Estratos
Começo de canção
Hoje comecei a cantar uma canção. Canção sem música que essa é língua que não falo. E a letra ainda não a sei.
Às vezes fico tão cheia de palavras. Saem tantas. Atabalhoadas. Imprecisas. Impróprias de tão próprias. Tão poupadas. Tão pequenas. (Forretas, até.)
(Julgo-as mais forretas do que sou eu forreta com elas.)
Podia usar um dicionário, um glossário, uma enciclopédia. As palavras continuariam assim. Parcas. Poucas. Cibichinhas.
E não porque goste (ou por gostar mesmo) mais de gestos. Mais de factos. Mais de actos. Mais de jeitos. É só porque as palavras são palavras. E palavras, no dicionário, no glossário, na enciclopédia, são só palavras. Não leio sentimentos na palavra que segue o negrito.
E os gestos, os actos, os factos, os meneios, também não.
E as pinturas, as fotografias, os momentos também não. São traduções. Traduções minhas, tuas, suas Mas não são os meus, os teus, os seus.
Sentimentos é palavra singular que plural só a linguística lhe deu. Não tem partilha. (Não a conhece!) A partilha é para as opiniões, os pontos de vistas, as cousas públicas.
Este sentimento que nos une é tanto meu como seu. Nosso e vosso. Seu e deles. E mais dos outros. É terreno baldio. Terra de ninguém. Cultivado pode ser. De um extremo ao outro. Em todas as estações. Para a mãe é Primavera. Para o pai o ano ainda não começou. O filho já vai no Verão.
Quero estar ali. Onde ainda se semeia. E depois ver as flores nascer. E crescer, se puder ser.
E lembrar que os lírios voltam. E os amores-perfeitos não vivem sempre à varanda. Em casa da Tia estão no vão das escadas. (E brilham.)
Rita