Quem conta um ponto...
194 - Pérolas e diamantes: o madeiro da política
Com tristeza o digo, até porque foi tarde que o percebi: os flavienses possuem uma genuína vocação para se digladiarem. Deve ser o nosso destino de perdedores que apenas perdem porque se abocanham uns aos outros, ao passo que os outros, sempre unidos, batem em nós com vergastas lisas e verdes, explicando, e sorrindo entre dentes, que nos estão a libertar a pele de impurezas.
Já houve períodos em que a cidade possuiu as cores da vida e o fulgor do desenvolvimento. Agora a luz que brilha é apenas a do entardecer. O futuro radioso já não existe. Se calhar nunca existiu. Sobretudo porque deixámos de acreditar nele.
O ciclo autárquico do PSD de Chaves começou por tentar refazer a realidade de uma cidade que começava a definhar. E, de mistificação em mistificação, levou-nos, em via-sacra, até à atual situação de descalabro financeiro.
De importante já nada possuímos por inteiro. Apenas alguma réstia de dignidade, mesmo que angustiada. E mesmo essa já teve melhores dias.
A vida da nossa cidade foi sempre aquela que nos contaram. Agora vemo-la ao espelho e não a reconhecemos. Nem a ela, nem a nós. Apenas nos fica o escorrer das horas amargas porque passamos. E os doze anos de dissimulações, mentiras e omissões.
A farsa continua.
É verdade que em plena campanha eleitoral, a máquina eleitoral do PSD nos caiu em cima e nos pregou uma boa sova. Mas nós também lhe aplicámos alguns ganchos de esquerda e de direita, para não se ficarem a rir.
Olhando agora para o lado da oposição tradicional ficámos com a imagem de frangos de cabeça baixa dando bicadas entre si, momentos antes de lhes torcerem o pescoço. Foi esse equívoco que o povo de Chaves puniu.
Na política, a oposição corrige a honestidade, no poder agrava-a.
A prática política local entre o PSD e o PS faz lembrar aquelas pessoas que vão aos bailes e comentam enquanto batem com as taças de champanhe umas nas outras: “Afinal não é preciso ter as mesmas ideias para se dançar o tango.”
Aprendi com Machado de Assis que, como diz o provérbio, não é a ocasião que faz o ladrão, mas sim que a ocasião faz o furto. O ladrão nasce feito.
A mistificação, e a encenação política, de António Cabeleira e, por que não dizê-lo com frontalidade, de João Neves, fazem lembrar a Cabocla do Castelo, identificada pelo Mestre Assis em Esaú e Jacó, que afirmava adivinhar tudo o que era e o que viria a ser, conhecendo até o número da sorte grande, só não o dizendo nem comprando o bilhete para não roubar os escolhidos de Nosso Senhor.
Relativamente a João Batista, o cargo de Secretário da CIM até que não lhe cai mal. Ele é um homem simpático. Sempre foi. A agitação do poder até lhe retirou alguma gravidade. Quieto não fica nada mal.
Além disso, como leitor de Machado de Assis, aprendeu com o médico e político José da Costa Marcondes Aires, que nas controvérsias uma opinião dúbia ou média pode trazer a oportunidade de uma pílula, pois compunha-as de tal modo que o enfermo, se não sarava, não morria, que era, como todos sabemos, o que naquele tempo faziam as pílulas.
Já os estou a ouvir comentar como o amigo do Rubião que isto da política pode ser comparado à paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo; pois por aqui não falta nada, “nem o discípulo que nega, nem o discípulo que vende. Coroa de espinhos, bofetadas, madeiro, e afinal morre-se na cruz das ideias, pregado pelos cravos da inveja, da calúnia e da ingratidão…”
João Madureira