Discursos Sobre a Cidade
(XIII)
Caindo em si, olhou para o relógio. Horas de almoço. Deveria apressar-se. O candidato estaria já em viagem. Havia que verificar toda a informação e supervisionar todos os preparativos para a sua chegada e para a estadia na cidade. Contactou o posto da fronteira e a polícia de trânsito, inteirando-se dos últimos movimentos. Sem almoçar, dirigiu-se depois para a esquadra. Havia que rever e coordenar toda a estratégia com o comandante da polícia.
"É absolutamente imperioso que o apertem depois da intervenção e que o tragam à minha presença, discretamente. Depois disso, deixem-no a sós comigo. Eu tratarei dele". Fique descansado senhor inspector, os nossos homens lidarão convenientemente com o assunto. Eu próprio terei todo o gosto em supervisionar a operação no local, assegurou-lhe o comandante.
Nos bastidores do Cine-Teatro, enquanto aguardava que os agentes lhe trouxessem o candidato, o inspector revia mentalmente os acontecimentos do dia. A recepção havia sido mais entusiástica e a multidão maior do que os serviços haviam previsto. O discurso, emotivo mas não particularmente inspirado, havia sido aclamado e aplaudido como nunca acontecera nas intervenções de Norton de Matos. O regime teria uma data de trabalhos pela frente.
"Protesto, senhor comandante, protesto! Este tratamento é indigno da minha patente e ofensivo dos meus direitos de cidadão!" Atrás do comandante, um grupo de polícias conduzia o candidato em direcção ao inspector. Empertigando-se, o inspector fez um gesto enérgico em direcção ao grupo, dizendo: "Obrigado, senhor comandante. Leve-o para aquela sala e deixe-nos a sós. A partir de agora tratarei pessoalmente do assunto."
Mal a porta se fechou, o inspector estendeu a mão ao candidato, saudando-o. Este sorriu, já descontraído. Não esperava encontrar o inspector ali, nem ouvir o que este lhe disse. "Tenho que ser breve. Confirma-se que o regime preparara medidas para manipular os resultados das eleições. Mas está tudo assegurado, senhor General. Caso a sublevação corra mal, poderemos contar com asilo político em uma ou duas Embaixadas e com a simpatia de alguns diplomatas estrangeiros."
Regressando de madrugada ao hotel, o inspector começou o seu relatório em papel timbrado:
"Quinta-feira, 22 de Maio. O candidato chegou aos arredores da cidade pela EN2, apeando-se junto ao posto da PVT. Ladeando o Jardim Público, dirigiu-se para a Ponte Romana, sempre seguido por uma multidão de muitas dezenas de pessoas, entre as quais se encontravam agentes nossos. (...) Mais tarde, no Cine-Teatro, discursou perante centenas de pessoas, muitas vindas de outras localidades, que o aplaudiram entusiàsticamente. Os seus apoiantes registaram esta intervenção em fita magnética. No final da sessão, já nos bastidores, quando intimado pela polícia local a entregar a pistola que trazia consigo, o candidato declarou que, óbviamente, não faria tal. Tive então oportunidade de o confrontar, a sós. (...) Apesar do crescente apoio que o candidato parece vir a congregar, continuam a não existir indícios de qualquer acção concertada para alteração da ordem pública..."