Discursos (emigrantes) Sobre a Cidade
Terra à Terra
Na vida de um emigrante, surgem amiúde meia dúzia de pequenos momentos que lhe relembram que está realmente fora do seu país. Datas em que o emigrante se sente realmente longe da sua terra, como que alheado de tudo o que aí se passa. Só, sem ninguém para poder partilhar o significado dessas datas que marcam não só a sua vida pessoal - como o aniversário de um familiar, a queima das fitas do primo ou o nascimento de mais um membro querido -, mas também a sua nacionalidade. Pois, além de não contabilizarem mais um feriado no calendário, quem entenderá o que é o 25 de Abril em Londres, na Alemanha, no Brasil, ou mesmo na vizinha Espanha?
Pode até haver quem ouça o cantarolar e a reprodução do bater das botas militares no chão da "Grândola Vila Morena" com graça, mas quem entenderá a força das palavras "o povo é quem mais ordena!"?
Pode até haver quem ouça a melancolia da "Trova do Vento que passa" com agrado, mas quem entenderá a intemporalidade e a actualidade das palavras "há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz que não", apesar do vento que "cala a desgraça"?
"A guerra é a guerra", já dizia Fausto, e "A terra é a terra", diz o povo português. E para quem - há 40 anos (verdes 40 anos!) - viveu, sofreu as repercussões e/ou transformou radicalmente a vida dos seus sucessores à conta da ditadura, não estar presente na sua terra para celebrar a liberdade, de cravo na lapela, e ter de cantar baixinho e timidamente as músicas da revolução a ouvidos que não entendem a actualidade da quarentona poesia que nos legaram (pó nem vê-lo!), amarga bastante...
Coimbra, 2005 - Fotografia de Sandra Pereira
Pois, tirando partido das "redes", que infelizmente quase deixaram de ser de pesca volvidos os tais 40 anos, que venha a terra à terra num grito de liberdade vindo do além fronteiras!
Aos doces revolucionários, porque nos contam que, há 40 anos, "foi bonita a festa, pá!"
Ao "25 de Abril sempre!" e aos filhos da revolução, porque nos contam que, digam o que disserem os anti-sistema, os desiludidos e a geração da "crise", o nosso país está hoje melhor, mais desenvolvido, mais seguro de si e dos seus valores, mais feliz, e Trás-os-Montes já tem auto-estrada! (sim, pensando na nossa terra de há 40 anos e na de hoje, a banda bem pode tocar sempre nesse dia em frente à Câmara Municipal).
À "Trova do vento que passa" e ao Manuel Alegre, Álvaro Cunhal, e muitos que, como eles, passaram pela nossa cidade de Chaves com destino à fronteira e nos fizeram sentir que também nós, isolados e alheados lá atrás dos montes, fomos um pouco revolucionários e ajudámos a mudar o rumo das coisas!
Do outro lado do Atlântico, também um dos nossos irmãos cantava, Caetano Veloso, "engraçado a força que as coisas têm, quando elas realmente têm que acontecer"... 25 DE ABRIL SEMPRE!
Sandra Pereira