Palavras colhidas do vento... por Mário Esteves
Na edição da semana passada do jornal “Expresso”, veio publicado um mapa de Portugal, com os “ganhos e perdas de habitantes” por concelho, entre os anos 2001 e 2011.
Como era de prever, reflecte a tendência dos séculos passados, salvo uma ou outra excepção, na qual o interior norte e centro do país continuam a ser as zonas onde mais ocorre o declínio de habitantes. Se somarmos a emigração, o envelhecimento, o abandono da população rural em trânsito para as cidades ou vilas e na generalidade para o litoral, a falta de oportunidades, não estaremos muito longe da realidade que viveram os nossos pais e avós.
Também não surpreende que o sul do país seja uma das zonas, nas quais predominam os concelhos, mesmo do interior, com uma quebra de habitantes mais moderada, com percentagens entre os -2% a -10% e 2% a -2%.
Assim como é claro, que o litoral navegue nas percentagens mais animadoras: na faixa dos 2% a -2% e 2% a 10%.
No caso particular de Trás-os-Montes e Alto Douro é maioritária a percentagem na faixa dos -10% a -20%, estando o concelho de Chaves, juntamente com Freixo de Espada à Cinta, Macedo de Cavaleiros, Mesão Frio, Miranda do Douro, Mirandela, Peso da Régua, Sabrosa e São João da Pesqueira, nos -2% a -10%.
Bragança e com maior intensidade, Vila Real, fazem valer a condição de “capitais de distrito”, centralizando serviços administrativos, mantendo-se o primeiro na divisão intermédia de 2% a -2% e o segundo em nítida ascensão, ombreando com concelhos do litoral, onde ocorreram significativos aumentos de habitantes, na percentagem de 2% a 10%.
Em relação à “Bila”, além do que se referiu, não será estranha a este crescimento demográfico a circunstância relevante de nela ter sede a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, com os cursos mais aliciantes e maiores possibilidades de acesso ao mercado de trabalho.
Li um artigo de opinião num jornal regional, no qual se louva a atitude do recentemente empossado Primeiro-Ministro, Passos Coelho, por se ter deslocado expressamente a Vila Real e à Assembleia Municipal para apresentar a sua demissão como presidente deste órgão, atendendo às exigências do cargo para que foi eleito nas últimas Legislativas e às particulares dificuldades que o Governo correspondente a esta Legislatura enfrentará.
Compreende-se o natural regozijo dos vila-realenses pela eleição de um cidadão que consideram da terra.
Já o acto em si e para mim, salvaguardadas circunstâncias excepcionais, apenas teve o valor do exercício de um acto democrático e de respeito pelos cidadãos eleitores e pelo órgão que presidiu, independentemente da sua representatividade ou carácter deliberativo.
Poderá ser um exemplo, mas, na minha opinião, é ou deveria ser a regra e não a excepção.
Desafortunadamente a regra é Fernando Nobre …
Tenho para mim … que o poder seja que natureza for, transforma as pessoas.
Agarrem num cidadão anódino, amigo da mulher e dos filhos, contribuinte obediente ao erário público, comedido nos actos e palavras, respeitado pelos vizinhos, vida sem alardes ou grandes pecados salvo a sueca à tarde depois do emprego e umas “minis”, o café curto com “só um golinho” no bar de sempre, depois das refeições, a leitura dos jornais e revistas à borla na papelaria do hipermercado ao sábado, o futebol ao domingo, que lhe faz “perder os nervos” e soltar aqui e além umas pragas ou dar um pontapé no vizinho da frente, a quem, envergonhado, pede desculpas de imediato; passem-no de candidato a uma eleição a eleito e verão a diferença.
Começa pelo falar, antes inteligível, agora arrevesado, perde-se nos becos; a voz sumida, que mal atingia a pauta, agora, altiva, sobe aos agudos, nas ordenanças e quando o engenho aconselha, baixa aos graves, melíflua, sem faltar a pancadinha nas costas e o sorriso fingido.
Segue-se o trajar, o fato coçado nos cotovelos e mangas desaparece num “lustro”, a camisa engelhada passa a ser substituída diariamente e os sapatos brilham como nunca.
Deixou de frequentar o bar de sempre e foi substituído pelos companheiros da sueca, por excesso de faltas.
Aos vizinhos o cumprimento ligeiro, apenas mais efusivo quando há necessidade, no demais distanciamento, que são uns “chatos”, sempre a pedir, a pedir …
O viver entre portas com a mulher e os filhos, desmorona-se aos poucos, na proporção inversa aos conhecimentos e cumplicidades que vai angariando, pelos favores que concede no seu próprio interesse.
Prepara-se para mudar do velho apartamento para uma vivenda em sítio tranquilo num loteamento há pouco aprovado e trocar o desgastado Opel Corsa por outro carro mais de acordo com a sua actual posição …
A separação entre o possível e o impossível, a princípio intransponível, começa a esbater-se em “fortes probabilidades” … “ter pernas para andar” … “a existir empenho entre ambas as partes e a máxima confidencialidade é mesmo, mesmo, muito possível”...
É natural que hajam excepções, são elas que nos fazem continuar a crer.
Mas o poder embriaga…
Como ao alfaiate de Santo Amaro, que, ao regressar a casa, numa noite, com o ribeiro de Rivelas a transbordar e as águas a chegarem quase ao começo da ponte, a poucos metros da Casa de Saúde do Doutor Fernandes; ébrio por força de umas goladas de um tinto poderoso de Águas Revés, que emborcara numa tasca “trás da Câmara”, caiu do passeio da ponte para o ribeiro, em consequência de uma passada mais incerta, mas com tanta sorte, que ficou direito, embora encharcado até aos joelhos.
Atónito, exclamou para os companheiros de bebedeira:
- “Olha …Olha… Que cheia! Até o Rivelas já passa por cima da ponte …!”
Pois é, alguns dos nossos estimados eleitos, tão extasiados e absortos estão a exercer o poder pelo poder e tal se lhes permite, que estão como o alfaiate de Santo Amaro.
Mário Esteves