Quem conta um ponto...
Pérolas e diamantes (73): burros de carga
Claudio Magris tem razão, do ponto de vista psicológico somos todos conservadores e ainda por cima cegos. Não conseguimos acreditar realmente que o mundo, tal como estamos habituados a entendê-lo, possa mudar. Mas ele muda. Apesar da nossa cegueira.
Agora está na moda o discurso sobre o discurso, como se o agricultor preparasse muito bem as alfaias agrícolas, calibrasse muito bem o arado, fizesse um discurso à mulher e aos filhos sobre a melhor forma de amanhar a terra, mas o pão e as batatas não chegassem à mesa. Bem vistas as coisas, o arado não é o objetivo. É o meio. E é disso que nos vamos esquecendo.
Por exemplo, aqui na nossa autarquia pensa-se sempre pequeno e a destempo. Andam sempre a errar o tiro e a correr atrás do prejuízo. Mas para o caçador matar um coelho, ou uma perdiz, tem de apontar para um ou dois metros à frente, porque, diz-nos a ciência da caça, só se apontarmos para diante é que podemos atingir os nossos objetivos.
Não é pois de estranhar que a capa da “New York Times” tenha dado destaque ao título “Em Portugal, o burro de carga vive de subsídios”, fazendo uma comparação entre o asno do planalto e o destino de Portugal e dos portugueses.
Raphael Minder, o autor do artigo, recordou que o burro foi essencial na agricultura durante muito tempo, mas corre agora o risco de extinção por causa do abandono das terras. Por isso Portugal, mais concretamente o seu interior, se encontra ameaçado “pelo declínio da população e com a sobrevivência dependente dos subsídios da União Europeia”.
Tudo isto serve para introduzir mais uma lamentável notícia. A Delegação de Turismo de Chaves, à semelhança da Universidade, da PJ, do Tribunal, do Hospital, vai ser transferida para Vila Real.
Ou seja, através de mais uma machadada desferida nos serviços da nossa cidade, comprometendo a sustentabilidade dos nossos espaços termais e a divulgação turística da região, bem assim como pondo em risco efetivo os atuais postos de trabalho existentes na delegação flaviense, vamos ficando cada vez mais pobres e isolados, remetidos à desqualificação, ao abandono e ao definhamento.
Falta pouco para nos transformarmos numa vilazinha descaracterizada, rudimentar e triste.
Se pensarmos bem, o poder central, em conivência com alguns políticos locais subjugados pela inoperância e pelo servilismo partidário, em apenas meia dúzia de anos levou-nos tudo o que era necessário e estruturante para a nossa cidade e para o nosso concelho.
António Cabeleira, o senhor presidente eleito, veio para os jornais afirmar que, numa conversa tida com o presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal, tinha ficado “no ar” a promessa de que a situação de encerramento da nossa delegação não se concretizaria.
Afinal concretizou-se. E o senhor presidente disse lamentar. Não disse “combater”, ou “contestar”, disse “lamentar”. Não disse “lutar” ou “insurgir-se”, disse “lamentar”. Como se a Câmara de Chaves fosse um muro de lamentações e ele um rabino ortodoxo.
Os flavienses elegeram um autarca que em vez de lutar pelos nossos direitos, apenas se lamenta. Em vez de agir, lastima-se. Em vez de atuar, suspira.
Mas também, temos de reconhecer, o poder autárquico que resultou das últimas eleições é uma fantasia. É uma ilusão. É um equívoco.
Com o senhor presidente a fazer de mestre-escola, a atual vereação camarária faz-me lembrar as palavras de Galvão de Melo, proferidas ainda antes do 25 de abril e que lhe custaram uma punição disciplinar, relativas à frota de submersíveis: “A Marinha Portuguesa possui apenas três submarinos e todos eles inoperacionais. Tem um que só sobe, um que só desce e um terceiro que nem sobe nem desce.”
Está visto que os políticos são cada vez mais atores que representam interesses alheios. Só que a nós calharam-nos logo os mais deslavados e incaracterísticos.
Um dia, ainda criança, o meu filho mais novo disse-me com o seu ar brincalhão: Pai, quando for grande quero ser político. Eu perguntei-lhe: Para fazer o quê? Ele respondeu-me com toda a sinceridade: Para não fazer nada!
Como naquela altura ainda andava iludido com a política, tentei fazer-lhe ver que não era bem assim. Ele, depois de toda aquela explicação, olhou para mim, sorriu… e foi brincar.
Chegado aqui, apenas me resta confessar que, tal como o ex-comissário Ledru-Rollin, do livro de Gustave Flaubert, “A Educação Sentimental”, a política só me trouxe desilusões e tormentos. E a explicação é a mesma. Tal como o senhor ex-comissário “pregava a fraternidade aos conservadores e o respeito das leis aos socialistas”. O homem foi tão bem compreendido que “uns tinham-lhe dado tiros e os outros trazido uma corda para o enforcarem”.
A mim não chegaram a tanto. Mas estou em crer que vontade não lhes faltou. Ou lhes falta. Mas o que tem de ser tem muita força. E a prestidigitação e a mentira em política não costumam durar muito.
João Madureira