Coimbra, 11 de Março de 1985
Continua o entremez político. A mediocridade, a avidez e o desplante instalaram-se a todos os níveis de governação, e Deus nos acuda. Mas não é a degradação da classe dirigente que mais me aflige. Nunca alimentei ilusões a seu respeito. O que verdadeiramente me mortifica é o desinteresse, a indiferença com que o país assiste ao espetáculo. Não se vislumbra o mínimo sinal de indignação. É um alheamento passível, sem um resmungo, sem uma impaciência. Há horas colectivas más. Esta, para nós, é uma delas. Enquanto durou a ditadura confiávamos no futuro. Embora subjugados, éramos subversivos em pensamento. Tínhamos a esperança na vontade e a liberdade na imaginação. Agora, que fizemos a mais arbitrária revolução da nossa história, ficámos frustrados e desmotivados. Parecemos mortos a representar a vida no palco da nação.
Miguel Torga, in Diário XIV