O Barroso aqui tão perto...
GAITA-DE-FOLES COM OLHOS E BOLSA ROTA…
Um dia o Prica foi à feira da Venda Nova. Andava ele a ver o toural do gado, esbarra com o Lobete da Coimbró e o Raposo de Salto a marralharem o preço duma vaca.
Chamaram-no para fechar o negócio.
Ora o Prica ficou, por assim dizer, entre o diabo e a mãe. O Lobete era primo; o Raposo, vizinho de porta.
Pergunta o Raposo, que, no caso, era quem vendia:
- Ó Prica, diz lá: a vaca é boa ou não é?
- É boa, é! – responde o Prica em voz alta. E depois, cosendo-se com o primo, em surdina: - Mas abortou há quinze dias…
Mas que o Lobete ouvia mal…
- Que dizes?
- Que a vaca é boa! – repete o Prica, arredondando a voz. E, por entre dentes: - Mas abortou há quinze dias…
- O Quê? – volta o Lobete, pondo a mão em concha atrás da orelha.
- Que a vaca é boa – Grita o Prica. E, voltando costas: - Vai-ta-foder…
Meia hora depois, o Raposo estava direito com ele.
- Vamos beber um copo.
- Obrigado, mas por agora não me apetece – responde o Prica, ainda com a má consciência de ter enfiado o barrete ao primo.
- Não me faças uma desfeita dessas! – insiste o Raposo. – Com um sol destes, quem não há-de ter sede? Cá por mim, estou com um secão que nem me tenho nas pernas. Vamos ali ao Machado, que tem lá um verdinho detrás da orelha.
Realmente estava calor e o Prica sentia a garganta seca. Aceitou o convite.
Estavam eles ao balcão, aparece o Lobete. Atrás do Lobete, vieram outros. Agora pago eu, depois pagas tu, pelo varrer da feira o Prica estava com uma zurca de todo o tamanho. Comprou um quarteirão de sardinhas para levar à patroa, meteu-as entre a camisa e a coiracha e juntou-se aos vizinhos que regressavam a casa. Lá veio vindo, monte arriba, de canto em esquina. À entrada do povo, apeteceu-lhe mijar. Desabotoou a carcela, puxou a cabeça duma sardinha para fora e pôs-se a mijar pelas penas abaixo.
Sentido o mijo nas coxas, começo a gritar:
- Ó rapazes? Quereis lá ver que se me rompeu a veia da urina? Ai a minha desgraça…
E, olhando para a sardinha na mão direita, à luz do luar, benzeu-se com a esquerda:
- Tó, diabo! Há sessenta anos que te tenho, e só agora reparo que tens olhos…
Bento da Cruz, In Histórias da Vermelhinha