebermos que ali mesmo, a uns escassos quilómetros do Marquês, a província emerge, circunda e conspurca a Capital. A Capital apenas não é província num pequeno perímetro que vai do rio até ao castelo, depois sucedem-se os bairros, as ruas, as lojas, os restaurantes, os cafés, as tabernas, os postos da polícia, os urinóis e pouco mais.


Temos de reconhecer que não existe uma fronteira entre a província e a capital. Mas que existem portagens, lá isso existem. Para a ida e para a volta. E caríssimas, por sinal. Uma pessoa não vai à capital em vão. Na capital, o provinciano paga caro a sua estadia. Paga cada minuto de parqueamento a peso de ouro. Isto, a dar-se o caso de encontrar estacionamento. Claro que também na província já se paga o estacionamento. Mas a província deseja desde há muito tempo a esta parte deixar de ser provinciana. E por algum lado temos de começar. E não existe desenvolvimento sustentável sem dinheiro. E o Estado, que somos todos nós, tem de arranjar dinheiro de alguma forma, e essa forma é o povo (que é o Estado) pagar ao Estado (que é o povo) o que lhe é devido, senão não havia Estado, nem povo, nem país, nem capital, nem província, etc.


Ora, como devem ter reparado, este ensaio, ou conto, está a ficar cada vez mais confuso. Mas a culpa não é minha, ou inteiramente minha, pois, eu sei, que alguma culpa terei de ter, mas não é a culpa toda, isso também sei eu. A culpa inteira é do Estado (que somos todos e qualquer um, só que sabiamente administrados por uns senhores [e senhoras, pois o Estado da Nação já deixou, de algum tempo a esta parte, de ser provinciano] eleitos por nós, que somos povo e Estado ao mesmo tempo). O Estado é que é muito confuso. Mas é da confusão que nasce a ilusão. Está claro que o Estado já deixou de ser o povo para passar a ser ele mesmo. É um pouco como o computador no filme 2001 Odisseia no Espaço, onde a máquina se torna muito, mas mesmo muito inteligente, e passa a desobedecer às ordens dos homens que a criaram, matando os mais desconfiados e aprisionando os administradores, que pensa dominar, mas sem os quais não pode sobreviver.


A ser assim, como vos conto, coitada da província. A província sente-se mal, pois também é Estado, também é povo, também é Portugal. Mas um Portugal lento e provinciano, e com isto quero dizer, com muito menos gente por metro quadrado, com transportes públicos muito mais caros, sem ministérios, sem teatro de vanguarda, sem as sedes principais dos partidos políticos, de todos os partidos políticos, pois alguns (talvez os melhores, ou menos provincianos, ou mesmo nada provincianos, por isso melhores) só existem em Lisboa, sem os políticos mais influentes, sem a Assembleia da República, sem o Palácio Nacional de Belém e o seu insosso inquilino, sem a fábrica dos pastéis de Belém, sem o Palácio de São Bento e o seu perseguido e mal amado ocupante, sem o estádio do Benfica, sem o Chiado, sem Alfama, sem o Bairro Alto, porra, sem o Bairro Alto, porra, sem Alfama, porra, sem as marchas populares, sem o fado, porra, sem o fado, porra, sem o fado e sem Eusébio (não a lontra macho do Oceanário), e sem a Amália (não a do panteão nacional, que foi fadista de renome, mas sim a linda lontra fêmea do Oceanário), porra, porra, porra, e sem o ginásio clube português e sem um patriarca como o de Lisboa e sem o Santo António e sem o Parque Eduardo VII e toda a sua simbologia literária e libertária e libertadora e sem rap e sem kizomba e sem funaná e sem ministério público e sem a ponte vinte e cinco de Abril e sem o vinte e cinco de Abril propriamente dito e sem a ponte Vasco da Gama e sem o Tejo e sem os cacilheiros e, meu Deus, sem o Carlos do Carmo e os putos do seu fado, o Paulo de Carvalho e os seus meninos à volta da fogueira, o Paulo Gonzo e os seus jardins proibidos e sem o Gambrinus e o seu Eisbein com Choucroute (Chispe à Alemã), e sem a Lontra (não a do Oceanário, mas a discoteca) e sem o túnel do Marquês e sem o Parque Mayer e sem a Feira Popular e sem o aeroporto da Portela e sem o Metro de Lisboa (que é subterrâneo, pois um Metro que não é subterrâneo só pode ser provinciano) e sem os pregões de Lisboa e o Cais da Ribeira e o cacau da dita e tudo e tudo e tudo. A nós, os provincianos, falta-nos tudo. Tudo. Até nos falta a vontade de deixar de o ser.


PS (Só para homens. E podem acusar-nos à vontade de machistas. Algum proveito temos de tirar da nossa pobre condição de provincianos… e homens, pois os homens são muito mais provincianos que as mulheres, basta olharmos para os nossos deputados.) – Para que não nos considerem ainda mais provincianos do que aquilo que somos, por favor, caros leitores deste blogue, não saiam à rua de calça vincada, camisinha com o emblema da Lacoste (e não vale a desculpa de que foi comprada nos ciganos), meias brancas e mocassins. Topa-se à distância que são provincianos. Tal indumentária é ainda mais traidora do que o cheiro a naftalina. E se há coisa que denuncie a condição de provinciano é o cheiro a naftalina.

29
Ago10

Madalena Rural - Prado, Qtª da Condeixa e Sr. da Boa Morte


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Como vem sendo hábito neste blog, os fins-de-semana estão reservados para o mundo rural e as suas aldeias. Prometi que passariam por aqui todas as aldeias e lugares (rurais) do concelho, e hoje não vai ser excepção, embora algumas dúvidas possam surgir pela vossa parte quanto à ruralidade dos lugares de hoje.

 

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Cronologicamente falando pela ordem da criação, hoje vamos até à freguesia nº50, ou seja, a freguesia da Madalena que em tempos, não sei precisar mas penso que até inícios dos anos 70 do Sec. Passado, estava integrada na freguesia de Chaves que foi extinta para dar lugar às freguesias de Stª Maria Maior e Madalena.

 

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À anterior freguesia de Chaves, além da cidade histórica que se resumia praticamente ao actual Centro Histórico do qual o Bairro da Madalena também faz parte, pertenciam os lugares ou aldeias dos Aregos, Campo de Cima, Casas dos Montes, Prado, Ribeira das Avelãs, Seixal e Telhado. Estes lugares/aldeias eram os que constavam em documento oficial da altura, embora existissem ainda outros lugares com estrutura de bairros consolidados e separados dos atrás referidos, como o Caneiro (de baixo e de cima), o Campo da Fonte, S.Bento, Casa Azul, Sr. da Boa Morte, Codessais, todos eles da margem esquerda do rio e da actual freguesia da Madalena.

 

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Não sei qual a razão que levou à extinção da freguesia de Chaves, mas o facto, é que (à excepção do Bairro da Madalena) de um lado ficou a cidade e do outro o campo implantado em plena veiga de Chaves, com excepção para a Ribeira das Avelãs, aldeia que já teve aqui o seu post integrado neste espaço rural do blog.

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Em suma, ou rematando aqui a coisa antes de a complicar mais, a freguesia da Madalena é uma freguesia maioritariamente rural e como tal, é neste espaço de fim-de-semana que deverá ser tratada, com excepção, claro, para o núcleo histórico do Bairro da Madalena que sempre foi cidade e historicamente dentro das suas muralhas.

 

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Claro que hoje, embora a freguesia da Madalena mantenha a sua ruralidade de sempre, tal como a cidade, o facto é que entre os lugares e aldeias da Madalena atrás referidos já não há separação física ao nível do casario e se antigamente os núcleos desses lugares e aldeias estavam bem definidos e consolidados, havendo entre eles uma eternidade (parecia) de campos de cultivo, hoje, desde o Campo de Cima ou do Seixal até Casas dos Montes, todo o espaço se percorre em ruas que se desenvolvem entre o casario existente, isto para me ficar nos limites da antiga Freguesia de Chaves, pois o fenómeno já alastrou para as freguesias vizinhas das Eiras, Vilar de Nantes, Samaiões, Valdanta, Santa Cruz/Trindade e Outeiro Seco, sendo estas freguesias (aparentemente) mais bairros periféricos da cidade que propriamente aldeias isoladas, pelo menos visto do céu, é assim.

 

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E blá,blá,blá, tudo isto para voz dizer que hoje trago aqui o Prado, a Quinta da Condeixa e o Sr. da Boa Morte, apenas em imagem, pois quanto à sua história, pouca tem, ou melhor (que isto do português é traiçoeiro) resume-se à história de duas ou três antigas grandes quintas agrícolas e à sua vida, pois tudo o resto, é casario na veiga que essas grandes quintas foram cedendo para a construção, coisas da modernidade, das influências e de nunca ninguém ter tido tomates (é assim mesmo que se diz) para travar ou não autorizar a construção em plena veiga de Chaves, com regadio e tudo, e tanto assim é, que se chega ao ridículo e absurdo dos apartamentos em edifícios de habitação colectiva serem obrigados a pagar regadio, como se tais fossem hortas, quintas ou quintais.

 

 

 

 

 

 

28
Ago10

As varandas públicas da intimidade


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Era para vir por aqui com mais um lamento, mas estou farto de lamentos e depois, todos os que deviam, estão-se a marimbar para os meus lamentos. Lamento as nossas aldeias porque se estão a perder, na alma e no corpo e a história dirá ou ditará, um dia, que foi graças ao desprezo das políticas agressivas do betão e centralismo que se perderam, e com elas as tradições, usos, sabores e saberes, e, a história lamentará ter-se perdido a cultura de um povo genuíno, puro e bom, em suma, toda a sua alma, mas também o seu corpo com todo o seu património arquitectónico rural, das aldeias do granito e até do xisto, que diariamente vai sendo destruído sem haver o mínimo de interesse ou preocupação em preservá-lo onde um voto vale mais que a cultura tradicional e até secular….

 

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Dizia eu que estou farto de lamentos e acabo por cair neles. É certo que ninguém me obriga a andar por aqui, sou burro até em andar por aqui a gastar o meu tempo, o meu fraco latim, o meu dinheiro e o ganhar inimigos dos bons, daqueles que são mais falsos que judas que mordem pela calada e atiram as pedradas por detrás dos muros… gente de merda ao fim e ao cabo, gente que não presta, ignorante, que teme as verdades por se reverem nelas, que são pavões e cagões que renegam as origens por terem vergonha delas, ou o contrário que também é verdadeiro, aqueles que se agarram à nobreza e ao senhorial dos seus antepassados, as tais castas de que o Torga falava…enfim, gente que só não cheira mal porque os desodorizantes e colónias que usam baralham os maus odores fazendo-as parecer suaves fragrâncias perfumadas…

 

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Mas enfim, sou do povo, gosto de dormir descansado, não dever nada a ninguém e depois, sei que este blog chega a muita boa gente que anda lá fora a lutar pela vida, que tem saudades do seu torrão natal, que pensa como eu, mas sobretudo também me vai fazendo com que apure a lucidez daquilo que são valores e amizade(s), pura e desinteressada, de novos amigos que fiz e de muitos outros amigos que vêm aqui todos os dias sem sequer os conhecer… e por isso, hoje ficam as varandas das nossas aldeias, simples,  aquelas que tem uma intimidade pública e que lá do alto nos permite ver quem passa por baixo, aqueles que vão com Deus e os outros que… nem por isso…

 

 

Pois é, há dias assim, de autoclismo, em que uma descarga, faz milagres…


Até amanhã!

 

 

 

 


 

27
Ago10

Discursos Sobre a Cidade - Nem cresce, nem minga - Por Tupamaro


 

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“CONVERSAS  COM  ZEUS”

-XIII-

=Nem cresce, nem minga=

 

 

Um tanto espantado com os incêndios a colorirem os céus da ponta mais pequena e da ponta maior da Europa, Zeus resolveu-se por ir uns tempitos de férias até às “Terras de Wilkes” e de “Adélia”.


Quando aí chegou, mostrou-se embevecido com a beleza das focas de Weddell e com o paladar que encontrou no golito de(um!) licor que lhe havíamos oferecido para a viagem.


Fez um “ah!” de grande admiração, mais espantoso do que o” Eureka!”  arquimediano e, por isso mesmo, nos telegrafou:


- “Já percebi! Já percebi!


Já entendi porque o «franciú» deu este nome a este território! O «tipo» tinha casado com uma rapariga de Águas Frias! E ela era «tão pintada» que ainda deixou até hoje, por aí, descendência e virtudes!


Ora, «fachabor» de avisar a «menina Déte» que tem de me calhar uma garrafita maior do que o frasquito que em arranjaste”!

 

Às vezes, até nem queríamos que Zeus fosse tão chegado.


Desde que começou a andar às espreitadelas pelas ALDEIAS FLAVÍNIAS anda mais que guloso.


E, depois,  julga que nós somos donos do «vinhedo», do «fumedo», do «frutedo», ……….  e do Cambedo!

Nem lhe demos troco ao telegrama.

 

Para o regresso, apanhou as ondas da crista central do Atlântico, pretendendo entrar pela portinhola  donde saíram os “Descobridores”.

 

Tinham-lhe falado vagamente numa fonte recente, numa tal “de Boliqueime”. Foi lá espreitar e ficou «encavacado».


Qual fonte qual …………..antónio-chaves”!


Aquilo era um Poço!


Nem as salamandras lá se dão! Só malandrões!


E está coberto de silvas e cavacos!


Zeus, já que passava por aqui perto, fez um desviozito para nos saudar (“cheirou-lhe”, foi o que foi!). Veio mesmo a tempo de uns restitos de coisas boas Normando-Tameganas.


A garrafa do Rosé de Vassal é que no-la deitou toda abaixo!


No hora do bagaço, pergunta-nos:


-“Atão,  nobidades de Chabes?!”

 

- Olha, Zeus, apareceste aqui a dizer que era só para dares um abraço, pois ias com alguma pressa para a CAÇÓNIA (sabemos lá nós aonde isto fica!?) e queres arranjar desculpa para nos culpares dos atrasos que bem te podem acontecer pelo caminho  e que tu tanto desejas que aconteçam.

Não te dizemos nada dessa capital.

 

-Lá estás tu com perrices!


A Cidade CHAVES nem cresce nem minga    -   altera-se aos sobressaltos.


Os que têm tomado conta dela não é tanto para a cuidar, mas mais para a aproveitar para serviço e interesse da sua «quadrilha» partidária.


Chaves é uma cidade cujo crescimento e desenvolvimento urbanos poderiam e deveriam ser harmoniosos e amplos, pois as suas condições geográficas são francamente favoráveis.


Mas a tacanhez de espírito, a mediocridade de conhecimentos e a impreparação política dos que têm vindo a tomar conta dos destinos dessa Cidade e dessa Região, agravadas com a impetuosidade da soberba, da ganância e da insinceridade desses mesmos decisores, condenam CHAVES (cidade e Região) a esse aspecto  de cidade «às três pancadas» e de Região «ao  deus - dará».


Assim, não é de estranhar que pessoas que gostam mesmo de CHAVES (cidade e Região), e, dentre estes, especialmente, os que aí nasceram e aí foram criados, reparem não só nas grandes misérias que por aí saltam à vista, como também  em ferretes isolados, que alguns consideram pormenores ou pequenas distracções licenciadas , que mais não são do que «o rabo de fora» de tristes cumplicidades … ou sinais  em “faces ocultas”.


O Progresso de uma CIDADE tem consistência no Planeamento, e não no capricho balofo ou na golpada de ocasião, concedidos e consentidos por quem tem a OBRIGAÇÃO de saber o que anda a (DEVE) fazer.


O feudalismo mental continua a ser um baluarte para toda a prosápia da imbecilidade, da tacanhez de espírito e da grandiosa quão estúpida soberba de todos quantos se convencem que a História da Humanidade é neles, e só neles, que se realiza.


Do pouco que estudaram, aprenderam uma insignificância que aproveitam às mãos cheias para enfartar o seu insaciável ego eivado de mediocridade.


Na vida estão eles, cada um por si, eles, e, depois, os demais.


Nascem indivíduos, passam a trastes, nunca chegam a ser pessoa.


Embora visíveis a olho nu, o descaramento com que se revestem disfarça-os mais do que a pele do cordeiro ao lobo.


Afinal, não passam de caracaras aplhaçados com plumagem de araras.


Ao longo da História, e particularmente no pós-25, continuam a proliferar, porque este Povo hospitaleiro os hospeda com afecto e toda a ingenuidade.


Especialmente, lá por CHAVES, pela Normandia Tamegana, continue-se a pôr no poleiro os atletas pepe-rápidos da camaleonice politicastra, e cuja maior qualidade está chapada, chapadinha, no conceito que têm do desempenho das funções de edis: - entrar em gozo de férias graciosas, por períodos de quatro anos, com todas as loucuras e lucros já metidos na conta … de quem tem de os «gramar»!!!

 

- Zeus, é sempre com muito gosto e com um grande desgosto que te ouvimos considerar acerca da NOSSA TERRA.


Gosto, porque falas acertadamente, e notamos no teu discurso muita afeição pela Região.


Desgosto, porque nos relembras o atraso de vida em que mantém o nosso torrãozinho natal.

 

-Tu sabes bem que depressa aprendi a gostar da cidade de Trajano.


-Queremos todo o merecimento para os nossos NORMANDO  - TAMEGANOS.


Por isso, e para isso, jamais devem deixar-se atrair, e cair, na escravidão de petimetres neróides.


Bem, deixemo-nos de conversa.


Tenho de «arrancar».


Ora marca aí uns «desvios» obrigatórios e a preceito.


Ó c’um …….”antónio-chaves”! – resmungámos cá para dentro.


- Bem, dia 20 passas pela Capital da Batata e espreitas  -  espreitas só!  - para o sítio daFragatânia”. Torces o pescoço e dás uma olhadela para …. Bem, podes ir por Lebução, Sonim, Santa Valha e paras em Vilarandelo.


Olha, nem te dizemos mais nada. Daí p’rà frente é por tua conta!


Põe-te a mexer, que só sabes mexer connosco!


E numa altura destas termos nós de ficar por cá!...


Tupamaro

26
Ago10

O Homem Sem Memória - por João Madureira


 

 

 

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Texto de João Madureira

Blog terçOLHO

 

 

5 – A viagem entre Névoa e Lisboa durava 24 horas, uma noite e um dia completos. Primeiro, o comboio percorria os sessenta quilómetros encurvados entre Névoa e Vila Real. Depois seguia aos ziguezagues de Vila Real até à Régua e da Régua ao Porto, perfazendo cento e vinte quilómetros em várias horas. Finalmente percorria os trezentos quilómetros entre o Porto e Lisboa, parando em todas as estações e apeadeiros, o que era uma verdadeira via-sacra, um tormento dilatado. Peregrinava quase sempre na companhia de soldados (os magalas neste país sempre tiveram uma predilecção por comboios), operários, guardas, alguns turistas e camponeses rodeados de cabazes, garrafões de vinho, mulheres e crianças. Todos tinham um ar rude, mesmo os guardas, fossem fiscais ou republicanos. E os polícias. Até os turistas tinham um ar agreste. Eram turistas de alpergatas de couro fino e luzidio, que muitas das vezes aceitavam partilhar as merendas dos rústicos homens das aldeias. Comiam calados, entre os sorrisos simples das mulheres e das crianças e as caralhadas inócuas dos homens que pouco mais sabiam dizer como manifestação de boa disposição. Todos os homens tinham a pele do rosto e das mãos morena, áspera e engelhada. As mulheres ostentavam ou um negro lenço na cabeça, ou os cabelos corridos e longos, apanhados num rabo-de-cavalo, saias pretas e compridas. A quase todas as crianças faltavam vários dentes. Os rapazes e raparigas eram delgados como varas, com olhos grandes e esfomeados, com ranho no nariz, mal vestidos e descalços ou calçando botas cambadas uns bons números acima do tamanho dos acanhados pés. Mas riam-se muito e limpavam os moncos com as costas das mãos. E tossiam. E cuspiam. Todos comiam enquanto falavam de boca aberta mostrando uma pasta indistinta constituída por carne e pão. E bebiam vinho. E riam-se como parvos. Todos se riam. Até os turistas. Depois das refeições, e faziam-se várias durante a viagem, os adultos dormiam enquanto completavam a digestão. Mal acordavam mandavam foder meio mundo, davam peidos, que funcionavam como os foguetes nas festas, riam-se como doidos e tornavam a comer e a beber como se o mundo estivesse para acabar ainda antes da viagem terminar. Os homens do campo e os magalas eram os que faziam as viagens mais longas. Quase todos tinham como destino o Porto ou Lisboa. Os operários e os guardas eram os que entravam e saíam do comboio mais a miúdo. Fosse como fosse, as viagens em segunda classe eram enormes e desconfortáveis. Todos pareciam desfrutar da festa. Mas o José não. Por isso pensava em Deus.


 

 

 

6 – José pensava em Deus e abominava os pobres. Ou melhor, detestava a pobreza. Uma criança não consegue ter sentimentos tão cruéis para odiar pessoas apenas pela sua condição. E o que ele detestava era a condição. Apesar de a igreja apregoar para os pobres o reino dos céus e para os ricos a difícil tarefa de se defrontarem com o pavoroso dilema de arranjarem a maneira de um camelo passar pelo cu de uma agulha. (...)

 

 

(continua)

 

 


25
Ago10

A pedido, aí vai mais presunto...presunto de Chaves


 

 

 

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Confesso que não tinha tema para hoje, mas há sempre alguém ou alguma coisa que lá nos salva a situação e nos dá o mote para umas palavrinhas, por mais debatidas que o tenham sido aqui nos últimos tempos pelo António Chaves e também eu o fui fazendo ao longo destes anos de existência do blog  – O Presunto de Chaves.

 

Na Sexta-Feira de 4 de Janeiro de 2008 eu escrevia um post intitulado « Elogio e Lamento ao Presunto de Chaves» - (http://chaves.blogs.sapo.pt/237099.html ), onde elogiava e lamentava (claro) o presunto de Chaves. Elogio porque é o melhor do mundo e lamento,  porque não o há (pelo menos para todos os dentes).

 

Ontem, nesse post de Jan.08, às 23H16 recebia o seguinte comentário assinado por Walmir T de Morais : “Meu comnetario a respeito desse ensinamento em liquidar suinos, não é nada aproveitavel para saber como seria aproveitado as partes do suino, Esperava saber como o PRESUNTO de CHAVES era manufacturado, mas so vi foi como exterminar o dito suino, muito comum em qualquer alfedia da europa. Portanto, ponha o processo. pedido e oferecido e não como exterminar o suino. OBRIGADO”

 

Pois meu caro Walmir os vossos pedidos para mim são ordens e se entendi bem o seu pedido, o Walmir pretende saber como se faz um “Presunto de Chaves”. Pois vamos lá ver se consigo, embora avise já que sou mais especialista em comer presunto de Chaves do que em fazer presunto de Chaves, pois apenas tenho visto, ou via,  como se faziam.

 

Então, para começar, recomendo que leia atentamente, outra vez, o post de 4 de Janeiro de 2008, pois aí está vertido o mais importante sobre como fazer um genuíno presunto de Chaves, pois como deverá saber ele não nasce à mesa. Mas eu vou ajudando.

 

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Primeiro, comecemos pelo nome a dar ao pai dos presuntos e que por cá chama-se “reco” e não suíno. Parece não haver diferença, mas é do tamanho deste mundo. O reco, tal como o nome indica, é mesmo reco, come tudo que lhe dão e só não come a própria cama porque lhe põem um arganel no focinho, senão nem a palha (ou cama) onde se deita, escapava. O Suíno é coisa mais fina, dorme em cama lavada e só come ração para em pouco tempo engordar para um matadouro qualquer e ser vendido à febra ou às fatias no talho da esquina. O Reco é diferente. Quando nasce é requinho, depois cresce e passa a reco e, uma temporada antes de ir à faca, passa a denominar-se ceva. São estes os que produzem o genuíno presunto de Chaves. Claro que também tem outro nome mais fino, “porco”, mas cá entre nós, reco e porco, é quase a mesma coisa, mas muito diferente de suíno.

 

No meu post de 4 de Janeiro de 2008 eu desvendava um dos principais segredos  do presunto de Chaves onde a páginas tantas dizia:     pois criar e cevar um porco para dar um bom presunto de Chaves, não era tarefa fácil e começava logo no parto da reca parideira o no trabalho diário de quase um ano, em que o reco era quase tratado como mais um elemento da família, com boas refeições quentes e a horas certas, alguns mimos, carinho e muitos cuidados. Tanto era o afecto criado com o reco, que na hora de ir à faca era comum ver as mulheres “tratadeiras” a soltarem umas lágrimas com pena do bicho.”

 

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Pois meu caro, pode crer que, se os recos não tiverem este tratamento desde a nascença até à matança, não vão dar qualquer «presunto de Chaves», quando muito, podem dar presuntos feitos em Chaves, que não é a mesma coisa. E quando eu dizia que o reco era mais um elemento da família, em termos de refeições, era-o mesmo, e, à excepção da carne e do peixe que às vezes chegava à mesa dos tratadores, o reco comia o mesmo que os seu tratadores, com muita batata, castanha, maças e outra fruta, couves e nabos e um pouco de farelo para compor a refeição, era quase tratado como mais um da família e por estranho que pareça também tratado com amor e carinho, pois dele dependiam uns meses de alimentação. Aqui está o primeiro grande segredo do presunto de Chaves, nada de rações de engorda rápida, boa comidinha, amor e carinho.

 

Outra das características do presunto de Chaves, além das suas camadas de magro e gordo, é a sua forma arredondada e não alongada como é comum nos outros presuntos. Esta é mais difícil de explicar embora não tenha nada de extraordinário, pois simplesmente (vou tentar explicar) aquando se pendura o reco para escorrer todo o sangue e arrefecer (antes de o desmanchar passado um ou dois dias), prendem-se as articulações da perna (presunto) com corda até adoptar a forma arredondada, depois do reco estar frio, já não há quem lhe dê outra forma. Qual a razão de arredondar o presunto, não a sei, suponho que seja pelo futuro fatiar e/ou até pela própria gordura característica no presunto de Chaves.

 

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Também importante para um bom presunto, é a época em que o reco se mata, pois não é por qualquer razão que se espera pelos dias mais frios de inverno, de preferência de geadas, com dias bem frios e secos. São estes pequenos pormenores e etapas que vão fazendo o bom “presunto de Chaves”, ou seja, o clima cá do sítio também conta, não propriamente o microclima (se assim o puder chamar) da veiga, mas o das montanhas de Chaves e da região.

 

Por fim a etapa  que é a segunda mais importante e também a final no fazer o presunto de Chaves que, começa quando o presunto após o desmanche entra na salgadeira e é envolvido no sal grosso (bem grosso – não sei qual o seu nome, mas é sal bem grosso com pedras ou cristais a rondar ou superiores ao cm) em local seco, fresco e escuro para estagiar por lá q.b., até ao momento certo e oportuno para de lá sair e apanhar ar, em local seco, fresco e escuro…depois é só tempo de cura  até chegar à mesa, em nacos ou fatiado… O tempo de cura, embora bastem uns meses, há quem o prefira mais curado (mais duro) e prolongue a cura por mais de um ano. Mas tudo isto também explicava no tal post de 4 de Janeiro de 2008 quando dizia, “(blá,blá,blá) até à peça rainha, que depois de passar por uns meses de sal, frio e cura iria dar, uns meses mais tarde ou até no ano seguinte, deliciosos petiscos – o presunto.”

 

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Como vê, meu caro, já então deixava os segredos de como fazer o presunto de Chaves, mas o tema, infelizmente, não era como fazer o presunto, mas em haver ou não haver “Presunto de Chaves” para poder fazer a delícia das nossas mesas.

 

Quanto ao liquidar ou exterminar os suínos, meu caro Walmir, nós por cá preferimos matá-los, com faca bem afiada em mão de mestre e uma estocada certeira no coração, pode parecer cruel, mas não é, são uns segundos apenas de uma tradição que é secular e, foi essa tradição, a matança do reco, que eu quis trazer ao blog nesse tal post de 4 de Janeiro de 2008, onde o presunto é apenas a peça rainha que resulta de toda essa tradição.

 

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Espero assim ter respondido à questão do Walmir, mas também de todos quantos não sabiam como o melhor presunto do mundo se faz, porque ainda há quem o faça. Claro que nestas minhas descrições poderá haver algumas falhas, pois como disse não sou especialista em fazer presuntos, aliás, nunca fiz nenhum, mas vi fazer muitos e também via como os recos eram criados e cevados para darem uns bons presuntos. Agora se mo puserem à mesa, digo-vos logo se é de Chaves ou não, pois a sua qualidade e gosto é inconfundível. Só uma dica para quem não o conhece, pelo menos à vista – se não tiver carne gorda, não é de Chaves.

 

Para saber mais sobre o presunto de Chaves, nem há como reler algumas das «crónicas segundárias» do António Chaves que por aqui passaram nas últimas semanas.

24
Ago10

Pedra de Toque - O Teatro em Chaves - Por António Roque


 

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O TEATRO EM CHAVES ( I )

 

 

 

 

 

O teatro tem tradições em Chaves.


 

Pelo menos desde o início do nosso século, os flavienses interessaram-se e entusiasmaram-se com o fenómeno teatral.


Aqui se realizaram grandes espectáculos.


Aqui se aplaudiram óptimas peças e consagrados artistas.


Foram palcos o Cine-Teatro de Chaves, na Rua general Sousa Machado, mais tarde a sede dos Canários, o Salão Maria, onde hoje se localiza a Exportadora, o Teatro António Granjo, agora o 5 Chaves e o Cine-Parque (das bolinhas), na Rua de Santo António, onde se situou a ultima e saudosa casa de espectáculos da cidade.


Vedetas de então – anos 20 e 30 – como Carlos de Oliveira, Chaby Pinheiro, Emília de Oliveira, Eva Stachino e Alves da Cunha, fizeram estrondoso sucesso para as nossas plateias.


Aqui permaneciam alguns dias integrados em companhias oriundas da capital. Na década de 20, passou pelos nossos palcos com muito êxito uma companhia espanhola de Zarzuela. Também então se exibiram óperas nos teatros de Chaves.

 

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O teatro amador era fecundo.


Vários grupos dedicavam-se apaixonadamente à arte de Talma e cada espectáculo dos Bombeiros, dos Caixeiros, do Sindicato dos Operários, entre outros, era garantia de casa cheia.


Mas foram as operetas, construídas pela célebre dupla maestro Pinto Ribeiro e General Ribeiro de Carvalho e interpretadas por talentosos amadores, que mais repercussões conseguiram em Chaves e no distrito.


Foi tão retumbante o sucesso alcançado que, alguns anos passados, as de maior agrado voltaram a subir à cena.


 

Onde estarão os textos e partituras da “Dama Negra”, do “Segredo do Rajá”, da “herança do Capitão-Mor”, do “Lobisomem”, da “Pastorinha”, do “Marquesinho”?...


 

A sua actual compilação seria uma justíssima homenagem à memória de dois artistas flavienses, ilustres e brilhantes, e um contributo importante para a história da cidade.

 

António Roque

23
Ago10

Quem Conta Um Ponto… As Cores: Uma História de Clipes


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Texto de João Madureira

Blog  terçOLHO

 

 

Eu que era tão arrumadinho, agora ando a perder os clipes. Tudo na minha cabeça estava organizado como as páginas do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Pensava como se estivesse dentro da colecção de um entomologista. Ou dentro do dossier secreto do melhor agente da PJ, linha por linha, frase por frase, parágrafo por parágrafo… crime por crime, suspeito por suspeito. Digamos que a minha arrumação mental era a minha identidade. Era algo de fisiológico. O meu alinho intelectual era mesmo invejado pela NASA, que me chegou a convidar para dar aulas de Método aos seus chefes de armazém. Mas eu não me deixei convencer pelas falinhas mansas do capitalismo selvagem, mesmo travestido de ciência e de técnica. Peço desculpa mas vou ter de interromper este relato para ir à casa de banho. Nas coisas básicas ainda mantenho o método e a disciplina.

 

Agora volto a estar disponível para escrever no computador o que os meus amigos leitores estão a ler. E digo no computador e digo bem porque também escrevo no papel com a minha esferográfica, a minha lapiseira ou a minha caneta sheaffer. Além disso, não desperdiço o meu tempo. Mesmo na casa de banho escrevo. Alguns costumam ler, mas eu escrevo. Digamos que é a minha forma de homenagear os políticos que estiveram presos no tempo do fascismo. Também costumo tomar banho. Mas a parte que agora interessa para o nosso relato é tudo menos o banho no quarto de banho. Desde logo porque ninguém consegue escrever e tomar banho ao mesmo tempo. O papel não o permite. Claro que podia escrever em folhas de plástico com canetas de acetato, mas a escrita caligráfica apenas a concebo na forma tradicional. E escrever no computador enquanto nos duchamos penso que ainda não é possível sem provocar sérios danos no aparelho. Então, como ia dizendo, eu escrevo enquanto estou na casa de banho a fazer o que, na sábia boca do povo, ninguém pode fazer por mim. E olhem que não é a escrever coisas como as que os meus amigos estão agora a ler que eu perco o meu precioso tempo. Na casa de banho escrevo para os jornais. Mais concretamente para um jornal da capital. Escrevo crónicas gastronómicas. Também escrevo para jornais locais, mas faço-o enquanto ensaio as receitas regionais que sugiro no diário da capital. Nos semanários da província escrevo unicamente sobre a política e os políticos da capital. Embora muitos, ou quase todos, sejam oriundos da província. O que lhes dá um colorido especial. Se não acreditam, por favor dêem uma vista de olhos nos debates parlamentares, especialmente aos denominados “antes da ordem do dia” ou coisa pelo estilo.

 

Ou seja, as crónicas gastronómicas escrevo-as em papel higiénico, numa letra certinha e direitinha, tendo sempre por base uma receita popular e regional, ou vice-versa, como diz o povo na sua sabedoria ancestral, que eu depois recheio de alguns detalhes pessoais. Ou dito de outra forma, que eu invento. E eu se sou bom nalguma coisa é a inventar. Tenho uma imaginação prodigiosa mas, também, muito arrumadinha. Imagino o que tenho de imaginar e depois deixo o restante para a próxima vez. E faço-o sem angústias ou preocupações de maior. Apenas utilizo a minha fértil imaginação no tempo adequado e no momento certo. A necessidade marca a hora.

 

Eu não improviso, eu imagino a realidade e depois só me resta ver acontecer o que eu imaginei. Ou seja, eu devia era ter ido para político, mas deixo esta ideia para desenvolver numa outra ocasião. Por agora limitemo-nos à escrita e aos clipes. Ou melhor, limitemo-nos apenas aos clipes.

Eu tinha uma grande panóplia de clipes que comprei no Modelo durante vários meses. E optei pelo Modelo, não por causa do preço, pois não sou sovina, judeu ou militante da Deco, mas sim pela variedade do produto. Enquanto no comércio tradicional apenas conseguia encontrar clipes metalizados, embora de diferentes tamanhos, valha a verdade, no Modelo deparei-me com clipes de todas as cores e feitios, além disso vinham revestidos a plástico, o que os tornava impermeáveis, ou melhor, antioxidáveis. E se há coisa que eu detesto é que os clipes enferrujem e manchem as folhas onde eu produzo os meus queridos manuscritos.

 

De facto, este vosso amigo arruma todos os seus manuscritos por temas e por datas. Nalguns costumo mesmo escrever a hora e o local onde foram produzidos. E guardo-os todos em dossiês devidamente catalogados. Mas recuso-me a agrafá-los. Os agrafes deixam sempre a sua marca indelével: uns furinhos irritantes que nunca mais desaparecem. Claro que podemos tirar os agrafes de um documento. Mas nunca mais vamos conseguir eliminar os buraquinhos que eles causaram. Por isso não uso agrafes mas sim clipes. Os clipes podem dobrar ou amachucar os cantos das folhas de papel, mas é sempre possível aquecer um ferro e dar-lhe o toque preciso para que aquele documento pareça que nunca foi alvo de intervenção de um arquivador. Um documento arquivado é um documento morto. E eu recuso-me a pensar que algo do que eu escrevo possa ser arquivado. Os meus documentos quero-os vivos, mesmo depois de publicados, quero-os vivos. Mesmo depois de arquivados, quero-os vivos. Como se fossem, por exemplo, batatas, que mesmo depois de armazenadas para serem comidas, podem ser resgatadas ao merouço, metidas na terra e de seguida darem novas sementes e etc.

 

Por isso uso clipes. E com as distintas cores elaborei um código secreto de arrumação que me permite a mim, e só a mim, saber do que fala cada documento, com que intenção foi escrito, a sua qualidade intrínseca, o preço que adquiriu no mercado, etc. Mas acontece que agora, por qualquer razão que eu não atino, comecei a confundir as cores dos clipes com as cores dos deputados da Nação. Aqui há uns meses agarrava instintivamente no clipe apropriado para arrumar um meu escrito. Agora não consigo. Confundo a cor dos clipes, volto a repetir, com as cores dos deputados (devido a todos, ou quase, serem oriundos da província, daí o seu colorido especial, como acima referi, num apontamento com alguma graça e com certo sentido de humor e de oportunidade, se me é permitida a indiscrição) e destes com as cores dos alimentos que imagino como fazendo parte das minhas receitas culinárias que escrevo para o diário da capital e, ainda, com os matizes dos acontecimentos triviais dos governantes e comentadores da capital, que explico e registo nos jornais de província, e por isso…

 

Já viram o problema que é confundir uma recensão crítica da biografia de Álvaro Cunhal por Pacheco Pereira arrumada com um clipe, por exemplo, vermelho (que digo desde já não ser o verdadeiro código por ser demasiado evidente), com uma receita de tomate arrumada com um clipe magenta; ou vodka com laranja salpicado de salsa e pepino arrumado sob a força compressora de um clipe rosa e a receita de uma salada russa arrumada sob um clipe dourado; ou a recensão sobre um livro de crónicas de Lobo Antunes sob a meticulosa pressão de um clipe azul, que é a cor da monarquia, do F. C. Porto, do CDS, do céu ou do mar e, ao mesmo tempo, deparar-me com um comentário ao Caim, o derradeiro livro de Saramago guardado sob a força demiúrgica de, também, um clipe azul? Ou a crítica a um discurso do presidente Cavaco Silva aferroada sob a energia uniforme de um clipe cinzento? Que digo desde já, e por causa das coisas, não ser o código correcto, por demasiado evidente, como muito bem diz o povo na sua colossal sabedoria. E, sendo assim, nem sequer me tinha dado ao trabalho de elaborar um código secreto de arrumação tão previsível e muito menos me tinha metido nesta descodificação labiríntica que me fez perder o fio à meada.

 

Cheguei mesmo ao ponto de arrumar uma crítica à Quadratura do Círculo sob a força discreta, mas honesta, de um clipe de três cores: magenta, azul e amarelo. Ora estas são as cores básicas da impressão em offset. Por isso vi logo que me tinha confundido no código. Para a cor desse clipe tinha que ter, pelo menos, escolhido o preto, que é a cor que absorve todas as outras. Ou a cor vermelha que é a que me vem logo à cabeça quando penso no velho aforismo da cenoura e do burro, pois na minha imaginação essa tertúlia tem a clarividência do povo quando põe eufemisticamente a citada cenoura vermelha à frente do animal para o ver correr atrás do alimento. E, se repararem, o aforismo até é um pouco intrincado, daí eu me basear nele para o citar como exemplo da lógica em que assentou a filosofia que serviu de base ao meu código. Que não é simples, mas também não é complicado por aí além. Pelo menos para mim, que me conheço bem. Ou conhecia. Pois agora deu-me para confundir tudo. Confundir as cores, os políticos, os comentadores, os governantes, os escritores, os jornais de província, os jornais de referência e os blogues.

 

Por isso estou num estado de alma prostrante. E não posso pedir, por muito que queira, a vossa ajuda. Em primeiro lugar porque a minha lógica é isso mesmo, minha, e, por isso, não vossa. Em segundo lugar podia recorrer-me de Jacques II [Jacques II de Chabanes, conhecido por Jacques de la Palice (ou de la Palisse)], mas devido à singeleza das suas verdades era bem capaz de ser convidado a candidatar-me a alguma junta de freguesia, à direcção dos bombeiros ou de alguma associação cultural. Mas eu não tenho nem tempo nem as qualidades específicas para exercer esse cargo. Sou muito criativo. Por isso sou vítima das minhas próprias qualidades. Podia, em terceiro lugar, socorrer-me do apoio de um daltónico, para me ajudar a mover no labirinto de um mundo (a)cromático muito próprio de quem não enxerga certas cores, confunde outras e atina apenas com algumas, que variam conforme o grau de daltonismo.

 

Podia fazer tudo isso, mas vou optar por estabelecer um código numérico. Os números batem sempre certo. A matemática é infalível, um pouco à semelhança da economia do nosso país, que só não avança devido à relatividade dos sucessivos governos.

 

Por falar em governos, não sei se por lá usam agrafes ou clipes. E muito menos conheço se por lá possuem algum código secreto para arrumar documentos. Mas pelo que vou vendo e ouvindo parece-me que não sou o único a confundir as cores, os assuntos e os protagonistas.

 

O que sei sim é que a política não é uma coisa de números, mas antes uma mistura de clipes coloridos. Não sei se estão confusos. Se for esse o caso recomendo a releitura pausada deste escrito. É que a determinação faz o bom leitor. E é bom de ver que nem todos os blogues são de leitura fácil. Nem, como tão bem explicava Saramago, podemos todos ser bons leitores.

 

PS – Por favor não saiam à rua com as calças rasgadas. Eu sei que é moda, mas, porra, calças rasgadas são e serão sempre calças rasgadas. Dão um ar de desmazelo. E os leitores deste blogue têm de ser pessoas aprumadas. E para buracos já chegam os das nossas estradas e os da economia nacional.

 

 

 

 

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