O Barroso aqui tão perto... Histórias da Vermelhinha
HISTÓRIAS DE PADRES
História de Gatos
Menos prudente foi o outro a quem o P.e Cosme inquiriu:
- Facadas na castidade?
- Facadas em quem?
- Se já tiraste o virgo a alguma rapariga?
- À minha namorada.
- Quando?
- Pelo tempo das castanhas.
- E continuas a dar nele?
- Todas as noites.
- Aonde?
- Na cama.
- Na tua?
- Na dela.
- Quem é?
- A Zulmira Toutinegra.
P.e Cosme deu um pulo no assento. A Zulmira era o melhor virgo da freguesia. P.e Cosme fizera dela catequista das crianças e zeladora do altar-mor, na mira de a apanhar a sós na igreja e iniciá-la, a bem ou a mal, no culto de Vénus. Fizera já uma tentativa séria, mas fora repelido a unha e dente. Dente na beiçola, quando tentava beijá-la; unha no pau, quando, levantando de repelão a batina, lhe mostrava o aríete de cabeça ameaçadora apontada ao alvo… Atribuíra tamanha ferocidade à inexperiência da cachopa… E vinha agora este labroste dizer-lhe que a montava todas as noites… P.e Cosme sentiu ganas de lhe apertar o gasganete. Mas dissimulou a raiva numa voz melíflua:
- E como é que tu fazes para ir ter com ela, meu filho?
- Vou pela eira, finjo que sou um gato: Miau! Miau!, e ela abre-me a porta.
- Ai, que grande pecado meu filho! Duplo e imperdoável pecado! Violação de domicílio alheio e da pureza de menina tão prendada! Só vejo um castigo digno de tal pecado: o inferno! Nem te posso absolver…
O rapaz ficou apavorado.
- A não ser – volveu o confessor – que me prometas uma coisa.
- O que Vossa reverência quiser.
- Me prometas solenemente que nunca mais lá voltas.
O rapaz hesitava.
- Lembra-te do fogo do inferno! – insistia o padre. – Prometes ou não?
- Prometo.
- Eu te absolvo. Vai em paz e não voltes a pecar.
O rapaz deixou a igreja e pau murcho.
Nos primeiros oito dias fugia da namorada como o diabo da cruz. Ao fim de quinze, espicaçado pela carne e pelas saudades, atirou o cinto às malvas: « Se tiver de ir para o inferno, paciência…»
Horas mortas, foi pela soleira da jovem amante fingir de gato: Miau! Miau! Miau!
Começaram de dentro: Buf! Buuf! Fff!
- Ah! Filho da puta! Que se eu te não tivesse ensinado a miar, já agora tu não me bufavas…
Bento da Cruz, In Histórias da Vermelhinha