Intermitências
É preciso um gato ter sorte para caçar uma gaivota
Espreita sorrateiro. Imóvel, mas já em posição de ataque, vê a gaivota distraída. Ela é inocente e livre, ele é ágil e esperto. O esquema já está montado.
Jamais a gaivota desconfiará de um gato sorrateiro, ele é terra, ela é mar. Ele nem sequer voa, ela nem sequer corre.
O gato é terra, o gato é independente e isso dá-lhe poder sobre os outros, tanto que se dá ao luxo de os ignorar e desprezar imperialmente quando não quer "festinhas". O gato é selvagem. O gato sabe que num sistema capitalista, o importante não é o que ofereces, mas o que podes obter. O gato espreita sorrateiramente a gaivota, mesmo sem saber voar, mesmo sem nunca ter ido ao mar. Sente a adrenalina a subir. A gaivota é bela e única, e ele nunca teve.
Mar da China Oriental, Outubro de 2008 - Fotografia de Sandra Pereira
A gaivota é mar, a gaivota é livre e isso dá-lhe poder sobre ela própria, tanto que se dá ao luxo de não criar falsas expectativas sobre aquilo que ela não é nem nunca será. A gaivota sabe que voando para longe do sistema capitalista, o importante é o que ofereces, pois só assim continuará a libertar-se dos pesos pesados para voar e continuar a sentir-se livre. A gaivota não desconfia do gato, mesmo que já por várias vezes outros animais da natureza tenham tentado possuí-la, prendê-la e privar-lhe da sua liberdade.
A tensão sente-se no ar... O gato salta do seu esconderijo, a gaivota levanta voo.
O gato sabe que num sistema capitalista, o importante é o que podes obter, mas esquece que o seu limite é a sua própria condição. O gato será sempre gato. A gaivota sabe que num sistema capitalista, estar fora dele é sentir-se só, incompreendida e mal julgada, mas livre. A gaivota será sempre gaivota.
Sandra Pereira