Intermitências
Aeroporto
Sente-se feliz num aeroporto. Um dia antes apenas, sentiu o formigueiro no estômago associado ao início sempre surpreendente do amor. Hoje, sente o formigueiro no estômago associado ao início sempre surpreendente da partida. Sente-se feliz num aeroporto.
Quando um ataca, o outro recua. É a regra.
Um dia antes, ela sabia que tinha de fazer uma escolha. Pensou na quantidade de "e se..." que pautavam actualmente a sua vida. E nos formigueiros que nunca mais acabavam... Sentiu-se angustiada. Sentiu-se ansiosa. Sentiu-se afortunada. Deixou tudo atrás das costas. Quando um ataca, o outro recua. É a regra. Desta vez, ela tinha de recuar.
Sente-se feliz num aeroporto. Meses antes, sentiu o formigueiro no estômago associado ao início sempre surpreendente do amor. E o arrepio do primeiro toque físico. Um dia antes, sentiu o seu mundo a desabar quando ele admitiu que se tinha cansado dela. Dos seus gostos, dos seus hábitos, das suas manias. Era simplesmente ela, mas ele já não lhe achava mais graça. Hoje, sente o formigueiro no estômago associado ao início sempre surpreendente da partida. Sente-se feliz num aeroporto.
Quando um ataca, o outro recua. É a regra.
Fotografia de Sandra Pereira
Um dia antes, ela sabia que tinha de fazer uma escolha. Pensou na sua independência, pensou também na sua solidão. E nos formigueiros que não sentia há muito tempo... e no muito que podia partilhar e transformar em si e nos outros. Quando um ataca, o outro recua. É a regra. Desta vez, ela tinha de recuar.
Sente-se feliz num aeroporto. Anos antes, sentiu o formigueiro no estômago associado ao início sempre surpreendente do amor. Deixou voar o tempo sem nunca experimentar voar ela própria. Hoje, sente o formigueiro no estômago associado ao início sempre surpreendente da partida. Sente-se feliz num aeroporto.
Quando um ataca, o outro recua. É a regra.
Um dia antes, ela sabia que tinha de fazer uma escolha. Pensou no que a faria realmente feliz antes de morrer. Espremeu toda uma vida e não saiu nada. Viu toda uma vida laboral para adquirir um conforto que não a confortou. E para pagar uma doença ritmada pelo próprio labor. Sentiu-se angustiada. Sentiu-se ansiosa. Sentiu-se afortunada. Deixou tudo atrás das costas. Quando um ataca, o outro recua. É a regra. Desta vez, ela tinha de recuar. Sente-se feliz num aeroporto.
Sandra Pereira