Pampilhosa da Serra, 25 de Novembro de 1979
Ao cabo de muitos e afanosos anos a percorrer Portugal – as suas mais recônditas aldeias visitadas, as suas mais secretas intimidades surpreendidas -, chego a esta triste conclusão: de tudo o que fomos, resta-nos apenas a paisagem e a língua. O resto foi-se. As rodas e as asas do progresso, a rádio, o cinema, a televisão, a onda de retornados e o fluxo de emigrantes subverteram e desfiguraram irremediavelmente a nossa realidade social e cultural. Usos e costumes pervertidos, arquitectura adulterada, memória perdida de valores ancestrais. Terras que conheci arcaicas há uma dúzia de anos, estão irreconhecíveis. E quem queira encontrar ainda em qualquer parte testemunhos da nossa identidade tem de olhar os panoramas e de ouvir falar. O chão e o verbo. Só neles persiste a pátria primordial como latência e vestígio.
Miguel Torga, in Diário XIII
Coimbra, 6 de Agosto de 1980
A alma pequena dos pequenos! Ninguém aqui admira ninguém. Aplaudimo-nos, quando aplaudimos.
Miguel Torga, in Diário XIII