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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

09
Mai11

Quem conta um ponto... O homem da pita


 

 

 

O homem da pita

 

Enquanto praticava, durante o fim-de-semana, um dos desportos nacionais mais apreciados, o passear nos centros comerciais, entrei distraidamente na Bertrand. Lá dentro havia muitos livros nos escaparates dos topes, ainda muitos mais nas prateleiras, e viam-se algumas pessoas que aproveitavam para, devido à crise, ler algumas páginas de livros que não dá nenhum jeito comprar por causa do seu preço elevado. Porque quando a crise aperta são os objectos de cultura os mais sacrificados. Eles e os carros novos de gama baixa e média.

 

Pois, como ia dizendo, entrei na livraria e pude constatar, com alguma satisfação, convenhamos, que as capas de várias revistas e jornais davam especial destaque à Bimby e ao António Barreto. Ou seja, deu para ver, mesmo a um cidadão distraído como eu, que estes são os dois produtos mais mediáticos nos tempos que correm.

 

Com a Bimby podemos bimbar várias receitas de culinária e com o António Barreto podemos bombar no país e na classe política. Especialmente nos socialistas, que agora, com a crise, são os bombos da festa. E se com a Bimby, a cozinha mais pequena do mundo, podemos confeccionar todo o tipo de pratos, com o António Barreto podemos ficar a saber que o povo português trabalha pouco, produz pouco, ganha pouco, lê ainda menos, é insuficientemente instruído, mas, mesmo assim, vive acima das suas posses.

 

E podemos ficar também a saber que o engenheiro Sócrates é o culpado de tudo isto e ainda da chuva que cai fora de época, do sol que aparece e desaparece sem um critério unitário, das geadas fora de tempo, das trovoadas de granizo e das trombas de água, do nevoeiro matinal e da crise. Ou seja, foi ele quem provocou a desregulação da economia e das finanças internacionais, além de aumentar o buraco de ozono e de ser um dos principais responsáveis pelo aumento do preço do petróleo, daí o estarmos como estamos.

 

Ande a culpa lá por onde andar, às costas do Sócrates vai parar. E é bom que assim seja, pois dá um jeito do caraças. Por tudo isso, e por alguma coisinha mais, o António Barreto ganhou, durante algumas semanas, o estatuto de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas enquanto o putativo comentarista do PSD é um palrador mediático destinado às classes média baixa e baixa, o António Barreto é um upgrade do mesmo produto mas dirigido às classes média, média alta e alta.

 

Estou em crer que me desviei do propósito que desta vez tinha para escrever. O destinatário não era nem a Bimby, nem o António Barreto e muito menos o Professor Marcelo, mas antes o candidato a presidente da Assembleia da República pelo PSD, Fernando Nobre.

 

Confesso que fiquei com uma lágrima no canto do olho quando, durante a campanha eleitoral para as eleições presidenciais, ouvi o candidato da AMI falar do pretinho africano que corria atrás da pita para lhe roubar a migalha de pão que ela levava no bico. Mas desde já aviso os estimados leitores que o que nessa altura verdadeiramente me espantou foi a erro de análise do amigo Fernando. Ele, poeta como é, pensou que o pretinho faminto tinha os olhos postos na migalha no bico da pita. No entanto, se fosse etnologista, ou transmontano, que são condições sinónimas, perceberia que o que o menino famélico perseguia era a pita e não a migalha de pão que ela transportava no bico. Uma pessoa cheia de fome, podendo optar entre a migalha e a pita, não hesita um momento. Reconheço que a imagem do menino atrás da galinha, para lhe roubar a migalha de pão, é muito mais apelativa, mas, infelizmente, é falsa. Pode ter um efeito mediático directo e dar votos, mas não está de acordo com a condição humana, animal portanto. 

 

Eu sei, o Fernando Nobre é lusitano. E por isso pensa que o fado é o único género de humor tipicamente português. Por isso o ter recorrido ao mau humor, que explora a tristeza em vez da alegria. Nisso, como em muitas mais coisas, andamos ao contrário do resto do mundo. Lá fora riem-se com o nosso subdesenvolvimento. Nós por cá votamos num cómico que resolve respeitar a tradição transformando os seus momentos de campanha em espectáculos fadistas onde as pessoas se sentem tristes e apreciam.

 

Não estou a dizer que o Fernando Nobre é um humorista voluntário. Nessa armadilha não caio. Portugal, todos o sabemos, é um país de cómicos involuntários. Em Portugal, os políticos cada vez mais se parecem com personagens criadas por humoristas. O humor é um termo geral que abrange distintas variações, registos e géneros: a sátira, a paródia, a ironia, o sarcasmo, o abjecto, obscenidade e o discurso político.

 

Sabendo que existe uma linha muito ténue entre o que nos faz rir e o que nos deprime, e que a graça está sempre a um milímetro da desgraça, mesmo assim não resistimos a lembrar que Fernando Nobre, foi, inicialmente, um simpatizante da monarquia, apoiou Mário Soares na recandidatura a presidente da República, foi mandatário, nas últimas eleições europeias, do Bloco de Esquerda, foi candidato à Presidência da República contra os candidatos dos partidos, e agora é cabeça de lista das legislativas do PSD por Lisboa, com a promessa de lhe entregarem o cargo de presidente da Assembleia da República. Ele que detestava os partidos, que abominava a política e que criticava os deputados por nada fazerem.

 

Os dirigentes do Bloco de Esquerda, também eles fadistas empedernidos e excelentes humoristas involuntários, já vieram afirmar que esta atitude do Fernando Nobre “é o fim de uma imensa fraude”.

 

É bem possível que os eleitores mais indignados resolvam ir a banhos. Nós, por aqui, achamos mais sensato sair deste filme lembrando uma das frases mais emblemáticas do cinema português (A Canção de Lisboa): «Vamos embora que isto é uma aldravice».

 

 

PS – Segundo o Correio da Manhã, no passado ano, a AMI rendeu ao seu fundador e presidente, o cidadão Fernando Nobre, e à sua esposa, a respectiva secretária-geral, 73.170 euros, o que dá um rendimento bruto mensal de 5226 euros. Bem prega Frei Tomás…

 

João Madureira

 

 

 

08
Mai11

Cartas do Zé


 

 

 

“Em que pensas porco? – Na bolota!”

 

Com este ditado popular, costumava iniciar as minhas aulas de marketing e vendas. De um modo jocoso, um pouco brejeiro e linear, procurava explicar aos formandos que o homem de marketing tem de pensar nas necessidades e desejos do consumidor, na bolota. Focado sempre na bolota. Como o porco esfomeado...

 

Corriam os anos 90 e acreditava, tal como hoje que faltava marketing á minha cidade. Os responsáveis por Chaves não entendem, nem procuram entender o mercado e os seus caprichos. Quero dizer, os cidadãos e os seus desejos.

 

Sei que foi fundamental os gastos em infra-estruturas como saneamento básico e água canalizada e que há povoados que nem isso têm. E agora? Para onde estão voltadas as atenções dos “manda-chuva”?

 

Vagueiam atrás de projectos de obras subsidiadas pela comunidade europeia, mas que pouco têm a ver com a realidade da nossa região. Lembro a “zona industrial”, agora aumentada, mas que não passa de um amontoado de barracões e lotes com escritos de “vende-se” ou “aluga-se”.

 

Que me dizem da Polis, que descaracterizou irremediavelmente o Largo das Freiras. Ou o importante complexo termal com águas únicas no mundo, mas que obedece abre e fecha as portas á temporada, como se de caça e pesca se tratasse.

 

Vejamos. Chaves tem monumentos para dar e vender, gastronomia rica e original, boa localização geográfica, vias de acesso, recursos naturais invejáveis e recursos humanos... invejosos.

 

Sim. O calcanhar de Aquiles da nossa região são os recursos humanos. Sobretudo de quem manda. Estes, não querem saber das necessidades dos cidadãos. Procuram apenas responder aos desejos dos eleitores.

 

Falar do potencial turístico da região já cheira mal. Temos pessoal especializado para atender o turista, auto-estradas para trazê-lo, hotéis e restaurantes para o deitar e alimentar. E que fazem os gajos do chicote?

 

Pelejam entre si pelo melhor certame gastronómico, pela construção do museu para homenagear o mesmíssimo pintor (Nadir Afonso) e outras que tais disputas caseiras entre municípios vizinhos.

 

Os projectos conjuntos de desenvolvimento regional só aparecem com fundos comunitários no horizonte. Por si só, são incapazes de se juntar para fazer anúncio na TV para os benefícios das águas termais da região, a originalidade da festa das bruxas de Montalegre, a beleza da olaria local, o circuito dos eventos gastronómicos, concursos de pesca, corridas automobilísticas, exposições de artes plásticas, certames de inventores e ... E pouco mais.

 

Sugiro aos senhores mandões, uma visita a Allariz. Povoado com pouco mais de três mil habitantes, cinco museus e 52 festas por ano... ou quase.

Os galegos desse povoado próximo de Orense são especialistas em inventar festejos. A mais conhecida, a Festa do Boi, acontece por estes dias, mas a festa da empada, da primavera, do cogumelo também são muito visitadas.  

 

Escrevi certame de inventores. Sabias amigo que eu “inventei” esse evento?

 

Foi numa aula de marketing na escola profissional de Chaves em que tinha como convidado o Júlio das Malhadeiras, o inventor mais velho de Portugal. Informado da ideia, o director da escola condicionou a aprovação da actividade, ao financiamento extra-escolar.

 

Foram os empresários da região que, por amizade e respeito ao Sr. Júlio dos Santos Pereira, juntaram o dinheiro necessário para a realização da primeira Flávia Criativa.

 

Estive na organização de todos os eventos até ao V.

 

Aí, não concordei com a doação de uma serigrafia do mestre Nadir Afonso. Queria a pintura original, como sempre aconteceu com outros pintores em todas as edições anteriores. Pedi seis mil euros pelo meu trabalho de assessoria na organização que iria doar para a compra da pintura original do artista.

 

Também se deram ao luxo de alterar a data de realização do certame bianual. De Fevereiro, data de aniversário do velho inventor, passou para quando “for possível”.

 

Até hoje, nem a Escola Profissional de Chaves, ou a Câmara Municipal de Chaves me responderam ou pagaram a importância pedida.

 

O convite para a 6ª edição do Flávia Criativa - Salão de Inventores Júlio dos Santos Pereira nunca chegou á minha caixa de correio.

 

Estes são os recursos humanos da nossa cidade. Não fazem, não sabem fazer e tem raiva de quem faz algo que não dá votos.

 

Sem outro assunto e muito grato por me blogares estas letras, recebe aquele abraço do tamanho do oceano,

 

O amigo que te estima

 

Zé Moreira

 

08
Mai11

Todos ralham...


Vamos mais uma vez até Chaves rural que embora por aqui se diz acontecer aos fins-de-semana, não deixa de acontecer todos os dias, não fosse todo o nosso concelho rural, embora alguns tentem ensaiar que não o é.

 

 

 

 

Diz o ditado que “Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Costumo apreciar e dar sempre razão ao saber dos ditados populares, no entanto, com este nunca concordei inteiramente, pois penso que ao contrário teria muito mais razão de ser: “Casa onde não há pão todos ralham e todos têm razão”. Claro que o ralhar e a razão não matam a fome a ninguém, mas pelo menos aliviam-na no momento do ralhar e da razão e no ralhar, vem sempre ao de cima as razões da fome. Assim, não admira que num momento de crise como o actual em que com ordens ou sem elas vamos ter de apertar mais o cinto, segundo parece, muito mais do que aquilo que se supunha, todos no nosso Portugal ralhem e tenham razão. Atenção que apenas dou razão aos que têm de apertar o cinto, porque todos os outros, são a razão deste ralhar colectivo.

 

 

 

 

Outro ditado popular diz que “Há males que vêm por bem”. É isso mesmo o que eu penso da tão falada “tróica” que agora veio a Portugal tratar de recuperar o que é d€l€s, pois talvez agora se comece a pensar responsavelmente o nosso Portugal, a estudar os erros do passado e a encontrar soluções para o futuro. É tempo da verdade vir ao de cima, responsabilizar os culpados, reformar profundamente e acabar com os cancros que todos conhecem. Em suma, responsabilizar, culpabilizar, punir. Certo que com isto entraríamos em pleno período crítico, pois, depois de responsabilizados e punidos os culpados, poucos restariam para encontrar as tais soluções necessárias, por isso, temos um sério problema e, sinceramente, nas opções que nos apresentam para resolver o problema, não vejo a solução…mas há sempre a esperança, e pelo menos espero que com este apertar do cinto, todos (este todos somos nós), abram os olhos e comecem (para além de ralhar e apertar o cinto) a ser intervenientes, a exigir responsabilidades, a exigir a verdade e sobretudo a não se acomodarem como de costume, porque eles e todos nós somos culpados.

 

 

 

 

Enfim. Não sou político, não tenho soluções mas sei onde elas não estão e sei também que muitos dos nossos males estão ligados, naquilo que nos toca, ao despovoamento do mundo rural e ao abandono da agricultura, da pecuária e da floresta, ao desperdiçar dos dinheiros europeus em investimentos não sustentados, aos maus investimentos e ao não saber planear e projectar o futuro. Em suma, ao desperdício e à desvalorização dos nossos recursos. Se cada um resolvesse os seus problemas de casa, não haveria qualquer problema para agora resolver.

 

Para já é tudo, mas ainda hoje vamos ter por aqui mais uma carta do Zé. O carteiro prometeu-me entregá-la ao meio dia. Até lá.

07
Mai11

A Missa do 7º Dia (2) - Por Luís Fernandes


 

 

 

(II)


O morgado tornara-se assíduo na Pensão da Madalena. A «Florette», que sucedera à «Pachancho», encurtava imenso os 10 Kms que distam de Monforte à cidade.

 

Aos domingos lá passava na Pensão para «botar» um copo, antes de ir ver jogar o Atlético.

 

Aos domingos lá passava para petiscar um bacalhau frito, ou bolinhos do mesmo, e «botar» mais um copo, depois de vir de ver jogar o Flávia.

 

Às 4ªs fªs lá estava caidinho na Pensão para “matar i bicho” antes de passar pela Feira dos Recos, ali ao lado, no Campo da Fonte. De passagem para a Feira do Gado do Tabolado, a presença de um amigo de uma qualquer Aldeia do lado de lá do rio, ou do Barroso, justificava mais uma aproximação ao balcão, e dar mais duas palavras à dona da Pensão, enquanto atirava olhares apaixonados à filha da dona da Pensão.

 

Finda a feira, acertava contas do negócio passando lá pela Pensão da Madalena a mordiscar, com demorada cerimónia, mais uma lasquinha de bacalhau frito.

 

E punha em desacerto o ritmo do seu coração, com as dificuldades de transpor aquela maldita fronteira daquele balcão, teimoso em manter à distância dos seus desejos aquele fruto delicioso da «sua Aninhas».

 

Quando o gole de tinto lhe molhava os lábios até se julgava estar a derreter com beijos aquele docinho que trazia preso pelo beicinho.

 

Às 6ªs.fªs. ou sábados, lá, em Monforte, nasciam sempre justificados pretextos para mais uma ida à cidade: - uma vela da motoreta, que estava suja; uma câmara-de-ar; uns socos a precisarem, “rai’s parta!”, de umas tachas; uma licença de um cão; enfim, havia sempre falta de qualquer coisa que abundava na cidade.

 

Mas a Aninhas não saía nada à mãe.

 

Esta tinha a palavras sempre pronta na ponta da língua, falava de igual para igual com qualquer cliente.

 

A Aninhas saía mais ao pai.

 

Este era reservado, quase tímido.

 

Mas «bô home», como toda a gente logo dizia, sempre que houvesse referência ao tio Aníbal.

 

Claro que até os gabirus da cidade também andavam de olho na «sua» aninhas. Mas ele, o morgado, filho do morgado de Monforte, tinha “mais peito” para tal conquista.

 

Com o coração e os sentidos todos postos no seu príncipe encantado, Aninhas não tinha olhos nem ouvidos para mais ninguém.

 

Para ela, o morgado de Monforte não passava de um cliente fiteiro e fanfarrão. Já há muito que dera conta que o morgado caíra no goto da mãe. Até ainda há pouco esta tinha comentado com a tia Quinhas, em tom de recado e de sentença juntos, que este morgado era «um bom partido».

 

Perdida como estava pelo «seu Demar», não se dava por achada, fosse com quem fosse.

 

(III)

Do Largo do Arrabalde, o “Demar” vigiava a Ponte, com a secreta esperança de que alguma vez…

 

(continua no próximo sábado)

 

07
Mai11

Pecados e Picardias - Por Isabel Seixas


 

Da Maria Vai com as Outras

 

Querida Maria escrevo-te numa velocidade do  carvalho, então vendeste a volta do pescoço que eu tinha parte na Bezerra com o medo que to levasse esse tal sarronco FMI e vendeste-o ó desbarato.


Bonito sim Senhor, só fazes o que queres , sais à tua mãe teimosa ,já o falecido que Deus tem se queixava.


Querida Maria valeu-me a pena dizer-te que não se deve ir pelos outros, muito menos por essa douda da vizinha que não tem o que fazer, e não passa de uma larachas a quem o homem deixa  rédea  solta e é no que dá , agora Tu!...


Porra, quem te mandou por tudo no prego?...


Disse-me Aqui um camarada de trabalho Iraniano que o dinheiro não vai valer nadica de nada, ai não, deve pensar que sou como tu que acreditas nos larachas todos…


Ai de ti, quando eu chegar em Agosto, que me tenhas vendido a dois cavalos e a quatro lê, porque não vendes a senhora da azinheira só serve de pasto, pode ser que a tua amiga larachas queira ir pra lá com o homem bradar aos céus…


Raios te partam acreditas em tudo que te dizem , nunca tiveste cabeça para te governar sozinha, vende mais alguma coisa que eu tenha comprado com o meu suor e vens para cá ver o que custa a vida, sua alcoviteira , não sabes que esses filhos de mãe incógnita são os governadores de casas desgovernadas,  dos que dão passos maiores que a perna  porque querem ganhar muito e fazer nenhum, dos galarós sem rumo… Manda-os para cá…


Nos dinheiros não pias tu… Vai mas é trabalhar… E deixa a língua descansar…


E atão o Homem da larachas sempre vai para a política, vem se via que estava Mortinho.


Ouve mas é o que Eu te digo… E vê bem em quem votas , não te fies em nenhum…Todos querem o mesmo, até tu…


Ai se Eu mandasse , não andava por aí Quase tudo ao Deus Dará…

 

Isabel Seixas

06
Mai11

Discursos Sobre a Cidade - Por António Tâmara Júnior


 

 

 

COINCIDÊNCIAS

 

 

Conheci a cidade de Genève na década de 90.


Naquela altura vivia debaixo de uma tensão emocional intensa.


O convite de um amigo para lá passar uns dias tornou-se providencial – oportuno, terapêutico.


Genève, para mim, foi amor à primeira vista.


Aquele lago – o Léman – fez parte, enquadrou-se, na perfeição, no contexto da minha cura, como apelo à calma e tranquilidade, de que tanto necessitava.

 

 


 

A par do Jura e o Salève, as suas montanhas maternais, protectoras.


Quase vinte anos depois, voltei a Genève.


A visitar amigos e familiares. E descansar das peripécias de um país que uma comunicação social frenética, diria mesmo, histérica, não pára de nos desassossegar, transformando-nos em crianças assustadas.


Genève, a cidade suíça francófona por excelência que, nesta quadra pascal, tinha à minha frente, apresentou-se como se fosse um amigo, dos verdadeiros, que largámos há muitos anos mas que, na hora do reencontro, é como nos tivéssemos deixado na véspera.


No seu regaço passei uns dias tranquilos, reconfortantes, na companhia de familiares e de um grande amigo, que me recebeu, como há anos atrás, junto às margens do lago, pelas bandas de Versoix.


Revisitámos lugares, recordámos peripécias das nossas vidas, falando de uma outra cidade – e das suas gentes – que há muitos anos adoptámos como a nossa cidade.


E constatando o mesmo fascínio que Genève exerce sobre nós.

 

 


 

Cheguei a Chaves vai um par de dias.


E com a sensação que, desde a minha partida até à minha chegada, tudo tinha parado no tempo. Como o tempo das inúmeras telenovelas que passam nos canais da nossa televisão – deixam de se ver vários episódios e basta apenas escassos minutos para entender todo o enredo não visto. Ou seja, pouco ou nada de novo, efectivamente, se passou. Continua tudo na mesma.


Recebi hoje um e-mail do meu amigo genebrino, em viagem de trabalho por terras do Brasil.


Em anexo vinha um texto de Jaques Amaury, sociólogo e filosofo francês, professor na Universidade de Estrasburgo, que publicou recentemente um estudo sobre A crise Portuguesa, que não resisto aqui de o transcrever:


Portugal atravessa um dos momentos mais difíceis da sua história que terá que resolver com urgência, sob o perigo de deflagrar crescentes tensões e consequentes convulsões sociais.


Importa em primeiro lugar averiguar as causas. Devem – se sobretudo à má aplicação dos dinheiros emprestados pela CE para o esforço de adesão e adaptação às exigências da união.


Foi o país onde mais a CE investiu “per capita” e o que menos proveito retirou. Não se actualizou, não melhorou as classes laborais, regrediu na qualidade da educação, vendeu ou privatizou a esmo actividades primordiais e património que poderiam hoje ser um sustentáculo.


Os dinheiros foram encaminhados para auto estradas, estádios de futebol, constituição de centenas de instituições publico - privadas, fundações e institutos, de duvidosa utilidade, auxílios financeiros a empresas que os reverteram em seu exclusivo benefício, pagamento a agricultores para deixarem os campos e aos pescadores para venderem as embarcações, apoios estrategicamente endereçados a elementos ou a próximos deles, nos principais partidos, elevados vencimentos nas classes superiores da administração publica, o tácito desinteresse da Justiça, frente à corrupção galopante e um desinteresse quase total das Finanças no que respeita à cobrança na riqueza, na Banca, na especulação, nos grandes negócios, desenvolvendo, em contrário, uma atenção especialmente persecutória junto dos pequenos comerciantes e população mais pobre.


A política lusa é um campo escorregadio onde os mais hábeis e corajosos penetram, já que os partidos cada vez mais desacreditados, funcionam essencialmente como agências de emprego que admitem os mais corruptos e incapazes, permitindo que com as alterações governativas permaneçam, transformando – se num enorme peso bruto e parasitário. Assim, a monstruosa Função Publica, ao lado da classe dos professores, assessoradas por sindicatos aguerridos, de umas Forças Armadas dispendiosas e caducas, tornaram – se não uma solução, mas um factor de peso nos problemas do país.


Não existe partido de centro já que as diferenças são apenas de retórica, entre o PS (Partido Socialista)  que está no Governo e o PSD (Partido Social Democrata),  de direita, agora mais conservador ainda, com a inclusão de um novo líder, que tem um suporte estratégico no  PR e no tecido empresarial abastado. Mais à direita, o CDS (Partido Popular), com uma actividade assinalável, mas com telhados de vidro e linguagem publica, diametralmente oposta ao que os seus princípios recomendam e praticarão na primeira oportunidade. À esquerda, o BE (Bloco de Esquerda), com tantos adeptos como o anterior, mas igualmente com uma linguagem difícil de se encaixar nas recomendações ao Governo, que manifesta um horror atávico à esquerda, tal como a população em geral, laboriosamente formatada para o mesmo receio. Mais à esquerda, o PC (Partido comunista) vilipendiado pela comunicação social, que o coloca sempre como um perigo latente e uma extensão inspirada na União Soviética, oportunamente extinta, e portanto longe das realidades actuais.  


Assim, não se encontrando forças capazes de alterar o status, parece que a democracia pré – fabricada não encontra novos instrumentos.


Contudo, na génese deste beco sem aparente saída, está a impreparação, ou melhor, a ignorância de uma população deixada ao abandono, nesse fulcral e determinante aspecto. Mal preparada nos bancos das escolas, no secundário e nas faculdades, não tem capacidade de decisão, a não ser a que lhe é oferecida pelos órgãos de Comunicação. Ora e aqui está o grande problema deste pequeno país; as TVs as Rádios e os Jornais, são na sua totalidade, pertença de privados ligados à alta finança, à industria e comercio, à banca e com infiltrações accionistas de vários países.


Ora, é bem de ver que com este caldo, não se pode cozinhar uma alimentação saudável, mas apenas os pratos que o “chefe” recomenda. Daí a estagnação que tem sido cómoda para a crescente distância entre ricos e pobres.


A RTP, a estação que agora engloba a Rádio e Tv oficiais, está dominada por elementos dos dois partidos principais, com notório assento dos sociais democratas, especialistas em silenciar posições esclarecedoras e calar quem lenta o mínimo problema ou dúvida. A selecção dos gestores, dos directores e dos principais jornalistas é feita exclusivamente por via partidária. Os jovens jornalistas, são condicionados pelos problemas já descritos e ainda pelos contratos a prazo determinantes para o posto de trabalho enquanto, o afastamento dos jornalistas seniores, a quem é mais difícil formatar o processo a pôr em prática, está a chegar ao fim. A deserção destes, foi notória.


Não há um único meio ao alcance das pessoas mais esclarecidas e por isso, “non gratas” pelo establishment, onde possam dar luz a novas ideias e à realidade do seu país, envolto no conveniente manto diáfano que apenas deixa ver os vendedores de ideias já feitas e as cenas recomendáveis para a manutenção da sensação de liberdade e da prática da apregoada democracia.


Só uma comunicação não vendida e alienante, pode ajudar a população, a fugir da banca, o cancro endémico de que padece, a exigir uma justiça mais célere e justa, umas finanças atentas e cumpridoras, enfim, a ganhar consciência e lucidez sobre os seus desígnios”.


Coincidência no diagnóstico, dizia eu em voz alta, lembrando-me da conversa que, no Jardim Perl du Lac e no Pâquis, mantivemos, a propósito da situação que se vivia em Portugal.


Por trás de mim, Tio Nona replicava – “Et voilá!”

António Tâmara Júnior

 

 

 

 

05
Mai11

O Homem sem Memória (47) - Por João Madureira


 

 

Texto de João Madureira

Blog terçOLHO

Ficção


47 - Bem avisou o agente da autoridade: “Ó senhor Martins, não me faça uma desfeita dessas. Os Pereiras foram sempre uns ranhosos. Uns cheios de fome. Agora com o contrabando lá vão comendo carne do talho de vez em quando. Mas é sol de pouca dura. São uns desgraçados. As mulheres são para aí uma piolhosas. Nada que se compare às lá de casa.”


Mas o guarda Martins nada de lhe ligar. Quando largava a presa não lhe tornava a deitar o dente. Por isso respondeu com maus modos: “Sai-me da frente, filho de uma giesta seca. Ou me largas ou nunca mais passas um saco de café que seja. Tu sabes como eu sou, abocanho e largo. Sou um caçador de boca fina.”


Mas ele voltava ao mesmo: “Ó guarda Martins, nós sempre o tratámos bem, servimos-lhe sempre o melhor pedaço de presunto, o salpicão mais refinado, a melhor galinha, o coelho do monte mais vistoso. A melhor franga…”


“Deslarga-me cabrão. Quero lá saber da tua franga. Já está muito usada. Eu gosto delas virgueiras. A tua mulher tampouco me importa. É um pedaço de toucinho amarelado com sabor a ranço. Comer carne do mesmo animal causa-me fastio. Deixo para ti os restos da porca gorda e da franga desarranjada,” replicava o guarda-fiscal enquanto tocava o cavalo para a frente.


Mas o contrabandista não se dava por vencido. Os pobres possuem essa coragem imensa de nunca esgotarem a sua capacidade de súplica. E tornou: “Ó Martins, não me troque por esse miserável do Pereira. Ainda lhe põe remédio dos ratos na comida. Até comprei uma banheira de cobre para a Rosita dar banho em água de rosas. Comprei-lhe um vestido novo e umas cuecas modernas no Gomerzindo de Xinzo.”


“Umas cuecas novas?”, admirou-se o guarda. “E para que as quer? Sempre andou com as partes ao léu.”


“É para lhe agradar”, respondeu o contrabandista. “A pombinha chama por si muitas vezes. Diz que gosta dos rebuçados que lhe dá.”


“Desses rebuçados já tu lhe deste antes de mim, meu debochado. Eu sempre gostei de as adestrar. Mas a tua Rosita já estava treinada.Por isso perdi o interesse. Podes tu voltar a dar de mamar à miúda, meu canalha. Deslarga-me filho-da-puta.”


“Está visto que não me conhece. Carne que eu não como dou-a aos cães”, proferiu cerrando os dentes o contrabandista. E pôs-se a correr pelo monte fora como um galgo. O guarda Martins tirou a pistola do coldre, fustigou o cavalo com o pinguelim e correu à desfilada disparando tiros de raiva. Mas aqueles ermos eram bem melhores de percorrer a pé que de ginete. E a cavalgadura do guarda-fiscal fora treinada para trotar com fidalguia e aprumo em campo raso. Por isso retraiu-se na hora da caçada.


Ao longe ecoou o grito de vingança do contrabandista: “Hei-de matar-te, meu filho de uma grandessíssima puta, nem que seja a última coisa que faço na vida. De mim ninguém se fica a rir.”


Os tempos foram passando. O agente da autoridade continuou na sua vida de contrabandista e pedófilo. O contrabandista perseverou na sua rotina de cabrão, cheira cus e chefe de família. Aliciou vários guardas-fiscais, outros tantos republicanos, um que outro agente da judiciária e dois pides, dos bons. Conseguiu ganhar mais algum dinheiro, distribuiu benesses, fez-se amigo do sargento e conseguiu mesmo comprar uma pistola de guerra como a que usava o guarda Martins. Mas a sua arma preferida passou a ser uma navalha de ponta e mola que afiava todos os dias. Foi também apalpando terreno, mas com muita cautela, pois sabia que o guarda Martins tinha bons e leais amigos e espiões competentes distribuídos um pouco por todo o lado.


Primeiro foi falando mal do homem que o tinha abandonado e desprezado, dizendo que ele era um debochado, um pedófilo e um traidor. Todos os que o ouviam lhe respondiam da mesma maneira: “Olha que tu!” E ele: “Posso ser aquilo que sou, mas de mim ninguém se fica a rir.” Depois começou a persegui-lo com toda a experiência de homem do contrabando. Estudava-lhe as rotinas, anotava mentalmente as horas dos passeios e sabia de cor os dias em que invariavelmente o guarda Martins ia a casa da família Pereira locupletar-se com o gado da capoeira.


Como já se disse, o guarda Martins não fumava, não bebia vinho nem cerveja, mas libava, quando saciado de sexo, um whisky velho de marca a que juntava um charuto cubano. Escusado será dizer que nesses dias, o seu sexto sentido se desvanecia e muitas das vezes era o tino do cavalo que o conduzia a casa sem se enganar no caminho.


Era noite estrelada e fria quando o cavalo e o cavaleiro, bufando ambos das ventas, viram aparecer ao longe um vulto embuçado numa capa de burel. O cavalo relinchou. O guarda Martins berrou: “Quem vem lá que faça alto senão é um homem morto.” Mas o vulto não obedeceu. O guarda Martins sacou então da pistola e, dando uma chupadela no charuto, tornou a ameaçar: “Quem vem lá que faça alto senão é um homem morto.” E mais uma vez o vulto nada de obedecer. Quando chegou mais perto, o vulto desembuçou-se e deu lugar à fina figura da Rosita em cima de umas andas que gritou muito alto o nome da guarda. Então o cavalo empinou-se e fez com que o surpreendido guarda caísse ao chão. Quando se sentiu sem carga, a montada do agente da autoridade Martins pôs-se em fuga deixando o seu estimado dono estatelado no chão. Por detrás da Rosita surgiu o seu pai que se aproximou do surpreendido guarda e lhe deu com o cipó de torgo na cabeça. Desfalecido, mas não inconsciente, viu como o contrabandista lhe apertava as mãos e os pés como quem se prepara para matar um animal.


O guarda ouviu o contrabandista dizer para a filha: “Chega-me aí a navalha.” “Para que queres tu uma navalha, filho de um reco?, balbuciou o guarda Martins. “Para te capar”, respondeu a Rosita. Então baixaram-lhe as calças, as cuecas e, com gesto certeiro, de um só golpe deceparam-lhe o pénis. “Este já está”, informou o pai. “Mete-lhe o rebuçado na boca, para que desfrute”, pediu a Rosita.

O contrabandista benzeu-se e assim fez.

 

48 – “O meu José falou na barriga da mãe”, disse com a voz entaramelada o guarda Ferreira enquanto fumava mais um cigarro e bebia outro copo de vinho encostado ao balcão. “Não é verdade meu filho?”, perguntou alto o pai ao filho que lá ao fundo via a televisão. “Como é que posso saber tal coisa?”, ...

 

(continua)

 

04
Mai11

Palavras colhidas do vento... por Mário Esteves


 

 

 

No domingo de manhã, perto do meio-dia, estava na Travessa das Caldas, onde esta dá inicio à Rua de Santa Maria, e mesmo ao lado ficava a mercearia do “João Pequeno” e hoje está a Dr.ª Isabel Viçoso com a fraternal Antígona, não a de Sófocles, mas uma loja de “antigo(n)idades”, na qual, os livros ocupam um lugar preponderante e que para mim constituem um abismo e simultaneamente uma atracção difícil de resistir, por aqueles serem santos da minha devoção e mafarricos da minha algibeira.

 

Como falei dum lado, para equilibrar a balança, falo do lado oposto, em direcção à Igreja Matriz, onde havia uma frutaria que era duma irmã do “Lelo da Tenda”, que lá para o meio e fim da minha infância e de outros, provocavam os mesmos sentimentos e provações.

 

Não era tanto a bola de “cauchu”, que era um sonho, uma ilusão, uma utopia, pois não conheci ninguém a quem tivesse a sorte de lhe sair ou de a ganhar!

 

Nem os minúsculos rebuçados comprados a tostão. A febre eram os cromos dos jogadores de futebol e dos ciclistas que vinham embrulhados nos rebuçados e depois colávamos numa caderneta.

 

 

 

 

Apesar das trocas e baldrocas nunca acabei por completar alguma. E até, por vezes, fui obrigado a confessar-me, pela explosão de palavras feias, por determinados jogadores e ciclistas, tantas vezes se repetirem…

 

De facto ter duas ou três equipas repetidas, sentir o vazio dos “craques” e ver a caderneta a meio e nalguns casos a um quarto, era muito aborrecido!

 

Estava nesse lugar fatídico, do qual só faltou dar as coordenadas, e preparava-me para prosseguir o caminho para comprar os jornais, como faço sempre, quando escutei:

 

-“Esto es muy pequerrecho, en dos vueltas y ya lo vimos todo…”

 

“Esto” era Chaves.

 

Voltei-me e deparei com três “majas” e disse para mim: Lá está a arrogância castelhana.

 

Continuei a remoer a antipatia crescente por aquele cacarejo e até murmurei: “a mulher e a sardinha querem-se pequeninas”.

 

 

 

 

Não sei por que me ocorreu dizer isto, mas, o pequerrucho dito assim… daquela forma, com a altivez que lhe atribuí, referindo-se à minha cidade natal, enervou-me, que logo procurei algo que se opusesse àquela suposta afronta, mesmo que parecesse deslocado ou até absurdo.

 

No entanto, muitas vezes, sente-se pela cidade natal ou por aquela onde temos o gosto de estar, o afecto, a intensidade, a veemência que possamos ter por uma mulher.

 

Tenho para mim que Chaves não sendo uma metrópole, não é uma cidade pequena. Nalguns aspectos até poderá ser, condescendo. Mas tem muitos monumentos… as termas… jardins… as margens do rio… e comecei a emudecer, porque cada vez que repetia algo que engrandecia a cidade, aparecia qualquer pormenor que a diminuía. Além do mais o “pequerrecho” martelava-me o cérebro…

 

…Era Domingo e 1.º de Maio. Não queria de forma alguma estragar ambos. Cada vez que vivo um 1.º de Maio, recordo com nostalgia o do ano de 1974 e as extraordinárias sensações que vivi nesse dia.

 

No Estádio Universitário, no Jardim da Sereia, por toda Coimbra que já não era dos doutores, era … apenas dos cidadãos a viverem momentos fraternos, únicos, históricos…

 

… E depois, pensando bem, ir ao Continente, ao E. Leclerc e tentar a sorte no casino, é uma forma bem pequerrucha de conhecer uma cidade, seja por quem for e em que país for.

 

Mário Esteves

 

 

 

 

04
Mai11

Cartas do Zé


As Cartas do Zé costumam ser publicadas aqui no blog aos Domingos, no entanto neste último Domingo não houve carta e tudo, porque ela chegou atrasada, mas chegou. Assim, é hoje publicada. No próximo Domingo cá teremos nova carta do Zé.

 

 

 

 

Caro amigo

 

Que me dizes do casamento do príncipe camone? Aquilo foi uma boda e tanto! Gostei de ver. Gosto da ideia de que em breve, uma bela princesa plebeia, vai correr o mundo defendendo todas essas ”causas perdidas” que as princesas e primeiras damas abraçam.

 

A falecida princesa Diana foi um bom exemplo. Fim da fome, das minas terrestres, da SIDA... Em tudo se empenhou com graça, elegância e grande dinamismo.

 

Puro marketing, dizem os cépticos. Claro que é marketing. Eu sei. Mas quantas senhoras não terão copiado os seus gestos altruístas para além claro, do seu penteado, roupas e jóias? Quantas damas não terão trocado o conforto do sofá pelo trabalho voluntário em hospitais, asilos, ou ONG’s?

 

Também em Portugal temos alguns exemplos do empenho de primeiras damas. Lembro o trabalho das esposas de Mário Soares e Cavaco Silva na Cruz Vermelha Portuguesa...

 

Tá bom! Tratava-se, na sua maioria de emprestar a sua presença em festas e leilões para recolha de fundos, mas o impacto dos seus gestos tem repercussão bastante positiva no país. As palavras esperança, solidariedade, altruísmo parecem de novo ganhar sentido.

 

E em Chaves? O que fazem as primeiras damas? Há damas ou a malta da política só joga xadrez? Confesso que não sei, não vi, não conheço, mas quero comentar.

 

Acredito que no dia de todos os santos, uma ou outra tenha pegado na caixa de moedas da Cruz Vermelha e não esqueço a beleza que um dia tiveram os jardins da nossa cidade. Mas é só. Acho pouco. Nem sequer é de considerar isso como trabalho voluntário. As caixas de moedas são distribuídas pela própria organização e a engenheira técnica cumpria horário de trabalho.

 

Mas então que fazem as primeiras damas de Chaves para ocupar os seus tempos livres? Porque é que os jornalistas da terra não divulgam o seu trabalho em obras de beneficência. Penso que a agenda social dessas mulheres deveria ser do conhecimento público e assim poder influenciar positivamente a sociedade flaviense.

 

Estou certo que a foto de uma primeira-dama fazendo trabalho voluntário no hospital de Chaves, ou no asilo de Nantes, aumentaria o número de trabalhadores voluntários nessas instituições. Acredito que a notícia de uma primeira-dama, ensinando a separar o lixo num bairro da periferia, aumenta de modo definitivo os índices de higiene do próprio bairro e da mesmíssima reciclagem na nossa cidade.

 

Porque estamos num país e numa cidade em crise, porque o trabalho de todos é necessário para ultrapassar estes tempos difíceis e porque é preciso provar que “atrás de um grande homem está sempre uma grande mulher”, quero pedir aos jornalistas flavienses que divulguem as ocupações da nossa primeira-dama.

 

Sugiro um conjunto de entrevistas com a primeira-dama, a esposa de um deputado, de um presidente de clube de futebol, da região de turismo, das águas, instituições escolares, prisionais, militares, policiais, enfim, um conjunto de entrevistas com a cara-metade do pessoal que “leva o cabresto” da cidade. Se a primeira-dama for macho, também serve. É bom saber o que o moina faz pelo próximo.

Quem sabe se pelo meio dessa gente não haverá algum exemplo inspirador a seguir e assim ajudar a amenizar o sofrimento dos mais necessitados.

 

Sim, porque isto de ir de braço dado ao café, missa dominical e inauguração de obra pública ou exposição de artes é pouco. Muito pouco.

 

Da minha parte fica a promessa de que o dia do meu regresso a Chaves será também o dia de recrutamento para trabalho voluntário numa instituição da minha cidade ou região.

 

Sem outro assunto de momento recebe aquele abraço solidário e do tamanho do oceano.

 

O amigo que te estima,

 

Zé Moreira

 

 

 

 

03
Mai11

Pedra de Toque


 

 

O Espectáculo da Vida

 

Ainda Reminiscências do Teatro em Chaves


 

A arqueologia é uma ciência fundamental para entender o passado, para edificar o presente e melhor alicerçar o futuro.

 

Todos os estudos que têm sido feitos nessa matéria, por flavienses ilustres, merecem-me todo o interesse e o máximo respeito.

 

Mas a história é também o modus vivendi das gentes de todos os estratos e classes sociais que se organizam em sociedades.

 

Nesta paixão militante pela cidade, para além da monumentalidade das pedras, tantas vezes reflectida em belas igrejas, em bonitas capelas, em edifícios de aliciante estética, que regalam os olhos, inclino-me sobretudo para as vivências, os costumes, as grandes manifestações de repulsa ou de júbilo, sempre protagonizados pelos homens e mulheres que por aqui nasceram, que por cá viveram no século que acaba de nos deixar.

 

E nada melhor que o teatro, para espelhar as alegrias, as angústias, o quotidiano de um povo, como referiu o dramaturgo e poeta andaluz, desaparecido tragicamente, Frederico Garcia Lorca.

 

Aliás, nada melhor também, que os inúmeros autos do Mestre Gil, para muitos o fundador do teatro nacional, para conhecermos o Portugal Medieval.

 

Que retrato mais nítido da Inglaterra dos séculos XVI e XVII, do que aquele que transparece das imortais tragédias e comédias do genial Shakespeare.

 

O teatro no nosso país, na primeira metade do século XX atingiu períodos de grande esplendor, de grande adesão popular.

 

Estávamos longe da pacífica invasão das caixinhas da TV.

 

O cinema arrancava mudo e apareceu nos ecrãs da província, já os anos 30 decorriam.

 

Chaves, viveu a paixão do teatro.

 

Aqui se realizaram grandes espectáculos.

 

Aqui se aplaudiram óptimas peças e afamados artistas.

 

Foi palco, de memoráveis sucessos, o Teatro de Chaves, na Rua Major Sousa Machado, mais conhecida por Rua do Correio Velho, posteriormente a sede da Banda 12 de Setembro, "Os Canários” de saudosa memória.

 

Também o salão Maria, onde presentemente se localiza a Exportadora, o Teatro António Granjo, depois o 5 Chaves, hoje mais um estabelecimento chineses.


Ainda o Cine-Parque (das bolinhas), na Rua de Stº António, no caroço

da cidade, tristemente encerrado, já lá vão tantos anos.

 

Vedetas de então - anos 2O e 3O -,  como Carlos de OIiveira, Chaby Pinheiro, Emilia de Oliveira, Eva Stachino e Alves da Cunha, actuaram com aplaudido êxito, para as nossas plateias.

 

As companhias, quase sempre oriundas da capital, permaneciam emChaves alguns dias e até semanas.

 

O teatro musicado, a revista à portuguesa, também debandava até às nossas paragens, provocando nas enchentes a gargalhada proibida, o trautear da modinha que a rádio já difundia.

 

Nos. nossos palcos igualmente actuou na década de 20, uma companhia

de Zarzuela da vizinha Espanha, com todo o fascínio da música, com o luxo faustoso do guarda-roupa e dos cenários.

 

Óperas também se exibiram nos nossos teatros.

 

Penso que este género sublime, voltou a ser ouvido em Chaves, ainda que em fragmento, em 1992, na Praça de Camões, quando cantores líricos, nos ofereceram áreas do "Barbeiro de Sevilha", acompanhados com brilho pela Orquestra do Norte, superiormente dirigida pelo nosso conterrâneo Maestro José Lobo.

 

Mas não só os profissionais nos deliciavam com a sua arte.

 

O teatro amador era fecundo na cidade.

 

Foram vários os grupos que se dedicaram com entusiasmo, apaixonadamente mesmo, à arte de Talma.

 

E cada função dos Bombeiros, dos Caixeiros, dos Sindicatos Operários, entre outros, era garantia segura de lotação esgotada.

 

Contam-me que António de Castro Lopo, Adelino Batista e muitos mais, foram actores consagrados pelo público flaviense.

 

O teatro revisteiro, o teatro brejeiro, sempre com a critica social de permeio, recheado de música melodiosa, onde nos versos das cantigas se brincava com figuras conhecidas e típicas do burgo, merecia a preferência dos muitos apreciadores.

 

Na memória ficaram-me algumas estrofes, que aprendi dos mais velhos, cantaroladas numa récita representada por amadores em 192.., que fizeram furor na época.

 

Aqui ficam as que a lembrança reteve:

 

O nosso amigo Geraldes

Que nesta terra faz tudo

Anda a fazer em segredo

Um São Gregório Taludo.

 

Ai, ai, ai,

Faz Santos e faz pincéis,

Ai, ai, ai,

Vende café e pastéis.

Ai, ai, ai,

Asa galinhas e galos

Ai, ai, ai,

E carrega bem nos calos.

 

No terreiro de cavalaria

Num certo caramanchão

Um bando de melindrosas

Estão sempre em exposição.

 

Ai, ai, ai,

Ninguém pode lá passar,

Ai, ai, ai

Logo ficam a cortar.

 

O Adriano Batista

O Manco da Madalena

Engendrou um remédio

Para endireitar a perna

 

Ai ai ai

As mancos da comissão

Ai , ai, ai,

Vão-lhe imitar a invenção

Ai , ai , ai ,

O seu colega Sarmento

Ar , ai, ai ,

Vai-lhe erigir um monumento.

 

Anda p’ra aí um menino

Atiradinho das canelas

Tem raiva às costureiras

Mas não gosta pouco delas.

 

Ai , ai ,ai

Veste com garbo e distinção

Ai ; ai , ai ,

'ji-'~

Cavalo branco de Napoleão

Ai , ai , ai ,

Às vezes nas brincadeiras

Ai , ai , ai,

Deita-se à luz das Candeias.

 

O Alves da fotografia

Resolveu andar a pé

E foi para vender

Um carro marca bidé.

 

·Ai, ai, ai,

Mas quem lho quiser comprar

Ai', ai,  ai,

Tem que o mandar lavar,

Ai , ai , ai ,

Quantas vezes eu já vi

Ai, ai , ai ,

O Alves nele fazer xixi.

 

Por justiça que o povo assinalou, com aplausos vibrantes e reposições várias , urge destacar as operetas , construídas pela parceria que ficou célebre , formada pelo General Ribeiro de Carvalho e pelo maestro Pinto Ribeiro , este , mestre da famosa e conceituada Banda do Regimento Militar.

 

Amadores talentosos, cantavam e representavam as melodias compostas pelo maestro , os textos escritos pelo General.

 

As modas saltavam do palco para as ruas e becos da cidade, no assobio trinado dos cavalheiros, na voz límpida das lavadeiras que ecoava nos arcos da ponte que os romanos nos legaram.

 

A repercussão do êxito das operetas, sobrevoou as muralhas da cidade.

 

Vários foram os grupos de flavienses que , em ocasiões diversas, as exibiram noutrs vilas e cidades do distrito.

 

As deslocações à Régua, foram, no entanto, mais frequentes.

 

Neste caso devido ao intercâmbio amistoso com "As Adorinhas", companhia amadora dirigida por senhoras de grande sensibilidade artística, muito acarinhada nos inúmeros espectáculos realizados em Chaves, pelo seu elevado nível.

 

Após as récitas, era uso, antes da deita, o simpático beberete ou a farta ceia, para comemorar o esforço dedicado e a satisfação plena, pela obra conseguida.

 

Recordemos alguns títulos do teatro musicado a que nos temos vindo a referir:

 

"A Pastorinha", "A Dama Negra", "O Segredo do Rajá", "A Herança do Capitão-Mor", "O Lobisomem", "O Marquesinho", e outras, foram operetas belíssimas, "fabricadas" pela dupla.


Um fortuito e extremamente agradável encontro com uma descendente do maestro Pinto Ribeiro, residente em Lisboa, proporcionou-me a obtenção de algumas partituras, em fotocópias, do insigne músico, remetidas por aquela gentil senhora.

 

Não estão perdidas, mas sim tão bem guardadas, que o local não me ocorre, para as poder reapreciar.

 

No aspecto musical, não o poderia fazer, por falta de preparação.

 

Mas como as notas das partituras estavam sublinhados pelos versos lineares e felizes do General Ribeiro de Carvalho, eu fixei alguns que vou transcrever e que ainda ouvi cantados por bons amigos, infelizmente já desaparecidos.

 

Do "Marquesinho".

Cantiga da actriz principal.

 

"Cuco do mar,

Cuco da beira,

Responde breve,

Ó ave Iinda,

Quantos anos ficarei solteira,

Quantos anos ficarei ainda"

 

Dentre cenas, o cuco, respondia com um único pio.

Entrava então o coro, que entoava.

 

"Ao Marquês chegou a hora

a hora de se casar

busca a noiva encantadora

das mais belas do lugar"


 

Da "Herança do Capitão-Mor"

Cantiga de uma moçoila.

 

"Os rapazes desta roda

Andam de mim ao redor

Já parou a roda toda

Sem que eu visse o meu amor.

 

Sem que eu visse o meu amor

ele não quer  comigo estar

traz a cabeça ao redor

porque anda a namorar.

 

Porque anda a namorar

A outra e não a mim,

Nos homens não há que fiar

eles são todos assim.

 

Eles não são todos assim

Inda os há que são constantes

Tenho o exemplo em mim

Que fui sempre o que era dantes

 

Eu fui sempre o que era dantes

Podes comigo casar

E se fores sempre constante

Seremos ditoso par"

 

Era esta a poesia simples, fresca, de sabor popular que o General escrevia, para contar os enredos inspiradamente musicados pelo maestro, Augusto Ribeiro de Carvalho, era pessoa respeitável, querida e carismática na cidade.

 

Não havia pais que impedissem suas filhas de participarem nos ensaios , dirigidos pelo senhor General, que mais tarde exerceu funções de Presidente da Câmara, com uma gestão honrada e de progresso, que marcou o desenvolvimento da cidade e do concelho.

 

Foi também o General, o autor do esgotado "Chaves Antiga", livro ainda marcante, apesar das imprecisões históricas, na vida cultural flaviense.

 

Do teatro, da produção da dupla Pinto Ribeiro- Ribeiro de Carvalho, e do que se realizou até meados de 1975, ainda há muito para contar.

 

Eventualmente numa próxima crónica.

 

Ou na oportunidade que surgirá.

 

Não quero findar sem referir a principal fonte, entre outras e para além das indicadas, em que bebi as memórias, desta nossa cidade, desconhecidas de tantos, é de suas boas gentes, que lhe deram vida e história.

 

Foram longas conversas, que levianamente não retive em fita magnética com o Dr. João Morais, um médico humano, um homem bom, um conversador nato, um espantoso contador de estórias que me estimularam esta curiosidade infinda, pelas coisas que amo, vividas na minha cidade.

 

Muito do que hoje carreei para as frases, escutei-o a ele, numa postura embevecida.

 

Da gente simples, que gozou a frescura dos amieiros beira-Tâmega, quando a Póvoa era para os mais favorecidos, de gente humilde que se debruçava nas medievais varandas, para ver as bandas passar, da generosidade e do altruísmo da Maria Landainas, da graça espontânea do Saramita, do teatro de que vos falei, ele sabia mais do que ninguém, ele sabia tudo.

 

Aprender com ele era um acto de prazer.

 

Que lástima, que pena, que dor, por não poder continuar a ouvi-lo.


Se tal fosse possível, e infelizmente não é, (as' tais injustiças dos Deuses…) esta crónica seria muito mais extensa e, porventura, menos maçadora.

 

António Roque

 

 

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