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O Transmontano tem muitos traços culturais comuns que nos diferenciam dos minhotos, dos alentejanos ou dos algarvios, por exemplo, mas por muito que esses traços nos tornem iguais no ser transmontano e por vivermos atrás dos montes, por detrás de cada monte ou conjunto de montanhas, há uma realidade que é singular, própria de quem habita os sopés dessas montanhas, singularidade que se revela até nas pequenas diferenças dos contornos das montanhas, dos pequenos vales e da paisagem, no ar que se respira, na luz…em suma, há traços culturais que diferenciam os transmontanos das outras províncias, mas entre nós transmontanos também há traços que nos diferenciam uns dos outros.
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Ontem lá fui eu em peregrinação até ao S.Sebastião do barroso, não por devoção ao santo mas por devoção à tradição e a um traço da cultura barrosã – o comunitarismo - que ainda vai resistindo por lá e, como era conduzido sem ter de me preocupar com a estrada, ia deitando com mais atenção o olhar à paisagem e é escusado, mal se sai do concelho de Chaves a paisagem transforma-se, o ar torna-se mais frio e como diria Torga, sentimo-nos mais próximos do céu onde até as montanhas mais altas vestem a pureza do branco para dar mais luz ao inverno.
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O destino era, como já vem sendo hábito no 20 de janeiro, as festas comunitárias do S.Sebastião do Couto de Dornelas e das Alturas do Barroso e tal como também vem sendo hábito gostamos de chegar lá logo pela manhazinha para assistir ainda à montagem da mesinha do S.Sebastião que por sinal só é mesinha no nome, pois é bem comprida. Mas gostamos de a ver ainda sem vivalma a marcar o lugar ou à espera que venha a vara para saber onde vai cair o pão, a caçarola de arroz e as carne de porco, gostamos de visitar que já anda há dias a trabalhar para a festa e que passou as últimas noites em claro na cozedura do pão, o arroz e a carne estejam prontos para todos os forasteiros logo após a missa do meio-dia.
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Desta vez o S.Pedro, talvez arrependido pela zanga do último ano quando mandou que chovesse durante todo o dia, mandou cancelar a chuva ou então seriam influência do Bispo de Vila Real que este ano coloriu a festa com a sua presença e a bênção do pão. Foi-se a chuva mas ficou o frio e também aqui, no frio, se notam as tais diferenças de que falava no início, pois o frio do Barroso, embora muito mais frio que o nosso frio do vale, sente-se menos e é mais fácil de suportar.
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Mas vamos à festa em que nada há a acrescentar às edições anteriores. A tradição mantém-se. Rezada a missa, benze-se o pão que começa a sair para a longa mesa, e quase que em simultâneo a toalha de linho vai-se desenrolando ao longo da mesa, a vara mede onde deve cair o pão, em cima deste vem pousar a caçarola de arroz e a lado a carne, o S.Sebastião vai acompanhando os trabalhos enquanto os fiéis lhe beijam os pés e lhe dão uma esmola. Depois é só sacar da navalha, puxar do garrafão e saborear os sabores que também aqui são do Barroso, únicos. Quem já se deliciou com a iguaria, sabe do que falo, os potes fazem milagres e os minhotos sabem-no, pois os autocarros não se enchem só de boas intenções.
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“Merenda comida companhia desfeita” diz o povo e no Couto de Dornelas é uma realidade, pois aqui a promessa paga-se em duas frentes e a outra fica a uns tantinhos quilómetros de distância e bem mais próximo de céu, a neve do último nevão de há dias é uma testemunha disso mesmo, ainda nos cantos mais sombrios ou nas elevações mais elevadas. O próprio nome da aldeia não engana – Alturas do Barroso e mais alto que a aldeia, ali nas redondezas, só mesmo os Cornos do Barroso como se estivessem por ali de sentinelas a separar o Barroso de Montalegre do Barroso de Boticas.
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Aqui a mesa ao longo da aldeia é substituída por um salão, e o arroz e carne de porco, substituídos por uma feijoada, mas tal como no Couto de Dornelas não há forasteiro que saia da aldeia sem um prato de feijoada, um pão e um copo de vinho. O S.Sebastião aqui não percorre a mesa mas está à entrada do salão num florido altar improvisado. À porta, do lado de fora, há sempre música e bailarico ao som das concertinas, de preferência, as mesmas que no Couto de Dornelas deram música aos cantares e desafio.
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Mas a festa não se faz só pelo Barroso, pelas paisagens, pelas iguarias e pela música, pois estas festas também são lugares de encontros de amigos, alguns que não vemos há muito, outros há meses, outros só lá, outros que atravessam todo o Portugal para dizer presente, mas também há surpresas de outros amigos que aparecem por lá por não terem resistido à tentação de satisfazer a curiosidade de ver a festa, amigos que trazem amigos e que, depois de serem picados pelo bichinho da festa, passam à promessa de regressar todos os anos.
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O regresso a casa ora se faz pelo Barroso de Boticas ora pelo Barroso de Montalegre. Este ano calhou ao de Montalegre pois o Deus Larouco também ele vestido de branco, apelava a um olhar e nós fomos lá olhá-lo.
E é tudo. Para o ano, por esta altura, contamos estar cá de novo.
A meio-dia teremos aqui os "Estratos" da Rita.