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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

27
Ago12

Intermitências - Paragens do Interior


 

Paragens do interior

 

 

Há sempre alguém sentado numa paragem de autocarro. À espera de uma mudança ou apenas de si próprio. Hoje decidi fazer-me à estrada, com mochila às costas e bloco de notas na mão.

 

Primeira paragem. Notas melancólicas num sítio feito para gente que não tem nada a perder.

 

“ – Deus pôs-nos aqui por uma razão: falarmos uns com os outros. E eu falo a cantar –, dizia Bobby Womack, o último soulman ainda vivo que viveu tudo: pobreza extrema, casamentos impróprios, relações mais impróprias, morte de irmãos e filhos, divórcios, drogas – e conseguiu sempre voltar. Também eu, um entre milhões, fantasma numa aldeia longe do dito mundo civilizado, tenho uma paixão desmedida por notas de “rhythm and blues”… É que a sinto mesmo essa maldita tristeza! Sempre vivi sozinho e, a não ser de tempos em tempos alguns familiares mais chegados, nunca levo ninguém a casa. Tenho lá um pequeno altar dedicado ao soul, que adquiri ao longo dos anos em alfarrabistas e antiquários. Todos os dias, como bom pecador, entro na minha igreja para ver, ouvir, tocar, cheirar e saborear o amor e a paz. Esta é a minha fé, o que aí sinto é o céu. Quando canto, não falo como o Womack, existo apenas. Assim na terra, como no céu”.


Fotografia de Sandra Pereira


Segunda paragem. Ilusões desfeitas num sítio feito para gente que se quer esquecer a si própria.

 

“- Queremos sempre convencer-nos de que nunca estamos sós. Para isso é que existem a família e os amigos, não são para as ocasiões, ora não é verdade? Não olhe para mim com essa cara! Não acredita? Pois eu também não. O homem é interesseiro! Somos todos uns grandes egoístas, é o que é. Já pensou? Também nós somos uma moeda de troca como o euro e o dólar, por isso é que gostamos tanto do dinheirinho! Está a olhar para o meu tinto? Não quer um gole? Pois há-de querer, é o que eu lhe digo! Também eu um dia acreditei no amor incondicional, que vem de cá de dentro, que há sentimentos bonitos que não se explicam… Mas ninguém vai ter com alguém só porque “gosta” dele. Pense lá bem. Há sempre algo em troca ou não? Se o outro não lhe dá o “troco” que espera ou acha que merece, perdoa sempre? Regressa sempre? Só se tiver algum interesse! Nem que seja o da certeza de não ser consumido pelo veneno dos homens. E porque havemos nós de merecer algo? Quer que lhe diga? Eu não precisei de filósofos nenhuns! O homem? O homem é um cobarde”.

 

Terceira paragem. Memórias sofridas num sítio feito para gente que deixou de existir.

 

“Gosto de escrever… Também tenho manias com a pontuação, como o Saramago... Todas as minhas frases acabam em reticências… Antes escrevia muito, porque pressinto coisas… Não sou supersticioso, nem místico... Só tenho a 4ª classe, mas tenho muito instinto... Antes seguia-os, ajudava pessoas e depois passava tudo para o papel... Depois ardeu tudo... A casa, a família, as letras... E hoje pergunto, como foi possível não ter tido essa premonição… Vi tudo devorado pelo fogo... E eu e a minha fé… Hoje ainda alinho umas frases, acabam todas em reticências…”

 

Quarta paragem. Frases soltas num sítio feito para gente que não se importa de esperar.

 

“Fui-me embora da terra onde nasci e voltei. Às vezes, arrependo-me. Outras, penso que a vida não tem nada melhor a oferecer do que isto. O que faz os lugares não são as pessoas? Aquelas que a gente gosta e que gostam de nós? Pois é aí que devemos estar. E depois lutar para ser melhor. Eu estive fora, agora estou cá, e sempre lutei. Não pelas mesmas coisas, nem com as mesmas armas, mas sempre lutei. O importante é ter algo que nos dê força para saber existir e lutar. Ah! E erguer os olhos aos céus para não ter muitas desgraças… Aqui não há emoções, mas há sentimento. E basta. A mim só me interessa paz e sossego, o resto eu aguento”.



Fotografia de Sandra Pereira


Quinta paragem. Histórias inesperadas num sítio feito para gente que teima em procurar uma ordem inscrita nas estrelas.

 

“Sou uma pessoa simples, dizem-me. Pois sou! Vou complicar o quê? Fico aqui sentadinho, quando não tenho que fazer e estou de barriga cheia, à espera… De nada, claro, mas que mais posso fazer senão esperar? Isto aqui é muito calmo, mas até é bonito. Já viu como se vêem bem as estrelas daqui? Muitas vezes, penso que sou tão insignificante como elas, lá longe e perdidas no céu, e depois, quando a gente menos espera, sai-nos cada uma! Uma vez, chegou-se um caminheiro ao pé de mim. Vinha de longe! Dos Estados Unidos! Dei-lhe um golito de vinho e ele contou-me que caminhava para viver, para mudar de camisa todos os dias, para não pensar e pensar ao mesmo tempo, para tentar ser ele próprio. Disse-me que eu estava bem aqui sentado, que o mundo está entulhado de coisas que entulham a cabeça e os olhos das pessoas e as tornam violentas, selvagens, más mesmo. Disse-me que no país dele, as pessoas se auto consomem sem reparar que é isso que as auto destrói. Pelo menos eu, dizia ele, olho para a terra, para o céu, para a água e para a gente, que no fundo é o que ele faz também quando caminha para tentar não permanecer demasiado tempo ao pé de pessoas que só olham para coisas que podem tocar e possuir. Vê-lo assim todo suado, magrinho e tudo, até tive pena, não sei lá o que deixou lá na terra dele…E depois tive pena de mim, até me vieram as lágrimas os olhos! Eu que me achava um condenado, um renegado por Deus que só veio a este mundo para trabalhar para comer, trabalhar para comer, numa roda infernal que nunca pára de girar… Faz algum sentido tudo isto? Depois, o americano lá continuou o caminho. Disse-me que, enquanto eu estivesse aqui sentado, toda a humanidade que interessa conhecer viria ter comigo, mas que ele tinha boas pernas para percorrê-la até morrer…”

 

Há sempre alguém sentado numa paragem de autocarro, simplesmente porque estas não devem o seu nome ao acaso. Parar é render-se às evidências.

 

Sandra Pereira


27
Ago12

Quem conta um ponto... Um, dois, três...contos outra vez


 

Um, dois e três… contos outra vez

 

1 – A galinha garnizé


Não é minimamente aceitável que se faça pouco da inteligência das galinhas garnizés. Não sendo tão grandes como as outras, são mais aguerridas, mais carinhosas com os pintainhos, mais defensoras do seu território, mais independentes dos galos, mais poedeiras, mais mexidas, decididas e guerreiras. Sabem adivinhar os eclipses da Lua e o vento Norte. Eu conheço uma que dança de roda quando houve música do Marco Paulo, que salta quando vê um padre e que cacareja ao contrário quando avista uma bruxa das más (Ai Mimi, Mimi, finalmente chegaste a um conto meu). Também adivinha os dias de trovoada e as noites de geada negra. É tão atenta e perspicaz que descobre um mentiroso pelo sorriso, um caloteiro pela maneira como se senta e um político invejoso pela grafia. Tem esta galinha garnizé o condão de se rir nos dias santos, sem que ninguém lho sugira. É também muito piedosa, muito tolerante com os outros e, sobretudo, sobe e desce escadas com uma pata só. Gosta muito de passear de carro, sobretudo de descer a Rua de Santo António aos domingos, especialmente quando as pessoas saem da missa. Nas noites de Natal canta lindas canções que ouve na televisão. Chegou a assistir a uma missa do galo e cacarejou com tanta ventura que a vaquinha e o burrinho choraram lágrimas verdadeiras e até o menino Jesus do presépio se sorriu. O que também é um milagre e, mesmo que pareça trivial, cai muito bem numa noite de consoada que é a festa da família onde os animais têm o mais honroso papel.

 

2 - O boi da corte

 

Veem o Larouco lá em baixo? Era ali que eu gostava de viver, entre a relva fresca e verde, entre as nuvens, o ar puro e os animais selvagens. Tudo menos andar rodeado de seres humanos que apenas me utilizam para competir simbolicamente em nome do seu pretérito orgulho tribal. E eu não gosto mesmo nada de andar por aí às marradas aos outros bois como se eles fossem os meus inimigos. Inimigos são os homens que me fustigam o lombo com as varas quando vou para o campo de batalha, quando perco a luta ou mesmo quando a ganho. Tristes ou alegres, derrotados ou vitoriosos, dão-me sempre com os varapaus nos costados. E eu ali a aguentar o desaforo. Por vezes só me apetece lançar-me a eles às cornadas e projetá-los lá bem para longe. O que eu queria de verdade era andar por esses pastos fora em liberdade e não fazer o papel de boi da Corte, como antigamente os bobos eram obrigados a representar aos pés do seu rei. Antigamente éramos os bois do povo, agora somos os bois dos parvos ou de um patrão que nos utiliza como animais amestrados de circo. E lá se foi a simbologia totémica, a virilidade serrana, a força telúrica do seminal. O que mais desejo é ver-me livre destes patetas e ir correr à desfilada por esses campos fora à procura de uma vaca que me espere e deseje. Uma vaca redondinha, amável e prazenteira. O resto é-me indiferente. E por agora é tudo, porque já ali vem o meu tratador para me levar para o estábulo. E eu que enjoo quando ando na camioneta. Ó triste sina a minha!

 

3 - O solilóquio libidinoso sobre um boi de barroso feito por uma digressionista ocasional logo após uma chega

 

Vou filmar este bicho espantoso enclausurado dentro do contentor da camioneta. Depois da vitória, o encarceramento. Ó desconsolada ironia! Já filmei o animal a turrar com o seu competidor. Já o filmei a resfolegar. Até já o cinematografei a espumar de irritação. É um magnífico animal, sem dúvida. Uma autêntica força da natureza. Um cântico à virilidade. E que genitais, meu deus! Que genitais! Que quadris! Que força! Quando mostrar isto à Lili de certeza que vai alterar-se copiosamente e sorrir. Ela adora animais potentes. Ela é doida por genitais. Tudo o que sugere virilidade a aproxima da parede. E ela adora ser encostada à parede. Ou estendida no chão. Ou assentada metodicamente numa mesa. Este toiro bravo faz-me evocar o Manuel. Era ele um autêntico beligerante. Era montês a esgrimir gládios. Era arrojado e destemido. Saracoteava com muito talento a silvestre agitação dos guerreiros. Agora vou confecionar um grande plano do frontispício do viril bovino para cinematografar os seus olhos. Olhos serenos. Olhos diligentes. E que genitais, meu deus! Vou também filmar os chifres. Armadura alta. Arnês apontando ao céu. E que genitais, meu deus! Também tem o dorso bem desenhado, pernas enérgicas e locomoção segura. E que genitais, meu deus! Que potência! São testículos telúricos. Uma ejaculação deste bichano deve ser como uma trovoada de Verão. Tem os músculos bem tonificados. E que genitais, meu deus! Nunca pensei que existisse realidade tão magnificente. A penetração dum bicho destes deve deixar a fêmea em estado de deslumbramento. Quando se desloca parece dócil. Mas quando investe contra o adversário até o piso tirita. Provoca cútis de galinha e tremores na espinha aos indivíduos alterosos. E que genitais, meu deus! Que genitais! Genitais destes são um excelso cântico à multiplicação indómita. E o Manelinho!? Bem, o Manelinho quando observar estas expressivas imagens vai dar saltinhos de contentamento. Vai emitir gritinhos de luxúria. Vai irradiar vagidos sincréticos e apologéticos. Mas que genitais, deus meu! Que opulência reprodutora! Que idiossincrasia indomável! Que estratégia construtiva! Que genialidade! Que genitais, meu deus! Que genes e tais! Bem alentados os genes. Bem ocorridos os garanhões informais. Bem-aventurados esses.


João Madureira



27
Ago12

De regresso à cidade


 

E cá estamos nós de novo de regresso à cidade, tal como todas as segundas-feiras, para início de uma semana que se prevê mais calma, pois chegou a hora de muitos dizerem adeus à terrinha com um até pró ano.

 

Claro que em imagem fazemos a entrada com aquilo que temos de mais nobre em Chaves, mas também com aquilo que vai ficando esquecido e a todos vai passando despercebido.




Imagens que para alguns também trazem de regresso memórias das pessoas e amigos que habitaram os lugares. Amigos de tempos de juventude que um dia também partiram para nunca mais regressarem. As vezes também acontece.

 

Ainda para hoje temos duas crónicas – Quem conta um ponto… - de João Madureira a acontecer às 9 da manhã e as “Intermitências” de Sandra Pereira a acontecerem às 5H30 da tarde. Até lá!



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