Chá de Urze com Flores de Torga - 20
Não me canso de repetir aqui que Chaves deve uma justa e merecida homenagem a Miguel Torga, e por muitas razões, mas há pelo menos duas que se sobrepõem a todas as outras, e uma delas até poderá ser considerada interesseira porque dela, Chaves pode e deveria tirar alguns proveitos, mas eu explico:
Em posts anteriores dedicados a Torga já argumentei o porque de eu considerar Miguel Torga o maior poeta/escritor de Portugal e dos portugueses. Torga vale pelo seu todo da sua obra e do seu conhecimento profundo de Portugal e dos Portugueses. Duvido que alguém alguma vez os tivesse conhecido tão bem como Torga. Que tão bem os descreve nos seus contos e ensaios, mas sobretudo nos seus Diários, que pessoalmente considero a obra maior do Torga. Ora desde os anos 60 até à morte de Torga, que Chaves era poiso obrigatório nos finais de verão, quase sempre em setembro, Torga era em Chaves que passava uma a duas semanas da sua vida, tal como o testemunham os inúmeros apontamentos e registos no seu diário, demonstrando bem nesses apontamentos o bem que conhecia Chaves e o conselho, a região e as pessoas, todas sem exceção, pois Torga gostava andar misturado por entre as pessoas comuns, como mais uma delas. Mas Torga vinha a Chaves por uma razão muito especial – As Termas. É aqui que eu digo que Chaves poderá tirar alguns proveitos por reconhecer nas nossas termas as suas qualidades terapêuticas e convenhamos que não é um reconhecimento qualquer, pois convém não esquecer que Miguel Torga também era o médico Adolfo Rocha. E fico-me por aqui, pois haverá outras oportunidades para voltar ao assunto e para ratificar as palavras que hoje aqui vos deixo, nem há como deixar aqui o registo do seu diário no fim de Verão de 1984, numa das suas estadias em Chaves.
As passagens são todas do Diário XIV
Chaves, 2 de Setembro de 1984
Integrado no ritual terapêutico dos mais anos, desde o amanhecer que sou devoto em devoção, inteiramente alheado do resto do mundo. Quando o Outono se aproxima, toda a minha natureza doente me pede esta cura revitalizadora. E bebo religiosamente doses de água como se bebesse doses de energia. O mito de Anteu, para mim, vai até às entranhas da terra.
Chaves, 3 de Setembro de 1984
AMPULHETA
Que tempo o teu,
Que medes
Com princípio e fim?
O meu
Já antes era
E depois continua…
Rio barrento
De sofrimento
Nasce onde desagua.
Chaves, 4 de Setembro de 1984
Aqui parece-me sempre que em Portugal não há classes, há castas.
Chaves, 5 de Setembro de 1984
Subida esforçada ao castelo de Monforte. De vez em quando é conveniente verificar se os marcos de Portugal estão no sítio.
Chaves, 9 de Setembro de 1984
Dei hoje comigo a pensar na linda soma de dias felizes que, apesar de tudo, roubei ao afã da vida. Dias lúdicos de caça ou ociosidade termal, de comunhão total com a natureza, activa ou passivamente. Dias irresponsáveis, em que nenhuma autoridade me pediu contas dos passos que dei, das palavras que disse, dos pensamentos que tive. Dias tão clandestinos que serão contabilizados na minha existência gregária. Que foram os feriados dela.
Miguel Torga, In Diário XIV