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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

06
Jul11

Palavras colhidas do vento... por Mário Esteves


 

Na edição da semana passada do jornal “Expresso”, veio publicado um mapa de Portugal, com os “ganhos e perdas de habitantes” por concelho, entre os anos 2001 e 2011.

 

Como era de prever, reflecte a tendência dos séculos passados, salvo uma ou outra excepção, na qual o interior norte e centro do país continuam a ser as zonas onde mais ocorre o declínio de habitantes. Se somarmos a emigração, o envelhecimento, o abandono da população rural em trânsito para as cidades ou vilas e na generalidade para o litoral, a falta de oportunidades, não estaremos muito longe da realidade que viveram os nossos pais e avós.

 

Também não surpreende que o sul do país seja uma das zonas, nas quais predominam os concelhos, mesmo do interior, com uma quebra de habitantes mais moderada, com percentagens entre os -2% a -10% e 2% a -2%.

 

Assim como é claro, que o litoral navegue nas percentagens mais animadoras: na faixa dos 2% a -2% e 2% a 10%.

 

 

No caso particular de Trás-os-Montes e Alto Douro é maioritária a percentagem na faixa dos -10% a -20%, estando o concelho de Chaves, juntamente com Freixo de Espada à Cinta, Macedo de Cavaleiros, Mesão Frio, Miranda do Douro, Mirandela, Peso da Régua, Sabrosa e São João da Pesqueira, nos -2% a -10%.

 

Bragança e com maior intensidade, Vila Real, fazem valer a condição de “capitais de distrito”, centralizando serviços administrativos, mantendo-se o primeiro na divisão intermédia de 2% a -2% e o segundo em nítida ascensão, ombreando com concelhos do litoral, onde ocorreram significativos aumentos de habitantes, na percentagem de 2% a 10%.

 

Em relação à “Bila”, além do que se referiu, não será estranha a este crescimento demográfico a circunstância relevante de nela ter sede a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, com os cursos mais aliciantes e maiores possibilidades de acesso ao mercado de trabalho.

 

 

Li um artigo de opinião num jornal regional, no qual se louva a atitude do recentemente empossado Primeiro-Ministro, Passos Coelho, por se ter deslocado expressamente a Vila Real e à Assembleia Municipal para apresentar a sua demissão como presidente deste órgão, atendendo às exigências do cargo para que foi eleito nas últimas Legislativas e às particulares dificuldades que o Governo correspondente a esta Legislatura enfrentará.

 

Compreende-se o natural regozijo dos vila-realenses pela eleição de um cidadão que consideram da terra.

 

Já o acto em si e para mim, salvaguardadas circunstâncias excepcionais, apenas teve o valor do exercício de um acto democrático e de respeito pelos cidadãos eleitores e pelo órgão que presidiu, independentemente da sua representatividade ou carácter deliberativo.

 

Poderá ser um exemplo, mas, na minha opinião, é ou deveria ser a regra e não a excepção.

 

Desafortunadamente a regra é Fernando Nobre …

 

Tenho para mim … que o poder seja que natureza for, transforma as pessoas.

 

Agarrem num cidadão anódino, amigo da mulher e dos filhos, contribuinte obediente ao erário público, comedido nos actos e palavras, respeitado pelos vizinhos, vida sem alardes ou grandes pecados salvo a sueca à tarde depois do emprego e umas “minis”, o café curto com “só um golinho” no bar de sempre, depois das refeições, a leitura dos jornais e revistas à borla na papelaria do hipermercado ao sábado, o futebol ao domingo, que lhe faz “perder os nervos” e soltar aqui e além umas pragas ou dar um pontapé no vizinho da frente, a quem, envergonhado, pede desculpas de imediato; passem-no de candidato a uma eleição a eleito e verão a diferença.

 

 

Começa pelo falar, antes inteligível, agora arrevesado, perde-se nos becos; a voz sumida, que mal atingia a pauta, agora, altiva, sobe aos agudos, nas ordenanças e quando o engenho aconselha, baixa aos graves, melíflua, sem faltar a pancadinha nas costas e o sorriso fingido.

 

Segue-se o trajar, o fato coçado nos cotovelos e mangas desaparece num “lustro”, a camisa engelhada passa a ser substituída diariamente e os sapatos brilham como nunca.

Deixou de frequentar o bar de sempre e foi substituído pelos companheiros da sueca, por excesso de faltas.

 

Aos vizinhos o cumprimento ligeiro, apenas mais efusivo quando há necessidade, no demais distanciamento, que são uns “chatos”, sempre a pedir, a pedir …

 

O viver entre portas com a mulher e os filhos, desmorona-se aos poucos, na proporção inversa aos conhecimentos e cumplicidades que vai angariando, pelos favores que concede no seu próprio interesse.

 

Prepara-se para mudar do velho apartamento para uma vivenda em sítio tranquilo num loteamento há pouco aprovado e trocar o desgastado Opel Corsa por outro carro mais de acordo com a sua actual posição …

 

A separação entre o possível e o impossível, a princípio intransponível, começa a esbater-se em “fortes probabilidades” … “ter pernas para andar” … “a existir empenho entre ambas as partes e a máxima confidencialidade é mesmo, mesmo, muito possível”...

 

É natural que hajam excepções, são elas que nos fazem continuar a crer.

 

Mas o poder embriaga…

 

 

Como ao alfaiate de Santo Amaro, que, ao regressar a casa, numa noite, com o ribeiro de Rivelas a transbordar e as águas a chegarem quase ao começo da ponte, a poucos metros da Casa de Saúde do Doutor Fernandes; ébrio por força de umas goladas de um tinto poderoso de Águas Revés, que emborcara numa tasca “trás da Câmara”, caiu do passeio da ponte para o ribeiro, em consequência de uma passada mais incerta, mas com tanta sorte, que ficou direito, embora encharcado até aos joelhos.

 

Atónito, exclamou para os companheiros de bebedeira:

 

- “Olha …Olha… Que cheia! Até o Rivelas já passa por cima da ponte …!”

 

Pois é, alguns dos nossos estimados eleitos, tão extasiados e absortos estão a exercer o poder pelo poder e tal se lhes permite, que estão como o alfaiate de Santo Amaro.

 

Mário Esteves

 

 

 

  

05
Jul11

Pedra de Toque - As Verbenas


 

 

AS VERBENAS

 

 

Eram as festas do Verão na nossa cidade.

 

Iniciavam-se em Junho e findavam já nas noites frescas de Setembro.

 

Raro era o fim-de-semana em que elas não aconteciam.

 

Realizavam-nas as comissões de apoio ao Grupo Desportivo de Chaves e muitas outras instituições, algumas de carácter social.

 

Uma salva de morteiros e a arruada da banda, lembravam à cidade o evento que acontecia quase sempre no Jardim Público.

 

 

As pessoas acorriam em grande número.

 

Artistas consagrados visitavam-nos. Marco Paulo marcava presença todos os anos em Agosto na verbena dedicada aos emigrantes que enchiam por completo o espaço.

 

Mas a consagradíssima Amália Rodrigues, também cantou em verbenas no Jardim Público, pelo menos duas vezes fazendo-se acompanhar pelos seus guitarristas e de outros conhecidos cançonetistas.

 

O sucesso foi estrondoso.

 

A diva, já o sol começava a raiar, elogiou a hospitalidade dos flavienses e realçou a beleza desta nossa velha cidade milenária, enquanto bebia a água das nossas miraculosas caldas, para digerir a costumada ceia.

 

Nas verbenas dançava-se à volta do coreto e por todo o jardim.

 

Ali destacava-se, comandando o baile, a tia Maria Landainas, mestre de dança de muitos jovens flavienses, que deambulava nos seus levíssimos chinelos, ao som e ao ritmo das modas que a banda tocava.

 

 

No ringue, rodeado de mesas onde se serviam comes e bebes, dançavam os mais endinheirados, que podiam pagar a quantia que a organização fixava para bailarem sem sujarem de poeira os brilhantes sapatos.

 

No topo, um conjunto normalmente de Chaves, debitava música mais moderna.

 

Quantas promessas furtivas, quantas mãos apertadas, quantos olhares comprometedores cimentaram amores, quiçá paixões, que perduraram para além do Verão seguinte.

 

Claro que o Jardim Público de então era um berço romântico e acolhedor para estas festas, as saudosas verbenas,

 

Ainda hoje frequentemente relembradas com emoção pelas gentes da minha terra, nestes fins-de-semana em que o calor tanto aperta.

 

 

António Roque

05
Jul11

Zerbadas em Chaves - Apresentação do Livro


Há pouco tempo atrás tivemos a honra de anunciar a publicação do Livro “Zerbadas em Chaves – Estórias” de Gil Santos, hoje anunciamos a sua apresentação em Chaves, que vai acontecer amanhã, na Biblioteca Municipal às 18H30.

 

 

Para quem não puder estar presente e queira mesmo assistir ao lançamento deste livro, no próximo Sábado, dia 9, terá outra oportunidade, pois o Gil Santos estará presente no XV Encontro de Blogues e Fotógrafos onde às 15H00, no Santuário da N.Srª das Necessidades (N.Srª do Engaranho) em Castelões, irá decorrer a apresentação do seu livro conjuntamente com a apresentação de mais três livros de outros autores.

 

“Zerbadas de Chaves” um livro de estórias da nossa terra que o Gil Santos já nos tem habituado e que tão bem sabe contar. Um livro que este blog recomenda e que é de leitura obrigatória para todos os flavienses.

 

Até mais logo, pois ao meio dia estará por aqui a "Pedra de Toque" de António Roque.

 

 

 

 

04
Jul11

Quem conta um ponto... Por João Madureira


 

O fim de uma ilusão

 

 

Devolvido Sócrates ao anonimato mediático, eis que os triunfadores da “causa pública” se atarefam na imensa, e inglória, tarefa de crucificar quem se lhe segue. E é bem feito, sim senhor. A política é isso mesmo: retirar uns do poleiro e pôr lá outros para seguirem o mesmo caminho. E, para isso, são fundamentais as televisões e os jornais. É aí onde se alojam os milhares de génios que diagnosticam as origens da crise e é lá, nesse oráculo da revelação, que propõem a cura. Ali em directo, como deuses da verdade, no seu Olimpo de certezas. E falam e falam e continuam a falar porque apenas eles nos podem salvar. E se não for possível a salvação ser servida ainda durante a noite das tertúlias, ou dos directos televisivos, ela virá logo pela manhã, fresquinha como o “biju” onde, para nosso deleite, a manteiga ainda derrete.

 

(E a promessa de Pedro Passos Coelho, no dia das mentiras, de que não… )

 

Abençoados sejam os engenheiros, os economistas, os políticos, os gestores, os médicos, os funcionários superiores, os filósofos, os professores universitários, os diplomatas, os advogados, os juízes e as mil e uma castas de palradores empertigados na sua importância e nas suas certezas passageiras, que raiam a esquizofrenia.

 

(E a promessa de Pedro Passos Coelho, no dia das mentiras, de que não ia mexer no 13º mês…)

 

Quem, como eu, os ouve, fica irremediavelmente com a impressão de que a nossa jovem democracia esteve entregue aos incompetentes, aos mentirosos, aos ladrões. Daí a actual situação de emergência nacional. E a pergunta impõe-se: será unicamente por culpa de Sócrates, Durão Barroso, Guterres, Cavaco Silva, Mário Soares, Ramalho Eanes, Sá Carneiro e Freitas do Amaral e Vasco Gonçalves? E o povo pá? Pois, os camaradas da luta têm razão, o povo quer, é um carro novo mas, com o PSD no Governo, para já, saiu-lhes um subsídio de Natal com o bónus de menos 50%. Portugal à direita é mesmo assim. É o Continente a céu aberto. Mas mentirosos eram os outros: os do Sócrates. 

 

(E a promessa de Pedro Passos Coelho, no dia das mentiras, de que não ia mexer no 13º mês a provocar-me azia…)

 

Na minha humilde perspectiva, a realidade remete-nos necessariamente para uma outra visão dos factos. Todos nos lembramos, e os que não se podem lembrar devem consultar os livros de História Contemporânea, do Portugal salazarista pobre, antiquado, arcaico, medieval, e, em muitas localidades, mesmo primitivo. Todos nos lembramos também da primavera marcelista que deu alguma esperança de desenvolvimento a muita gente e que acabou torpedeada pelo pronunciamento militar do 25 de Abril, bem ao jeito das ditas revoluções que tiveram lugar nos séculos XIX e XX.

 

(E a promessa de Pedro Passos Coelho, no dia das mentiras, de que não ia mexer no 13º mês a provocar-me azia e a música do Bandemónio…)

 

Após Abril de 1974, por mérito da esquerda, e pelo desnorte da direita, instalou-se o mito nocivo de que Portugal poderia, em meia dúzia de anos, tornar-se, por obra e graça do Espírito Santo, um país com os níveis de desenvolvimento da Europa Ocidental. E, vai daí, começou-se a reivindicar tudo e mais alguma coisa. Todos à uma fomos para a rua exigir o Estado Social, salários adequados, habitação, educação e saúde gratuitas, universidades de excelência, empregos para toda a vida, subsídio de férias e décimo terceiro mês, férias no estrangeiro, carro novo, hospitais e centros de saúde com qualidade, estádios de futebol, auto-estradas espalhadas pelo país e quase todas à borla, subsídios de desemprego generosos e alargados no tempo, rendimento mínimo garantido e muito mais mordomias que seria cansativo aqui referir ao pormenor.

 

(E a promessa de Pedro Passos Coelho, no dia das mentiras, de que não ia mexer no 13º mês a provocar-me azia e a música do Bandemónio Pedro Abrunhosa…)

 

Entretanto a produção nacional não aumentou, extinguiu-se o ensino técnico, o nível cultural não se elevou, o ensino perdeu qualidade. Só que, com a entrada dos fundos comunitários nos cofres do Estado, e nos bolsos de agricultores, pescadores, formadores, banqueiros, etc., o bom senso desapareceu e todos entrámos em euforia. Com uma manifestação conseguia-se um aumento, com uma greve outro aumento, e com a tomada de posse dos sucessivos governos foi-se espargindo, como estrume, dinheiro sobre os problemas.

 

(E a promessa de Pedro Passos Coelho, no dia das mentiras, de que não ia mexer no 13º mês a provocar-me azia e a música do Bandemónio Pedro Abrunhosa a ribombar-me na cabeça: “É que isto é mesmo assim…)

 

 

Subsidiou-se o arranque e o plantio de vinhas, oliveiras, os poços de rega, o abate de barcos de pesca, os burros, as ovelhas, as vacas leiteiras, os cursos de formação onde professores chegaram a aprender a nobre arte dos tapetes de Arraiolos ou o ponto em cruz, onde se aprendeu a costurar, a jardinar, a cantar e, até, a respirar.

 

(E a promessa de Pedro Passos Coelho, no dia das mentiras, de que não ia mexer no 13º mês a provocar-me azia e a música do Bandemónio Pedro Abrunhosa a ribombar-me na cabeça: “É que isto é mesmo assim / Sou só uma ilusão…

 

Isto era o que se fazia lá fora, na Europa desenvolvida. E este argumento falacioso foi o bastante para calar muitos dos protestos dos que apelavam ao realismo e à razão. E os patriotas e os comentaristas de agora todos ajudaram à festa. Foi um fartar vilanagem. Claro que o dinheiro não bastava para a instalada megalomania dos direitos. Os subsídios foram-se extinguindo, mas os direitos continuaram e a riqueza nacional não crescia. Resultado, Portugal tratou o problema como de costume, pediu dinheiro emprestado. A ilusão do euro tornou essa experiência fácil, pelo menos aparentemente. E tinha a virtude de ser indolor nos primeiros anos.

 

(E a promessa de Pedro Passos Coelho, no dia das mentiras, de que não ia mexer no 13º mês a provocar-me azia e a música do Bandemónio Pedro Abrunhosa a ribombar-me na cabeça: “É que isto é mesmo assim / Sou só uma ilusão / Não tenho mão em mim…)

 

Mas os alicerces deste estado social têm, por força da falta de produção de riqueza nacional, a mesma consistência dos da baixa lisboeta. Também eles estão assentes em estacas de madeira numa zona de aluvião. E o terramoto aproxima-se.

 

(E a promessa de Pedro Passos Coelho, no dia das mentiras, de que não ia mexer no 13º mês a provocar-me azia e a música do Bandemónio Pedro Abrunhosa a ribombar-me na cabeça: “É que isto é mesmo assim / Sou só uma ilusão / Não tenho mão em mim / É uma maldição…)

 

Agora já sabemos que a economia é a modos que um conto dos Irmãos Grimm. E todos pressentimos que viver de dívidas não é sustentável.

 

(E a promessa de Pedro Passos Coelho, no dia das mentiras, de que não ia mexer no 13º mês a provocar-me azia e a música do Bandemónio Pedro Abrunhosa a ribombar-me na cabeça: “É que isto é mesmo assim / Sou só uma ilusão / Não tenho mão em mim / É uma maldição.” E o segundo e o quarto versos a rimar com aldrabão… E o PPC a cantar: Sou só um ilusão.)

 

PS – Mas enquanto o Titanic se afunda, permitam-me que deixe aqui uma sugestão aos homens… de boa vontade, para soçobramos com elegância.  

 

Ponham a tocar a “Sinfonia do Novo Mundo”, de Dvorák [para os especialistas Sinfonia Nº 9 em Mi menor (Op. 95)].

 

Roupa: Calções Cargo, relógio Diesel, saco Louis Vuitton (este pequeno pormenor anda pelos 2200 euros), cardigan em algodão, óculos de sol Persol, cinto em pele, sandálias também em pele, chapéu em palha Lacoste.

 

Bebida: Red Emotion, por sugestão do Hotel Ritz. 1 morango, 2 amoras, 1 framboesa, 3 gomos de lima, 4 cl de Bacardi. Técnica: Macerar os frutos, agitar tudo no shaker, coar bem, adicionar gelo picado e juntar Água das Pedras (por sugestão nossa), em vez de Água Castelo, até ao cimo. Decoração: Rodela de lima, amora e framboesa. Tempo de preparação: 8 minutos.

E bom naufrágio.

 


03
Jul11

Treze Contos do Mundo que Acabou - O Riso da Bruxa


 

Conto II

O riso da bruxa

(2ª parte)

 

          Com a barriga mais aconchegada, trocou de farpela. Já de socos e de capucha enfiada, despediu:


          - Vou um cibo até à taberna do Armando a ver em que param as modas...Volto breve.


          - Não te prendas na jogatina até às tantas e, vê lá, não te abras muito, que a vida da gente ninguém precisa de a saber...


           Sempre fora mais de ouvir que de falar, não precisava que lho lembrassem. Mas, hoje, contra o que era costume, apetecia-lhe companhia para a bisca do nove e dois dedos de conversa, sobre os sobressaltos do contrabando ou as bazófias dos caçarretas, tanto importava, desde que os contos e ditos dos outros esmorecessem um pouco a amargura que o consumia.


          Caía uma geada mais fria e quieta que o silencio e pelas ruas do povo não bulia vivalma. Nem os cães do Larufas, sempre tão sediços com quem se abeirava da porta, deram sinal de querer indagar de quem eram os socos que matraqueavam o empedrado do Largo do Tanque. No alto do negrilho velho, empelouricava-se regalada, com ar trocista, a lua grande, dona e senhora do céu e da noite. Coisa boa não agoirava.


          - Bons olhos te vejam! Que é feito de ti, que ninguém te põe a vista em cima há mais de quanto tempo?! Não me digas que é a Quinhas que se encontra pior...


          - Coitada, lá vai indo, com a graça de Deus. Mais mal não está...

 


          A um canto, onde ainda chegava bem a luz do petromax pousado sobre o balcão, os quatro do costume, abancados a uma mesa, liam pelo livro das quarenta folhas. Na mão esquerda, o leque aberto das cartas, que a direita espalmava, uma a uma, ruidosamente, em cima do tampo lustroso. Contados e recontados os pontos, no fim de cada jogo, afrouxavam a postura vigilante para esgrimir argumentos tácticos na euforia da vitória, ou tecer desculpas esfarrapadas, consoante a sorte ou o melhor uso dos trunfos que cada parceiro conseguia.

 

          - Quem é a embaralhar?

 

          - É sempre quem pergunta...

 

          Chegou-se ao fogo do canhoto que ardia amparado ao trasfogueiro e deixou que as chamas lhe lambessem longamente as mãos enregeladas.

 

          - Bota-me aí dois dedos de bagaço!

 

          - Já escutaste dizer que, a outra noite, os carabineiros fizeram fogo sobre o Zé de Soutelinho? Estavam amarrados atrás da fraga da Mocha, ele vinha derreado com o trelo às costas e não os fazia ali. Mal lhe deram voz de prisão largou o que trazia, e, direito ao lado de cá, as pernas não foram mancas...

 

          - E o prejuízo, foi muito?

 

          - Seriam uns fardos de bacalhau... Do mal, o menos, que ainda não foi desta que lhe furaram o roupeiro.

 

          - Mas porque carga de água é que eles se põem à coca do Soutelinho, para mais com as geadas que têm caído? Ainda se fossem os nossos, agora os galegos... Deve haver por lá novidade...

 

          - Diz que é um sargento novo que lá puseram e que quer mostrar serviço.

 

          - O tempo há-de amaciá-lo, como aos outros. A ti, se calha, é que vinha parar o bacalhau...

 

          - Bem, algum seria... O que tinha, foi-se todo pela consoada. Na Vila pediram-me por ele a mais do dobro, e nem por isso é melhor.

 

           - Sossega, que o Soutelinho não tarda lá por outro. A vergonha dele é como a de um cão e ainda está para nascer quem seja capaz de lhe deitar a unha.

 

           - E os filhos já lêem pela mesma cartilha. Aqui há dias o garotanho mais pequeno veio-me procurar se precisava de mercadoria de lá.

 

 

 

           A conversa dava sinais de querer interessar os da mesa do canto, e o Russo, que levava duas bandeiras de avanço, entendeu que era hora de quebrar a atenção no jogo e entrar no tema.

 

           - Lá finos para as malas-artes são eles. Não querem nada com a escola, mas não há ninho de perdiz que não pilhem ou lebre acamada que não passem ao estreito.

 

          - Se não fossem guichos do que é que comiam? Com a fartura da casa podem eles bem, coitaditos! - pela rara mercearia que lhe gastavam da taberna, bem sabia o Armando que não andava longe da verdade.

 

          O tio Laurentino, que ainda não despregara os olhos da fatuidade das labaredas, escapas aos canhotos retorcidos dos torgos, não pôde evitar a lembrança daquela morte ensombrada, que nem a temporã resignação da família fizera ainda sair da roda do diz-que-diz do povo da Lamagorda. Quando ajudou a tirar a Belmira do fundo da presa do Agapito até as lágrimas se lhe soltaram, ao ver o que tinha sido o corpo da rapariga, na flor da idade, boa parideira e desenxovalhada na lida da casa, e o que era agora, um trambolho, mais inchado que um odre de cabra velha e já todo ratado dos bichos. E o fedor que deitava!? Só Deus sabe os trabalhos que foram para lhe dar sepultura de alma cristã. Valeu o Eliseu coveiro ter um estômago feito a tudo, e o senhor padre Joaquim ter rezado a missa ainda mais ligeirinho do que era hábito e não ter querido dar ouvidos às línguas que soavam pelo povo, de que a Belmira se tinha deitado a afogar, para esconder a vergonha da barrigada que lhe fizera o guarda-fiscal.

 

          - A mãe ainda cá lhes fazia muita falta. Tudo se cria, com a graça de Deus, mas se não fosse a professora e uma que outra vizinha mais daimosa...

 

          - A dona Suzete bem pode encher-lhes o fole e trazê-los vestidinhos e calçados com o que lhe vai ficando dos filhos que, mesmo assim, os lapantins raras vezes lhe põem os pés na aula.

 

          - E então se são finos! Disse-o ela, às mães dos outros, que se agarrasse mais meia dúzia espertos como os do Soutelinho, outro galo cantaria. Assim eles quizessem ou que o pai tivesse mão neles.

 

          O Larufas estava mortinho por meter a colherada na conversa, agora que a jogatina sossegara, e, à laia de quem saca do trunfo guardado, alvitrou:

 

          - Quem não é para os fazer não é para os criar!

 

          - Já cá fazia falta o agoiro do noitibó! Dá ao diabo o que sabes e tem tento na língua! - saíu a atalhar o Armando, com receio de que a conversa descambasse.

 

          - Se calha é mentira o que por aí se diz dela e do guarda-fiscal de Penedono?! - a contragosto, o Larufas recuava a entrincheirar-se nas bocas sujas do mundo.

 

          - Olhai que os antigos bem o diziam - tu que o sabes e eu que o sei, cala-te tu que eu me calarei! - Ainda o corpo da Belmira não se sumiu debaixo da terra e já lhe trazeis a alma mais encardida que as ceroulas de um pobre. Se tiver contas a dar a Deus, lá está onde o pague! - sentenciou com amargura o tio Laurentino.

 

 

 

          Respaldado pela sensatez daquelas palavras, que cavaram fundo um rego de silêncio, já o Armando podia virar de vez o bico ao prego:

 

          - Bem, adiante que atrás vem gente! Já sabeis a última do Serafim Moleiro? Aqui a atrasado cismou com o burro que havia de o fazer passar as poldras, em vez de dar volta pelo pontão. E não é que passou?! Mas, apenas se agarrou do outro lado do rigueiro, o burro espetou com ele no chão e desatou às parelhas, até parecia que tinha visto um trasgo. O bruto esmoucou-se todinho mas não se deu por achado. Virou-se para o burro, com aquela carinha de bonserás, todo enlameado e a verter sangue das ventas, e saiu-se com esta: Estás a ver, não adiantaste nada que eu também já me queria descer?!

 

Quem mo contou foi a tia Clorinda que tinha ido ao rio lavar umas tripas e deu com aquele disparate. Diz que já há bem anos que não se ria com tanta vontade!

 

          Finalmente a coisa desanuviava, e o Chegamisso, que até aí não tinha aberto a boca, entendeu que seria boa altura de botar faladura:

 

 

          - O Moleiro nunca foi muito escorreito. Também, ou que seja de se ver tanto tempo sozinho, sempre com a mesma...

 

(continua)


02
Jul11

A Missa do 7º Dia (11) - Por Luís Fernandes


 

XI

(Último Capítulo)

 

Na segunda quarta-feira da romaria, pela noitinha, dez dias após a partida para Itália, Demar regressou à cidade.


Embora «'stourado de cansaço», cansado, mais até pelas inquietações e lembranças da «su'Aninhas» do que pelas horas de condução - e os brasileiros até eram simpáticos e gentis, mal conseguiu dormir, com a pressa de ver chegada a madrugada da 5ª fª seguinte.

 

É que à 4ª fª segue-se a 5ª fª. E a 5ª fª era o dia, não, era a manhã, não, não, era a madrugada em que ele podia estar com a «sua Madalena», a «su'Aninhas»!


Lusco-fusco do amanhecer de 5ª fª e já o Demar estava no portão do Mercado, que dá para as Longras.


Raparigas casadoiras e mulheres de todas as idades iam entrando e saindo da Padaria Rito.

 


E hoje até um polícia (pareceu-lhe o amigo Guimarães) por ali fazia a ronda.


Encolheu-se no portão.


E o coração ia-lhe ficando cada vez mais encolhidinho.


O tempo passava, o sol já se levantara e alumiava toda a cidade. O desânimo murchava-lhe o olhar e escurecia-lhe a alma.


Derreado com a tristeza, as mãos nos bolsos, os olhos fixos nos cordões dos sapatos, atravessou, julgando-se moribundo, o pátio do Mercado, subiu, com penoso sacrifício o calvário da escadaria que dá para a Rua do Olival, esqueceu-se do Mercedes e foi para casa.


A febre prendeu-o à cama até Domingo de manhã.


Nesse Dia santificado, à hora costumeira da ida à Missa, lá estava na esquina da Trindade. Mas na Rua Direita não viu subir a «sua Madalena».


Deixou de rezar. Deixou de acreditar.


FIM

Mozelos, 8-Novembro-2009

Luís Fernandes

02
Jul11

Pecados e Picardias - Por Isabel Seixas


 

Embriaguês

 

Desceu a rampa numa coreografia solicita com a deambulação diagonal, sorria e cuspia-se, talvez mesmo por se cuspir passava ao rir, ela a sua mulher fatal impulsionava-o num bailado sensual(…).

 

Todo ele ela, num só olhar sem olhar, invadido pela força de estar a sonhar…


Com Ela a chuva trazia um dia solarengo, e a beata era um charuto de Havana,


ou  mesmo a velha que sardónica diz…

 

-Ó homem!Que carraspana!...

 

Bruxa, que sabe ela da vida de um homem…

 

Com Ela a murraça da taverna era cá uma pinga de se lhe tirar o chapéu, a dor era suave até lhe fazia companhia, o ódio do vizinho era a indiferença do vazio, a impotência da pobreza força de fé no verdadeiro criador, tudo era bonança…

 

Apetecia-lhe andar , mas até por isso  mesmo se ia sentar… Que é que foi? Nunca viram?...

 

 

-Ò homem não vê que se está a molhar todo?...

 

-Meta-se na sua vida, bruxa…Toda contente por poder lastimar, criticar, com a cabeça abanar, ainda gostava era de a ver com uma “bezana” (…),Riu da imaginação,ora essa a beata bruxa borracha,,, Tinha graça…Escomungada.

 

-Que triste figura, eu bem sei do que você precisava, era mas é de beber água…

-E você de beber umas pingas valentes

-Malcriado, grosseiro, bronco, torgueiro nem se tem de pé!...

-Ai não ?Quer ver-me a fazer o quatro ?...

-Eu não disse??Bonito sim senhor que lindo aí esparramado é que está jeitoso…Bem feita

-Deixe-me em paz sua pica-miolos.

 

- Ó Sr…?! Que lhe aconteceu?Ó valha-me Deus deixe-me ajudá-lo.

 

 

- Foi um demónio que me empurrou (…)

 

 

Isabel Seixas

02
Jul11

Aldeias e Programas


Muita da nossa vida é feita de esperas. Disto ou daquilo, de alguém, às vezes até de coisa nenhuma, mas espera-se como quem tem esperança. Esperava eu ontem ter algum tempo para vir aqui trazer um pouca da agenda de Chaves para este fim-de-semana, mas as lides da casa, da família e de outros afazeres entretiveram-me no tempo e não pude cumprir aquilo que esperava cumprir.

 

Faiões

 

Mas mais vale tarde que nunca, diz a sabedoria do povo, e o povo tem sempre razão, sempre-sempre, mesmo que as vezes lha tirem ou não lha dêem, nem por isso deixa de ter razão. Mas ia eu dizendo que deveria ter vindo aqui antes com a agenda de Chaves para este fim-de-semana, que já começou ontem em acontecimentos de interesse, sim de interesse, porque às vezes também acontecem coisas interessantes em Chaves.

 

 Sanfins da Castanheira

 

Assim, entre a espera das crónicas que hão-de ser publicadas hoje e duas fotos das nossas aldeias, porque hoje aqui (no blog) também acontecem aldeias, fica o programa para hoje e amanhã, pois o de sexta-feira já aconteceu. É um programa de música que promete ser da boa, pelo menos é interessante e diferente. Trata-se o “Festival de Música Tradicional Folk”, com 4 grupos para a noite de hoje com o concerto a iniciar-se  às 21H30 no Jardim Público, fazendo lembrar as antigas noites quentes de Verão onde as verbenas aconteciam sempre no jardim aos sábados à noite e que tão boas recordações deixaram.

 

 

À noite há concerto, mas as actividades deste festival começam logo pela manhã e prolongam-se até domingo à noite, conforme o programa que fica em imagem.

 

Ainda para este fim-de-semana temos a feira das velharias, como habitualmente no Jardim do Bacalhau, um ponto de encontro para coleccionadores, curiosos e apreciadores de velharias onde também há sempre coisas interessantes para ver, comprar ou até vender.

 

Parece bem mais interessante este programa de fim-de-semana que o programa que nos espera para as “festas” da cidade do próxima dia 8 de Julho.

01
Jul11

Chaves de Hoje


 

Hoje deveria acontecer por aqui mais um “discurso sobre a cidade”, pois, mas nem sempre é possível acontecer o que deve acontecer. Assim, o discurso de hoje é feito em imagens, apenas duas, mas com aquilo que vamos tendo de melhor – o nosso centro historio, o seu casario e algum verde que vai embelezando e enriquecendo o nosso património histórico, no caso, seiscentista.

 

 

E vamos indo, insistindo e resistindo à moda e concorrência das redes sociais. Porque aqui continuarão as palavras partilhadas dos nossos flavienses que gostam da escrita e quando tal não for possível, como hoje, ficam garantidas as imagens de Chaves de hoje, nem que seja apenas e só para memória futura.

 

Até amanhã, ou quem sabe talvez ainda hoje haja mais qualquer coisita…

 

 

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