Discursos (emigrantes) Sobre a Cidade
Espreitar (A)trás-(d)os-Montes
Um emigrante? Um emigrante regressa sempre à terra nos meses de Verão! É certo que é essa a altura das "férias", e contra isso não há volta a dar, mas haverá melhor satisfação do que regressar a Trás-os-Montes no Inverno, quando a nossa terra é mais verdadeira e revela todo o seu ser e sabedoria?
O dia de Todos os Santos, festejado com animação em Chaves mas sentido em todos os cemitérios da nossa região, marca o início da revelação do melhor da nossa terra, quando o frio chega, a testar a rudeza das carnes e das gentes. Até ao regresso da Primavera, há que aquecer para sobreviver a um Inverno rude, e a partir daí, todas as estratégias são válidas. Depois dos "Santos" e das castanhas de S. Martinho para provar a jeropiga, até ao Natal gelado, algumas vezes nevado, é "um pulo"! Então, aquecem-se as almas com filhoses, rabanadas, bolos de bacalhau e aletria, até a chegada da altura mais nobre, que define todo o ser de um transmontano: a matança do porco. E aí, mudamos de parágrafo.
Pelo concelho de Montalegre, Janeiro de 2013 - Fotografia de Sandra Pereira
Quem chega de fora e por bem, só vê alheiras e chouriças penduradas à lareira. Depois, espanta-se ao ver todas as adegas de porta aberta com um copo de tinto e histórias de vida à sua espera; espanta-se com o orgulho que cada um tem a dar a provar o que tanto trabalho lhe deu, sejam chouriças, pão, ou a hortaliça da horta; espanta-se com os sorrisos e a alegria que podem proporcionar as coisas mais simples da vida. O transmontano sente-se feliz quando dá, e ainda mais quando vê a cara de espanto de quem recebe e já esqueceu o "milagre" da partilha e dos afectos. A bem dizer, todo o ritual do porco é a alma do transmontano, que trabalha e reparte com os demais, pois "chega-te aqui para estarmos todos mais quentes".
Sim, é verdade, que frio se "rapa" quando se vai a Trás-os-Montes no Inverno, mas a nossa alma nunca aquece tanto como nesses dias de "rachar". É para não esquecer/perder essa alma que o transmontano deveria regressar de vez quando à sua terra nesses meses, porque aí reside o espírito comunitário que o mundo "moderno" agora tanto busca e reclama, e também porque aquecerá muitos corações solitários em terras despovoadas que sonham com visitas inesperadas. E ontem como hoje, continuará a preservar o nosso "milagre" da partilha e dos afectos, esse é o segredo que encontrará quem espreita (a)trás-(d)os-montes.
Sandra Pereira