Estratos
À janela do sol posto
De manhã começo pela rua. Meço a temperatura pelos vestires o nebulosidade pelos olhares. Depois, acordo as plantas e só no fim partilho o pequeno-almoço com os vizinhos. Pelo som, descubro pão quente na padaria e fruta fresca na mercearia que anuncia produtos nacionais, internacionais e económicos. É quase como os três bês do avô que serão, já o sei, os três bês da avó dos filhos que terei: bom, bonito e barato.
Ao entardecer tudo se mantém.
Ao anoitecer começo pela rua. Despeço-me do vizinho que fuma o último cigarro à sua varanda, sem para ele falar.Olho as plantas da minha e tomo a nota mental que se apagará de as regar na manhã seguinte. Sigo até à cozinha e vejo ao fundo o prédio arco-íris, sem saber bem em que rua é. Digo-lhe um adeus que gosto demorado, mas que raramente o é.
Para o fim, deixo a janela onde o sol se põe todos os dias, sem que em muitos me dê conta. Janela do sol posto. Janela das estrelas. Janela do dia. Janela da noite. Quando a fecho, mais um dia passou. Amanhã a vizinha recolhe os tapetes que têm ar de já estar secos. O senhor desce as escadas para fazer exercício e o miúdo leva o almoço para a escola que a mãe, a única ainda em movimento no prédio da frente, prepara.
Há janelas que mostram mundos. Há janelas que são mundos.
Rita